Reportagem

Uma doença letal que não dá tréguas às vítimas

Alexa Sonhi

Jornalista

O Serviço de Neuropediatria do Hospital Pediátrico David Bernardino regista, em média, 30 casos de meningite, dos quais 40 ou 50 por cento acaba por morrer. O especialista em neurologia Pediátrica Leite Cruzeiro sublinha que “a doença é tão letal que se o paciente não morre, fica com graves sequelas, como paralisia cerebral, para o resto da vida”

24/04/2021  Última atualização 12H07
Hospital especializado no tratamento da meningite © Fotografia por: DR
Há quase três anos, Mara Andrade viveu os piores três meses da vida, em 2018, ao descobrir que a filha recém-nascida padecia de meningite, uma infecção provocada, principalmente, por uma bactéria ou vírus que consegue vencer as defesas do organismo e ataca as meninges, três membranas que envolvem e protegem o encéfalo, a medula espinhal e outras partes do sistema
nervoso central.

A doença provoca sintomas como dor de cabeça e na nuca, rigidez no pescoço, febre e vómito. Pode evoluir rapidamente, particularmente entre crianças e adolescentes, para perda dos sentidos, gangrena dos pés, pernas, braços e mãos.
À reportagem do Jornal de Angola, no Dia Mundial de Combate à Meningite, que hoje se assinala, Mara Andrade recua no tempo e lembra a gravidez, aos 28 anos, o nascimento da filha e o surgimento dos primeiros sintomas da doença.

"Era a minha primeira gravidez e foi tranquila. Não tive enjoos, desejos estranhos, edemas, pré-eclampsia ou outra complicação típica da gestação”, lembra.
A tão desejada filha nasceu por vias normais com três quilos e 400 gramas. Durante quatro meses, a alegria transbordava no lar de Mara Andrade. Infelizmente, no dia 20 de Outubro de 2018, a felicidade começou a transformar-se num verdadeiro pesadelo.
"Alexa, lembro-me como se fosse hoje. Tudo começou às 10h00, do dia 20 de Outubro de 2018. Dei banho a bebé e a coloquei na cadeira de descanso, para fazer a papinha dela. Quando a tirei para a amamentar, notei que estava muito quente”, conta.

Preocupada, Mara Andrade, que recusou ser fotografada, ligou para a mãe, tendo esta lhe orientado a usar o termómetro para determinar a temperatura da criança. "Quando retirei o termómetro, ela estava com 37,8 graus celsius. Molhei a bebé e dei um analgésico em supositório para baixar a febre”, revelou.

Depois de medicada, a criança passou bem o resto do dia, mas, à noite, voltou a ter febre, desta vez, chegou aos 39 graus, e começou a ter convulsões. Assustados, Mara e esposo levaram a filha ao centro de saúde mais próximo, onde conseguiram baixar a febre e foi-lhe diagnosticado o paludismo.
Durante três dias, a febre e as convulsões persistiam, por isso, o casal voltou ao médico, que os aconselhou a irem ao Hospital Pediátrico de Luanda David Bernardino para exames mais detalhados.  

Na pediatria, os exames preliminares indicavam uma possível meningite, mas era necessário um diagnóstico mais exacto sobre o estado de saúde da criança. Por isso, naquele mesmo dia, ela foi internada.
Dois dias após o internamento, ou seja, a 24 de Outubro, foi realizado um exame denominado punção lombar, um procedimento em que se retira o líquido cefalorraquidiano para determinar com exactidão se é ou não meningite. Infelizmente, o resultado deu positivo. A criança tinha meningite virulenta em estado avançado.

Após o diagnóstico, uma sucessão de coisas deixou Mara Andrade e esposo desnorteados. A cabeça da criança ficou inchada, devido ao líquido no cérebro, o pescoço perdeu o equilíbrio, começou a perder peso e a chorar constantemente. O casal temia pelo pior. Os meses de Novembro e Dezembro foram dramáticos para o casal. Numa corrida contra o tempo, procurou tratamento no país e no estrangeiro para manter a filha viva, nem que fosse com algumas sequelas. De nada valeu o esforço. No dia 31 de Dezembro de 2018, seis meses depois de ter nascido, a filha morreu vítima de meningite.

"Perdi a minha única filha devido à meningite”
Quase três anos depois, Mara Andrade e esposo recusam-se em aceitar a morte da filha, que desde a nascença parecia ser uma criança saudável. "Porquê a nossa filha?”, questionam-se, mas a resposta a esta pergunta, muitas vezes, nem mesmo os médicos conseguem dar, porque, à semelhança deles, outros pais, também, têm os filhos assolados por vários tipos da doença, como a meningite bacteriana, meningite viral, meningite fúngica ou meningite Eosinofílica.

 Doença infecciosa mais grave do mundo  

O especialista em neurologia Pediátrica Leite Cruzeiro considerou a meningite "uma das doenças infecciosas mais graves do mundo”, devido à alta taxa de mortalidade.  
Responsável do Serviço de Neuropediatria do Hospital Pediátrico David Bernardino, Leite Cruzeiro revela que, em 100 crianças com a doença, 50 acabam por morrer. "Esta doença é tão letal que se o paciente não morre, fica com graves sequelas, como paralisia cerebral, para o resto da vida”, sublinhou.

O médico explicou que, actualmente, são registados, em média, 30 casos de meningite nas urgências de Neuropediatria, com uma taxa de mortalidade a rondar 40 ou 50 por cento.
"Estes 30 casos por mês representam uma redução significativa no número de doentes que chegavam aos nossos serviços, porque, até 2005, registávamos cerca de 600 casos”, disse.
Segundo Leite Cruzeiro, esta redução foi possível com a introdução, desde 2005, de algumas vacinas contra as meningites no calendário nacional de vacinação, que tem estado a beneficiar muito as crianças.   

O médico explicou que o tipo de bactéria determina a vacina a ser aplicada. Em Angola, acrescentou, existem as vacinas contra as meningites do tipo B e pneumococo. "Está em falta a vacina meningocócica, por isso, temos apelado ao Ministério da Saúde para a sua introdução no calendário de vacinação. Embora não seja a mais frequente, é a meningite que mais rapidamente mata, em apenas 24 horas”, alertou. 


Idades mais frequentes
Segundo o especialista em neurologia pediátrica, a miningite afecta mais crianças menores de cinco anos, nomeadamente, os neonatos (dos 0 aos 25 dias) e crianças  de 18 meses aos três anos. Num entanto, prosseguiu o médico, a doença pode acometer  pessoas de qualquer idade.  
"A principal forma de prevenir a doença é por meio da vacinação. Portanto, para continuarmos a reduzir os casos de meningites no país, é importante que os pais cumpram com o calendário nacional de vacinação, onde todas as vacinas são gratuitas ”, aconselhou.

Questionado sobre o modo como um recém-nascido pode apanhar a meningite, Leite Cruzeiro explicou que tudo acontece durante o parto. "Caso a mãe seja portadora de alguma bactéria, com capacidade de transmitir a doença ou seja doente desta patologia, vai contaminar a criança que quase não tem ainda imunidade alguma”, disse. 

Por esta razão, aconselhou ser necessário ter muito cuidado ao visitar as crianças logo após a nascença, porque os adultos, apesar de não estarem doentes, podem ter a bactéria que causa a meningite alojada na larofaringe e, desta forma, transmitir a doença ao bebé.


Sinais da doença
De acordo com Leite Cruzeiro, o tempo é um factor determinante na abordagem da meningite. E este tempo tem duas vertentes. A primeira, a mãe deve ter a capacidade de reconhecer os sintomas e levar o filho imediatamente ao hospital. A segunda, o médico que receber a criança deve ter a capacidade de pensar na doença e não desvalorizar de forma fácil.

"É importante que haja um comprometimento das duas partes para que se tenha algum sucesso no tratamento. E apelo também aos pais que evitem levar os casos de meningite aos tratamentos tradicionais, porque a abordagem desta doença é meramente clínica”, alertou.  
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, mais de cinco milhões de pessoas são afectadas pela meningite anualmente. E  a cada dez pacientes, um morre em decorrência da doença e outros dois, ficam com sequelas gravíssimas .

Para minimizar os efeitos da doença, o Dia Mundial de Combate à Meningite foi institucionalizado para destacar a importância da prevenção, do diagnóstico, do tratamento e da melhoria das medidas de suporte daqueles que lidam com os efeitos potencialmente devastadores dessa doença mortal.  

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