Opinião

Uma estranha associação

Caetano Júnior

Jornalista

A imagem do Presidente angolano volta a ser colocada em causa na Comunicação Social em Portugal. A figura de João Lourenço foi associada ao tráfico de drogas. Uma colagem com aparência de inocência, feita como que inadvertidamente, pela estação portuguesa TVI24.

25/04/2021  Última atualização 06H00
No Jornalismo, como em muitos outros ofícios, erros ocorrem, lapsos acontecem, inadequações produzem-se, gralhas fazem-se, incorrecções cometem-se, enfim, até mesmo o absurdo, como é o caso, agora, da insinuação que liga a mais alta entidade de Angola à prática de um hediondo crime, pode, infelizmente, chegar ao público, em jeito de (des)informação.

O Jornalismo é das profissões mais honrosas e nobres, que deve orgulhar quem o abraça: informa, educa, edifica, denuncia, alerta, esclarece. É uma profissão cujo exercício deve ser regulado, sobretudo, por valores intrínsecos de quem o pratica, entre os quais se destacam a dedicação e a integridade moral.

Mas o Jornalismo tem, também ele, o lado perverso, a face oculta, cujo livre arbítrio o faz resvalar para áreas danosas do interesse público, que geram males como a manipulação e a mentira. É desse campo desregrado que costuma fazer recurso quem se serve do ofício para manchar, ofender ou difamar instituições, entidades ou cidadãos comuns.

Afinal, nem todo o jornalista tem carácter; nem todo o profissional (?) da imprensa é íntegro, se guia pelas mais elementares normas que regem a profissão ou se verga ao peso da ética e da deontologia ou de outros elementos que nos fazem humanos.

Pior: nem todos os grupos de imprensa, ou os títulos e estações que detêm, são movidos pelos mais nobres valores. Há, pelo mundo, provas dos interesses que os alimentam. Aqui mesmo, no nosso País, abundam exemplos que atestam o exercício de um Jornalismo falho no compromisso com o respeito à integridade moral e à dignidade alheias e com o interesse público. Em Angola, se calhar deslumbrado com um suposto "Quarto Poder”, de que acredita ser corpo integrante, o jornalista confunde âmbitos e distorce contextos, não poucas vezes, intencionalmente, para sustentar agendas com as quais assinou entendimentos.

Portanto, o que a TVI24 ofereceu, na última semana, nos seus serviços noticiosos, é mais uma prova dos perigos da festinação, da imprudência, da pressa em publicar ou divulgar; de que é preciso investir no aprofundamento do básico, em Jornalismo: no apuramento da informação, na confirmação de nomes, na verificação dos dados.

É, enfim, a aposta nos elementos que contribuem para a credibilidade da informação. Se, pelo contrário, a estação de televisão portuguesa se acha bem servida neste particular, deve repensar o Jornalismo que pretende. De outra forma, vai deixar persistente a ideia de que, em determinadas situações, tem agido com dolo, com má-fé, com intenção de manchar. E emergirão contextos em que um eventual "erro” deixará de o ser, a possível inocência da "gafe” passará a desconfiança e o "benefício da dúvida” acabará em suspeita de atitude daninha.

Na profissão de jornalista, na actividade jornalística, uma omissão, uma descontextualização, "um erro de simpatia” ou uma qualquer inexactidão devem permanecer, aos olhos de uma avaliação, o que aparentam, sem darem azo à mais leve suspeita de acto intencional de quem os cometeu. Só assim se pode explicar o enunciado segundo o qual "Errar é Humano” e risco associado a quem desenvolve uma actividade. Se o que a TVI24 fez pode encaixar-se no que considera "uma evidente confusão de identidade”, também cabe, perfeitamente, num acto mal-intencionado e carregado de dolo.

Abre-se, pois, a possibilidade de ter havido, do canal televisivo português, a intenção explícita de atingir a figura e o nome do Presidente João Lourenço, numa perigosa associação, à qual chamar "estranha” é até atenuar a gravidade do "incidente”.
O nome do Presidente de Angola ficou associado à notícia da cadeia de televisão portuguesa sobre a apreensão de drogas num jacto privado no Brasil, ocorrida há mais de um mês.

Durante a manhã do último fim-de-semana, a estação deu grande destaque à notícia de que João Lourenço estava no manifesto de voo privado - com destino a Portugal - alvo da inspecção das autoridades judiciais brasileiras, que encontraram enormes quantidades de droga. Horas depois, a cadeia de televisão assumiu o que considerou "erro” e o justificou com a alegada semelhança dos nomes João Loureiro, homem de negócios ligado ao futebol português, e João Lourenço, Presidente de Angola.

João Loureiro, empresário português, branco, e João Lourenço, Presidente angolano, negro, têm, no sobrenome, o elemento que pode ajudar a confundi-los (tirando o primeiro nome, obviamente): Loureiro e Lourenço.

Mesmo assim, é já uma possibilidade remota, forçada. Fora isso, a dissemelhança entre os dois é gritante, tão gritante, que não deixa espaço para que se estabeleçam coincidências. João Lourenço é o Presidente de mais de 30 milhões de angolanos. João Loureiro é um empresário num país de pouco mais de 10 milhões de pessoas. Portanto, a "evidente confusão” talvez resulte mesmo de uma má intenção deliberada.

Aliás, é tão consistente a hipótese de atitude dolosa, que a correcção da notícia, em jeito e reparação dos danos morais ao Presidente João Lourenço, chegou horas depois, num tom frio, seco e impessoal do apresentador. Mais suspeita a associação do nome do Presidente João Lourenço a criminosos se torna, ao juntarmos à abordagem a perseguição que determinada Comunicação Social portuguesa empreende contra figuras da governação em Angola.

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