Opinião

Vacinar a velhice

Manuel Rui

Escritor

Nem me lembraria se não fosse um amigo comissário da polícia me falar ter sido notificado para comparecer à vacina. De forma e com medo de não sobrar vacina para mim, tirei-me dos cuidados e fomos para a Vacina Palace.

18/03/2021  Última atualização 10H44
Era longe avisou-me o motorista. E eu acrescentei que idosos com dificuldades motoras, sem carro, padecem para chegar lá. E também não há muitos táxis para aqui. Ainda, acrescentei, tem países da América Latina, parece, que estão a vacinar o povo porta-a-porta igual como quando distribuem propaganda eleitoral. Interessante, uma boa parte de responsáveis políticos moram no apartheid de Talatona mas as vacinas vão descer à cidade alta para imunizar governantes e parlamentares. Acho bem. É aquela se Maomé é que desce à montanha ou se a montanha é que vai a Maomé…

Chegámos. Policiamento discreto. Agentes simpáticos, sorrindo para mim e batendo continência, uns tratam-me por tio, outros por poeta neste ser Vip popular por aquilo que escrevo.
O motorista havia feito um reconhecimento e falara-me que era num palácio. E era mesmo uma estrutura monumental de arquitectura arrojada, ninguém me disse para que servia, o certo é que até dava impressão ter sido para vacinar e eu já baptizei de Palácio das Vacinas porque vai ficar na história, como vai ficar na história os diários boletins "meteorológicos” da pandemia.

Era uma multidão organizada diferente do que aconteceria em Lagos ou Joanesburgo, sempre efervescentes. Tão pouco não é por milagre que andamos muitas vezes na chapa zero dos óbitos. Doa a quem doer é por mérito da ministra minha conterrânea e filha de um grande homem e meu bom amigo. Curto a disputa regional para estimular a auto estima de nossa identidade nacional.

Tinha que ir lá ao fundo numa fila para receber credencial e vacinar-me lá. Mas logo subi o degrau apoiado na bengala e na minha metade também idosa, a enfermeira chefe, já cota, mandou-nos sentar numa cadeira, um colega fotografou os nossos bilhetes de identidade, eu falei para gargalhada geral que estava na guerra a seringa era a arma e no frasco a munição e ainda lembrei a boca de um favelado brasileiro, favela é musseque mas cidade, o cara falou que a pandemia matava mais que a polícia e que já não sabia se o cão é que abanava o rabo ou se o rabo é que abanava o cão…

Eu estava a esconder minha emoção e vontade de chorar sempre que vejo Angola subir. Aí não me contive e disse para mim mesmo em voz alta:
Agora falta inventar
    Vacina prá corrupção
 Para ninguém mais brincar
        Com a fome desta Nação.
Antes de sair de casa tinha metido na pasta um exemplar do meu romance KALUNGA. Depois pensei e meti mais três.

Naquela hora abri a pasta e entreguei os exemplares às quatro pessoas que me haviam atendido, todas naturais de províncias diferentes. Era a minha Angola nem exclusiva nem inclusiva mas apenas plural. O enfermeiro quis autógrafo e depois as outras três senhoras que me pareciam estrelas. E subiu-me mais a emoção.

O motorista falou que podia ir buscar o carro, não aceitei e fui debaixo de sol, a soltar as lágrimas e a limpar o rosto com o lenço quando cheguei ao carro. Doutor, veja também estão a vacinar pessoas que ficam dentro do carro.
De regresso apanhámos engarrafamentos. Eu expliquei que em Joanesburgo ou Rio de Janeiro, parar em engarrafamento é sempre um perigo para a nossa vida por causa dos assaltos à mão armada.

Cheguei a casa e mal conseguia manter-me em pé. Tonturas, palpitações cardíacas, medi a tensão e estava alta, doía-me o braço esquerdo na zona da picada. Ter-me-ia dado mal com a vacina? Entendi que não. Devia ser do almoço e de não deixar a lágrima soltar-se.
Trouxe um cartão com a data para a segunda dose (não gosto da palavra toma, o que é que toma? Mas a pandemia tem um léxico próprio de a a z, disso já aqui falei, curado é recuperado…

Passaram alguns dias quando surgiu a bomba contra os efeitos maléficos da vacina de OXFORD, a ASTRAZENECA, os países nórdicos foram os primeiros a suspender essa vacina, atitude que se espalhou em efeito dominó. Portugal, pela voz da directora nacional, anunciou que não havia provas de que a referida vacina fosse causadora de danos tão graves e portanto continuaria a ser usada… mas nesse mesmo dia cancelou o uso da vacina… política… é que Portugal preside à União Europeia e não dá para desobedecer às posições das maiorias.

E tem outras makas que sobram para nós. Penso que se a Inglaterra ainda estivesse na União e sem as pendências do Brexit, espécie de guerra fria, a Europa não cortava com a vacina. O lote de onde saiu o meu frasco, perguntei à enfermeira chefe, veio da Índia, também a Europa não queria a vacina russa mas tem que baixar a bola, Merkel perdeu as eleições, a Rússia manda-lhe energia pelo gaseoduto, não dá para mais confusões e os italianos sem consultarem a Europa já contrataram a vacina russa Sputnik e vão produzir em Itália.

Quem nos dera os chineses montarem aqui uma fábrica de vacinas com número equivalente, no mínimo, às árvores que cortavam quando nos interrompiam na estrada e conjugavam o verbo kopelipar. E agora, os que tomaram a 1ª dose da vacina em país que a suspendeu? Toma outra vacina? Eu fico esperando a decisão da OMS para não ser marionete das guerras milionárias dos laboratórios e negócios que anda tudo escondido com o barulho das luzes. Em festa estão os da "gripezinha” as seitas e religiões anti vacinas…
Por mim, vou à segunda dose e retomo brututu e mukua e não quero mais zaragatoa muito menos a chinesa que é no ânus e a gente de costas nunca sabe…

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