Sociedade

Vencer o medo da agulha na busca da imunização

Domingos Mucuta | Lubango

Jornalista

Uma agulha no palheiro é difícil de encontrar, mas, quando embutida numa seringa, ela “muda de tamanho” e provoca medo e calafrios a pequenos e graúdos. Esse é o caso de Teresa Celestino, 68 anos, que, desde tenra idade, tem receio de receber uma injecção, embora use, muitas vezes, uma agulha para costurar e retocar a roupa dos filhos e dos netos.

02/04/2021  Última atualização 10H28
António Coimbra e esposa receberam a primeira dose da vacina © Fotografia por: Domingos Mucuta | Edições Novembro
O sentimento de medo influenciou a decisão da idosa, quando foi mobilizada para receber a primeira dose da vacina contra a Covid-19. Demorou, mas, por ser pessoa de risco, aceitou ir ao posto de vacinação instalado no Pavilhão Multiusos da Nossa Senhora do Monte, na cidade do Lubango, província da Huíla, acompanhada pelo marido André Manuel, de 71 anos de idade.

Depois de passar pelo pré-registo e pela triagem, Teresa Celestino recebeu o aval para a vacina. Foi convidada a sentar-se numa cadeira, tirar o casaco e a baixar a manga da blusa do braço direito.
As enfermeiras dispensam o auxílio do esposo, para, também, receber a primeira dose da vacina, mas noutra mesa. A enfermeira Noémia Alcaide assume a missão de sensibilizar a idosa, antes de aplicar a vacina. Quando chega o momento, receosa, Teresa Celestino vira para o lado contrário, fecha os olhos e encolhe o rosto, enquanto a agulha penetra o braço direito.

À distância, tudo parece ter decorrido na normalidade. Engana-se quem viu a cena de longe. À reportagem do Jornal de Angola, Teresa Celestino, mãe de cinco filhos, revela ter sido um "acto de coragem” receber a pica. Dispensada para seguir as outras etapas do processo de vacinação, avó Teresa, como é tratada pelos mais próximos, conta que se conteve para evitar passar vergonha.
"Eu queria gritar, mas não podia porque aqui tem muita gente. Seria vergonha para mim e para o meu marido. Eu tremi, virei a cabeça e fechei os olhos para ganhar coragem. Não posso ver a agulha me entrar. Felizmente, não senti dor porque a enfermeira foi muito cuidadosa comigo”, relata, mais calma e aliviada.

"Não tenho receio da vacina, porque quem inventou usou a inteligência de Deus. Acredito que vai nos fazer bem”, afirma confiante, a moradora do bairro Chituno, arredores do Lubango.
O esposo André Manuel, que lembra campanhas de vacinação contra a Febre-Amarela e outras doenças, alinha no mesmo diapasão. Sem aversão a agulhas, ele concorda com a cara-metade e acredita nos efeitos positivos da vacina Vaxzevria, a então AstraZeneca.

"Estou normal. Não é a primeira vez. Já apanhei várias vacinas e algumas de três doses. Não me lembro o nome de todas, mas sei que aquelas vacinas nos preveniram de várias doenças. Não podemos duvidar. Confiamos em Deus”, acredita, o fiel da Igreja Evangélica Sinodal de Angola (IESA).
Idosos sem vícios
O esposo de Teresa Celestino, André Manuel, ajudou a mulher durante todo o processo, desde o pré-registo, triagem, vacinação, até à secção de registos e obtenção de cartão de vacina, num processo organizado e célere.
Ao passar pela última etapa, o casal recebeu do técnico de enfermagem, António Carmona, algumas recomendações médicas, como não beber e fumar, durante três dias, evitar trabalhos pesados e relações sexuais.

André Manuel ouviu atentamente as recomendações. Ele garante que são idosos sem vícios, por isso, "não há nada a temer”. "O único vício que, talvez vai me matar, é mesmo a velhice”, refere, em jeito de brincadeira, numa conversa descontraída.
Sobre o trabalho pesado, o idoso afirma que já deu tudo durante a juventude. "Já fizemos trabalhos pesados. Agora é só descansar”, argumenta, reforçando a atenção e o apoio dos filhos para a sobrevivência do casal.

À semelhança de Teresa Celestino, Joaquina Teresa, 64 anos, também tem fobia de agulhas. Por isso, pediu a companhia do esposo António Coimbra, 69 anos, pai dos seis filhos, para ter mais confiança de receber a vacina que promete aumentar os níveis imunológicos.
Depois de tudo, o casal aguardou, durante 15 minutos, na sala de observação, como recomendam as normas sanitárias, sob o olhar clínico dos técnicos de saúde, atentos às possíveis reacções adversas.
"Já apanhamos a primeira dose. Estamos muito bem e felizes. Vamos incentivar os filhos a apanharem também assim que for possível”, argumenta António Coimbra, que faz questão de mostrar a marca de uma vacina recebida aos 14 anos de idade, em 1966.

António Coimbra orgulha-se de ter passado ao longo da vida longe de bebidas alcoólicas e cigarros, tal como a companheira. Promete cumprir com as recomendações dentro dos prazos estipulados. "Felizmente, não temos vícios. Vamos cumprir com as recomendações”, garante.


Equipas multissectoriais

A campanha de vacinação contra a Covid-19 mobilizou técnicos de saúde de unidades sanitárias das Forças Armadas Angolanas, Polícia Nacional, Cruz Vermelha, Instituto Nacional de Emergências Médicas de Angola (INEMA), que trabalham sob a supervisão da Organização Municipal da Saúde (OMS).

O chefe do Programa de Promoção da Saúde, Júlio Madaleno Evandja, informa que estão envolvidos 175 técnicos de saúde, entre médicos, enfermeiros, catalogadores, especialistas em informática, estatística e em base de dados.
O coronel da Região Militar Sul, Daniel Mariano, sublinha que as Forças Armadas Angolanas destacaram 40 técnicos de saúde para reforçar as equipas de vacinadores.

Luciana Guimarães referiu que os munícipes de Cacula, Quilengues, Chibia e Humpata podem ser vacinados no Lubango. A província da Huíla foi contemplada com cerca de 32 mil doses e, até quarta-feira, 31 de Março, foram imunizadas mais de cinco mil pessoas.


Orgulho de preservar
A agulha traumatizante para muitos cidadãos ganha o sentido imunológico nas mãos da enfermeira do Hospital da Região Militar Sul, capitã Graça de Nascimento.
Mobilizada para reforçar o corpo clínico do posto de vacinação da Nossa Senhora do Monte, Graça de Nascimento recorre à sua vasta experiência para assegurar que nunca viu ninguém morrer por causa de uma pica.

"Alguns têm receio sobre a vacina. A verdade é que esta vacina foi testada em outros países. Devemos ser positivos para combater esta pandemia. Ninguém vai morrer. Pelo contrário, a ideia é salvar vidas. Venham porque esta pica kuia como sambapito”, exorta, em jeito de brincadeira.
António Carmona, técnico de enfermagem desde 2009, está também envolvido no processo da vacinação da população huilana contra a Covid-19. Colocado na secção de Registo e Atribuição de Cartão de Vacina, o jovem orgulha-se por participar nesta luta e apela à conservação do cartão de vacina para efeitos de segunda dose.


Expectativa
de vida renovada

Rosa Carlos, 28 anos, é técnica do Bloco Operatório da Maternidade Irene Neto. Ela está na lista de pessoas prioritárias. Rosa Carlos treme sempre que uma agulha é direccionada para si.
Ela ganhou coragem para apanhar a vacina, porque é uma exigência da direcção da instituição onde trabalha. "Tenho medo mas aguentei a pica. Superei o medo. Doeu um pouco. Acredita que até agora estou a transpirar”, afirma, enquanto tira um lenço de bolso para limpar o rosto.

Depois do calafrio, Rosa Carlos acredita que a vacina representa esperança para milhares de pessoas, pois pode reduzir os efeitos nefastos da pandemia e aconselha outras pessoas a romperem o tabu. "Quem tiver a oportunidade de apanhar a vacina que não tenha receio. É sempre melhor prevenir que remediar. Aqui estou, venci o medo e apanhei. A dor já passou”, encoraja, sorridente.
Luciano Dala, funcionário do Bloco Operatório do Hospital Central do Lubango, foi também priorizado. Aos 43 anos, aceitou, sem receio, apanhar a vacina por ser "combatente da linha da frente” contra a Covid-19.

"Não tenho medo da pica. Sinto-me normal. É uma mais-valia termos vacina depois dos momentos difíceis. Estamos numa situação mais evolutiva. Acredito que vai tudo correr bem”, afirma.
Os casais de idosos, André Manuel e Teresa Celestino, e António Coimbra e Joaquina Teresa, respectivamente, saíram do Pavilhão da Nossa Senhora do Monte com as esperanças renovadas. Todos estão satisfeitos, porque, depois de vários meses de restrições, o mundo começa a respirar de alívio pela descoberta das vacinas.

André Manuel sublinha que a pica representa o renovar de esperanças para uma vida longa para os idosos, doentes de riscos e jovens. "Há esperança de erradicar esta pandemia. Já vimos muitas coisas no mundo. Houve muitas doenças mais todas foram vencidas. Vamos vencer também esta Covid-19”, declara, esperançado.

António Coimbra vê também uma luz no fundo do túnel, porque a descoberta da vacina mostra que "os cientistas não estão a dormir”. "Temos esperança que em breve as mortes vão reduzir e as pessoas vão ter mais liberdade de circular”, diz.

A directora do Gabinete Provincial da Saúde, Luciana Guimarães, refere que a prioridade na vacinação, nesta primeira fase, é para técnicos de saúde, professores, pessoas com doenças de risco e idosos. Argumenta que a vacina é uma composição de proteínas concebidas para estimular a resposta imunológica, por isso, "não há contra indicação para mães de recém-nascidos”.

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