Política

Juízes de garantias exortados a respeitarem os prazos legais

Mazarino da Cunha |

Jornalista

O presidente do Tribunal Supremo e do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), Joel Leonardo, instou, ontem, em Luanda, os 359 juízes de garantias, em funções há um ano, a abdicarem de "actos dilatórios" e a respeitarem o estabelecido na Constituição da República.

03/05/2024  Última atualização 10H00
Eugénio Laborinho (ministro do Interior), Joel Leonardo (presidente do CSMJ), Hélder Pitta Grós (PGR) e José Domingos (OAA) © Fotografia por: arsénio bravo | edições novembro

Joel Leonardo, ao proceder ao encerramento do ciclo de formação sobre "Aperfeiçoamento em Jurisdição Penal”, destinada a juízes de garantias que coincidiu com o 1.º aniversário da implementação desta figura, disse que o magistrado deve abdicar de "actos dilatórios" (retardadores), respeitando os prazos legais, olhando com objectividade os factos, cumprindo com serenidade as disposições legítimas e proferindo despachos justos com atitude proactiva para a remoção de obstáculos na Administração da Justiça.

Segundo o presidente do CSMJ, é também considerado "acto dilatório" o facto do juiz de garantias manter parado o expediente sobre a mesa e abandonar o gabinete sem ter concluído a audição de todos os intervenientes presentes no Tribunal.

Considera-se ainda acto dilatório, continuou Joel Leonardo, o magistrado que conversa em horas de trabalho quando se exige, pela lei e deontologia, que se define, com serenidade e prestabilidade, o destino do arguido, depois de ter passado pela polícia e o Ministério Público.

O presidente do CSMJ referiu que o Código do Processo Penal coloca a figura dos juízes de garantias como uma "conquista da democracia constitucional" e concretiza o carácter heterónimo do direito, que implica acções, a exemplo da realização do seminário.

Para Joel Leonardo, a vitória da Justiça e do Direito não se restringe apenas à entrada em funções dos juízes de garantias, mas sim quando o Direito resolve, com solidariedade, as situações concretas que ocorrem no processo judicial.

Um ano depois da entrada em funções dos juízes de garantias, ressaltou o magistrado, o CSMJ tudo vai fazer para, de forma articulada, continuar a ser um ganho de todos na edificação do Estado de Direito e Democrático.

A responsabilidade dos juízes de garantias e dos funcionários ligados a esta classe deve "ser elevada", em que cada um liberta o espírito de entrega, de comprometimento e patriotismo. Segundo Joel Leonardo, a instrução de processo contra os cidadãos, supostamente em conflito com a lei penal, deve sempre situar-se nos marcos do princípio da ponderação, do bom senso, na observação equilibrada, evitando a violação das regras estabelecidas.

"Vamos tornar o juiz de garantias um veículo para mais justiça, respeito à dignidade da pessoa humana, um serviço do povo e da protecção dos interesses mais gerais da sociedade e do desenvolvimento de Angola”, exortou o magistrado.

Um ano depois da entrada em funções da figura dos juízes de garantias no país e apesar dos constrangimentos registados, frisou o presidente do CSMJ, o desempenho foi "bastante positivo", embora "humildemente” reconheça os embaraços.

Ao longo do primeiro ano, próprio de um processo complexo e inédito, ressaltou Joel Leonardo, houve conquistas na maturidade democrática de todos, tendo instruído cerca de 20 mil expedientes, tratados pelos juízes de garantias.

"Diariamente, construímos aprendizados. Todos os dias, aprendemos com os outros. Sendo assim, sairemos mais uma vez munidos de novos conhecimentos para uma melhor justiça, comprometida com a dignidade da pessoa humana e com a democracia constitucional", frisou o magistrado.

Uniformização da Justiça

Com o objectivo de uniformizar e dinamizar a Justiça no país, o presidente do CSMJ informou que, dentro de dias, vão ser retomados os encontros de concertação entre a comunidade judiciária que directa ou indirectamente opera nos processos e dos expedientes judiciais, nomeadamente, a Procuradoria-Geral da República, o Ministério da Justiça e dos Direitos Humanos, do Interior, a Provedoria de Justiça, a Ordem dos Advogados de Angola e a Justiça Militar.

O também venerando juiz conselheiro presidente do Tribunal Supremo referiu que o Ministério Público não trabalha sem a participação da Polícia Nacional, muito menos os tribunais sem os Serviços Prisionais ou ainda a ausência dos advogados.

Dentre as situações concretas, Joel Leonardo citou as causas da demora na localização dos expedientes, da apresentação dos presos e dos detidos aos tribunais ou ainda a lentidão da suposta sonegação dos processos nas secretarias, nos gabinetes dos juízes, na PGR, no SIC e Serviços Prisionais.

Além do reduzido número de juízes de garantias junto dos Tribunais de Comarca, frisou o presidente do CSMJ, há relatórios que indicam "problemas na classe”, como no transporte dos magistrados, na mobilidade de recursos, espaços para audiências, adiamentos, por avaria do gerador ou computadores, entre outros impedimentos.

Novos juízes de garantias

O presidente do Tribunal Supremo e do CSMJ disse que, enquanto decorre o processo de digitalização dos tribunais, é urgente o empossamento dos recentes auditores já nomeados, que aguardam pela cabimentação orçamental.

"É urgente o reforço de mais funcionários da secretaria, aquisição de viaturas, novos computadores, impressoras, matérias gastáveis, bem como a garantia de outros serviços gerais para os tribunais", reforçou Joel Leonardo.

 

Procurador-geral sublinha credibilização da Justiça

O procurador-geral da República, Hélder Pitta Grós, disse que a experiência de mais de 40 anos de actividade judicial do Ministério Público permitiu a imprescindível credibilização do Sistema de Justiça no combate ao sentimento de impunidade e devolução da confiança aos cidadãos.

Segundo o procurador, é intenção de todos os operadores da Administração da Justiça consolidar o sistema, permitindo a defesa dos direitos e garantia dos cidadãos, ressaltando que os juízes de garantias trouxeram experiências, realidades e desafios diferenciados à situação prática no país.

"É necessário termos a sensatez, coerência e a habilidade em reconhecer algumas dificuldades. Os erros são previsíveis e temos de aceitar”, reconheceu Pitta Grós.

Executivo empenhado na melhoria das condições

Já o ministro do Interior, Eugénio Laborinho, referiu que o Executivo, em parceria com o Poder Judicial, está empenhado em criar e garantir as condições de trabalho e mitigar as dificuldades dos juízes.

No âmbito da garantia da segurança pública, frisou o governante, o Ministério do Interior, enquanto parceiro dos demais órgãos da Administração da Justiça, assume-se em proteger a difícil missão na aplicação das medidas processuais de natureza calculada aos cidadãos em conflito com a lei.

Em 12 meses de trabalho, continuou Eugénio Laborinho, houve situações que serviram de aprendizado, proporcionando a troca de conhecimentos concretos em homenagem ao princípio da dignidade da pessoa humana e em prol da construção de um Estado Democrático de Direito.

Relativamente aos cidadãos que vandalizam os bens públicos, o ministro do Interior referiu que os órgãos da Justiça devem afinar os mecanismos contra os indivíduos que, às vezes, são soltos devido a algumas "insuficiências processuais", o que dá a percepção de haver denegação da Justiça.

Para que o Sistema de Justiça seja cada vez mais célere e à altura das necessidades dos cidadãos, frisou o governante, a formação do capital humano, a aquisição de equipamentos, construção e apetrechamento das infra-estruturas deve ser prioridade.

Bastonário da Ordem dos Advogados defende independência e imparcialidade

O bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA), José Domingos, referiu que a figura do juiz de garantias deve ser independente e imparcial em todos os momentos, assegurando a eficiência da investigação, sem perder de vista a defesa dos direitos e as liberdades fundamentais.

O juiz de garantias, sublinhou o bastonário, tem de usar, efectivamente, os meios legais e não ser um mero colaborador do sistema acusatório do Ministério Público, pelo contrário deve ser o contraponto à instituição judicial.

Um ano depois da implementação dos juízes de garantias, segundo José Domingos, é urgente que se criem condições profissionais, técnicas e sociais, com vista à melhoria do trabalho da classe, tornando-os imparciais e independentes.

Em Angola, a figura do juiz de garantias entrou em funções a 2 de Maio de 2023, por deliberação do plenário do CSMJ, e tem a missão de fiscalizar e salvaguardar a protecção dos direitos e liberdades fundamentais do cidadão, consagrados na Constituição da República, durante a fase inicial do processo.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Política