Especial

John Fitzgerald Kennedy 60 anos depois do seu assassinato

Faustino Henrique

Jornalista

Num dia como hoje, na cidade de Dallas, por volta das 12 horas e 30 minutos, quando a limusine em que seguiam o 35º Presidente dos Estados Unidos, John Fitzgerad Kennedy (JFK) e a Primeira Dama, Jackeline Bouvier Kennedy, descia para o Dealey Plaza, passando defronte ao edifício do Texas School Book Depository, ouviram-se os primeiros dos três tiros mortais que vitimaram o primeiro Chefe de Estado católico e o mais novo eleito inquilino da Casa Branca da história dos Estados Unidos.

22/11/2023  Última atualização 10H08
“John F. Kennedy havia prometido muito, mas nunca teve a oportunidade de levar o seu programa até o fim © Fotografia por: DR
Era a tragédia nacional e choque mundial, em plena Guerra-Fria, os Estados perdiam o terceiro Presidente a ser assassinado a tiro e a família Kennedy perdia, igualmente, de forma trágica o seu segundo filho, depois de Joe Kennedy Júnior, piloto aviador morto durante a II Guerra Mundial (ver subtítulo "a Praga dos Kennedy”).

A figura que efectuou os disparos, do alto do edifício do Texas School Book Depository, um antigo marine e com passagens pela ex-União Soviética e possíveis ligações à Máfia, era Lee Harvey Osvald (LHO), que acabou detido e que seria então uma importante pista para encontrarem-se os autores morais do assassinato de JFK.  LHO é detido quando procurava retirar-se da zona do crime, mantido sob custódia policial.

 Foi tudo tão rápido que, tendo chegado ao hospital Parkland, praticamente moribundo, por volta das treze horas, o Presidente Kennedy foi declarado morto, o padre Huber administrou a extrema-unção, o Vice-Presidente Lyndon Johnson, uma figura controversa das teorias de conspiração sobre o assassinato do seu chefe, telefonou ao Procurador-Geral, Robert F. Kennedy, por sinal irmão do Presidente, para saber onde tomaria posse.

Pouco depois de retirarem o corpo de JFK do hospital, à revelia das leis do estado do Texas, que impunham uma biópsia, para o colocarem no Air Force One (avião presidencial), foi lá onde o Vice-Presidente Johnson tomou posse, numa cerimónia presidida pela juíza Sarah Tilghman Hughes, que serviu no Tribunal Distrital dos Estados Unidos para o Distrito Norte do Texas. Era impensável o vazio de poder em Washington, em plena Guerra-Fria, corrida armamentista, conflito militar na Hindochina, imersão de movimentos independentistas em África, Ásia e América Latina.

Dois dias depois do assassinato de JFK e em circunstâncias nunca clarificadas, LHO era baleado por Jack Ruby, o magnata do mundo dos clubes nocturnos, associado pelas teorias de consprivou como a figura que privou LHO de revelar as teias da conspiração que envolveu o assassinato.

Lyndon Johnson tornava-se, assim, no 36º Presidente dos Estados Unidos, numa atura em que por sua decisão foi criada a chamada e mal-afamada Comissão Warren, que recebeu o nome do seu presidente, Earl Warren, magistrado e presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, para investigar a morte do Presidente Kennedy.

Sessenta anos depois, apesar da desclassificação de milhares de files sobre a circunstâncias da morte de JFK, a pergunta relativa a "quem mandou matar o Presidente Kennedy” continua a desafiar a lógica segundo qual tudo tem uma explicação.

A famigerada Comissão Warren concluiu que LHO agiu sozinho e que, por sua vez, Jack Ruby, alegadamente por afecto e grande admiração de JFK, agiu, igualmente sozinho, ao balear o LHO, tendo, aparentemente, encerrado assunto, embora numerosas teorias de conspiração não cessam de alimentar a saga que já deu lugar a filmes, seriados e numerosos trabalhos de investigação.

No ano passado, o jornal britânico de The Guardian, anunciava, com o sugestivo título "Milhares de arquivos do assassinato de JFK finalmente divulgados – surgirão notícias bombásticas?”, que os "historiadores e teóricos da conspiração receberam um presente de Natal antecipado: a divulgação, pelos Arquivos Nacionais dos EUA, de 13.173 documentos relativos à investigação oficial do assassinato do Presidente John F. Kennedy, em 1963. Desde memorandos pouco legíveis preenchidos com à caligrafia dos agentes da CIA, passando por relatórios sobre reuniões secretas com diplomatas russos, até ao meticuloso trabalho de detective sobre os movimentos de Lee Harvey Oswald, o tesouro de documentos manterá os obsessivos pelo assassinato de JFK ocupados durante meses. Poucos esperam, no entanto, notícias bombásticas entre a pilha”.

Vale lembrar que o Congresso promulgou a Lei de Colecta de Registos de Assassinato do Presidente John F. Kennedy de 1992, que determinava que todo o material relacionado ao assassinato fosse armazenado em uma única colecção na Administração Nacional de Arquivos e Registos (NARA).

Hoje, diz-se que a referida colecção consiste em mais de 5 milhões de páginas de registos, fotografias, filmes, gravações sonoras e artefactos relacionados a assassinatos (aproximadamente 2.000 pés cúbicos de registos). A maioria dos registos está aberta para pesquisa, mas uma parte significativa continua, ainda, classificada.

Tudo indica que, independentemente de as teorias de conspiração alimentarem o contrário, e até onde os files desclassificados apontam, que LHO, um ex-fuzileiro naval e comunista que desertou para a antiga União Soviética, matou Kennedy, agindo sozinho, disparando três tiros enquanto o Presidente democrata dos EUA, de 46 anos, viajava numa limusine descapotável pela Dealey Plaza, em Dallas, num dia como hoje.

  Reacções ao assassinato de JFK

O evento deixou uma impressão duradoura em muitos um pouco por todo o mundo e, com notória particularidade nos Estados Unidos. Tal como aconteceu com o ataque a Pearl Harbor, a 7 de Dezembro de 1941, e os subsequentes ataques de 11 de Setembro, passou a fazer parte de um tópico incontornável perguntar "onde esteve quando ouviu falar do assassinato do presidente Kennedy", que passou de tema comum de discussão.

Por exemplo, o correspondente da CBS, Roger Mudd, descreveu que "Foi uma morte que tocou a todos instantânea e diretamente; raro foi a pessoa que não chorou naquele fim de semana prolongado”.

Mas houve também reacções controversas, como por exemplo da figura religiosa muçulmana, ligada à Nation of Islam, Malcolm X que, quando questionado o que tinha a dizer, pouco depois do assassinato de Kennedy, tinha usado uma expressão idiomática da língua que em língua portuguesa equivale a "quem  com ferro mata, com ferro morre”, um posicionamento que valeu uma veemente censura.

Consta que até o Presidente e Cuba, Fidel Castro anunciou que Cuba estava de luto por Kennedy.
Um memorando do FBI escrito por J. Edgar Hoover, em 1966, e desclassificado em 2017 sugere que o Governo da ex-União Soviética ficou chocado com o assassinato e atribuiu a culpa a uma conspiração de direita para derrubar o Governo, invadir Cuba e iniciar a Terceira Guerra Mundial.

O KGB começou a investigar o novo Presidente Johnson, que acreditava ser um dos responsáveis pelo assassinato. O primeiro secretário Nikita Khrushchev e o presidente Leonid Brejnev enviaram cartas de condolências a Johnson afirmando que "o assassinato do Chefe do Estado americano John F. Kennedy é uma perda dolorosa, na verdade, uma perda muito dolorosa para o seu país. Quero dizer francamente que a gravidade desta perda é sentida por todo o mundo, incluindo por nós mesmos, o povo soviético".



A gestão da Crise dos mísseis

Um dos grandes desafios políticos, diplomáticos, enfrentados pelo Presidente Kennedy, que deixou o mundo à beira de uma III Guerra Mundial foi, sem se sombra de dúvidas, a crise dos mísseis da ex-União Soviética em solo cubano. Pouco meses depois de as duas superpotências terem superado a maka de Berlim, cuja Cimeira de Viena, entre Kennedy e Kruschev serviu para acertar agulhas sobre o futuro das "duas alemanhas”, dois líderes que, há ano tinham trocado cartas que auguravam um ambiente de desanuviamento, de repente voltaram a lidar com uma situação que os colocava e rota de colisão.

Segundo o Wikipedia "em resposta à fracassada invasão da Baía dos Porcos de 1961 e a presença de mísseis balísticos americanos PGM-19 Júpiter estacionados na Itália e na Turquia, o líder soviético Nikita Krushchev decidiu concordar com o pedido de Cuba para colocar mísseis nucleares em seu território para deter uma futura invasão americana”.

Avisado e ante alguma crítica por alegadamente ter feito pouco para evitar a instalação de mais armas soviéticas em Cuba, Administração Kennedy refuta as acusações e empreende um bloqueio marítimo a Cuba  para inviabilizar a instalação de novos mísseis.

Consta das páginas do Departamento de Estado, no Office of  Historian,  que "a  crise dos mísseis cubanos de Outubro de 1962 foi um confronto directo e perigoso entre os Estados Unidos e a União Soviética durante a Guerra-Fria e foi o momento em que as duas superpotências estiveram mais próximas do conflito nuclear. A crise foi única em vários aspectos, apresentando cálculos e erros de cálculo, bem como comunicações diretas e secretas e falhas de comunicação entre os dois lados. A crise dramática também foi caracterizada pelo facto de ter ocorrido principalmente ao nível da Casa Branca e do Kremlin, com relativamente pouca contribuição das respectivas burocracias normalmente envolvidas no processo de política externa”.

De acordo com o Site Wikipedia "depois de um longo período de tensas negociações, foi alcançado um acordo entre Kennedy e Kruschev. Publicamente, os soviéticos desmantelaram as suas armas em Cuba e as levaram de volta para a União Soviética, sob reserva de verificação das Nações Unidas, em troca de uma declaração pública dos Estados Unidos de nunca invadir Cuba sem provocação directa”.

Assim, tinha-se encerrado um dos capítulos mais quentes da Guerra-Fria, envolvendo um dos casos que ficou para história como a crise que revelou o poder de gestão e resolução de conflito do 35º Presidente Kennedy.

"Uma vida inacabada” e as frases proverbiais

Marc J. Selvestone, professor de História, da Universidade de Virgínia, escreveu que "John F. Kennedy havia prometido muito, mas nunca teve a oportunidade de levar seu programa até o fim. A sua vida e obra resumiam-se nas palavras de um notável biógrafo, cuja obra tinha como título: ´uma vida inacabada´. Por essa razão, as avaliações da Presidência Kennedy permanecem confusas. Kennedy desempenhou um papel na revolução da política americana. A televisão começou a ter um impacto real sobre os eleitores e as longas e prolongadas campanhas eleitorais tornaram-se a norma. O estilo tornou-se um complemento essencial da substância”.

O lado icônico de Kennedy, cuja trajectória de vida, estilo pessoal fizeram parte de uma época, embora muito curta, na verdade prevalece, na memória popular da nação americana, o fascínio de um líder convincente e carismático durante um período de imenso desafio ao corpo político americano.

Kennedy deixou frases emblemáticas, repetidas vezes citadas por muitos, tais como: "não perguntes o que a tua pátria pode fazer por ti, mas pergunte antes o que tu podes fazer por ela’’, "Todos nós temos talentos diferentes, mas todos nós gostaríamos de ter iguais oportunidades para desenvolver os nossos talentos’’ e que "Quando escrito em chinês a palavra crise compõe-se de dois caracteres: um representa perigo e o outro representa oportunidade”. Dizia ainda Kennedy, nas suas locuções que ficaram para a História que "o conformismo é carcereiro da liberdade e o inimigo do progresso”.

A "praga” dos Kennedy

A tragédia dos Kennedys, conhecida na linguagem popular como a  "maldição Kennedy” é um termo frequentemente usado para descrever a série de tragédias que tomaram conta dos membros da família Kennedy. Foram os eventos trágicos que envolveram os membros do clan Kennedy que levaram ao surgimento de numerosas teorias, que alimentam há quase 80 anos a ideia de praga familiar, a começar com os problemas de saúde da filha mais velha de Joseph Patrick Kennedy, Rosemary Kennedy, cuja doença mental levou uma precipitada intervenção cirúrgica que impactou negativamente as suas habilidades congnitivas e motoras, passando pelos assassinatos dos irmãos, JFK e Robert F. Kennedy.

O próprio Presidente Kennedy, em sete anos, perdeu um casal de filhos, uma menina que seria a primogénita, nascida já morta, em 1956 e, em Agosto de 1963, um rapaz nascido prematuro e em Julho de 1999, o filho único sobrevivente até então, de nome homónimo, falecido aos comandos de um avião por si pilotado nas imediações da estância balnear Martha's Vineyard, uma ilha na costa Nordeste dos Estados Unidos da América, no estado de Massachusetts.

O irmão mais novo do assassinado Presidente, Ted Kennedy, sobreviveu a um acidente de viação, em 1969, do qual resultou na morte de uma mulher, tendo complicado as suas aspirações políticas. Passou os últimos dias na cadeira de rodas, tendo falecido em 2009, vítima de cancro do cérebro.  

A Presidência Kennedy

Eleito aos 43 anos de idade a Presidente dos Estados Unidos, pelo partido Democrata, JFK tomou posse no dia 20 de Janeiro de 1960, com um discurso que fica nos anais da história, atendendo ao conteúdo e contexto.

Numa peça saída no The Washington Post, edição do 21 de Janeiro de 1961, assinada por Edward T. Folliard, sob o título "Kennedy faz juramento como Presidente e proclama uma nova 'busca pela paz'”, o articulista considerava o discurso de tomada de posse do 35º Presidente dos Estados Unidos, nos termos seguintes: "No seu discurso inaugural, certamente um dos mais eloquentes da história, o novo líder americano apelou ao mundo comunista para se unir ao mundo livre e "começar de novo a busca pela paz". Ele disse que um acordo de viver e deixar viver pode não acontecer durante a vida de sua geração, e acrescentou simplesmente: "Mas vamos começar”.

Num mundo marcado pela corrida armamentista, em que a conflitualidade resultante da Guerra-Fria, opondo as duas maiores potências mundiais, os Estados Unidos, saía de uma administração republicana para outra democrata e a ex-União Soviética, dirigida na altura por Nikita Kruschev, Kennedy representava um novo começo.

O Presidente Kennedy inspirou uma geração a aceitar a responsabilidade pelo seu Governo e pelo seu mundo, através da tomada de medidas políticas e sociais. Como Presidente, lutou para garantir direitos e oportunidades iguais para todos os americanos. Ele encorajou os americanos a apoiarem os menos afortunados do que eles, tanto no país como no estrangeiro.

Quando a chegou à Presidência, América estava atrás na ex-União Soviética, na corrida à pesquisa espacial e JFK tinha prometido que a década de 60 não terminaria sem que os Estados Unidos colocassem um homem a pisar o solo lunar, realidade que se efectivou a 20 de Julho de 1969, seis anos depois da sua morte trágica.

A administração Kennedy mostrou-se preocupada com o recrudescimento da guerra colonial, particularmente na África lusófona, numa altura em que grande parte dos países africanos se emancipavam das suas metrópoles e Portugal se mostrava relutante em ceder.

No artigo "Os Estados Unidos e Colonialismo Português em 1961”, que fez parte da dissertação de Doutoramento de   Luís Nuno Rodrigues, defendida na Universidade de Wisconsin, em Outubro de 2000, o autor escreve que "Uma vez eleito, John F. Kennedy criou uma Força-Tarefa para recomendar uma nova política para África. A Task Force, que se deslocou a África em Dezembro de 1960, incluía três senadores, Frank Church, pelo estado de Idaho, Frank E. Moss, de Utah e Gale W. McGee, de Wyoming, e também o irmão do Presidente, Edward Kennedy. O seu relatório final recomendou "mudanças radicais na atitude da América em relação à África." Os Estados Unidos deveriam abandonar "a sua tradicional política – decorrente de ligações com as potências coloniais – a favor do apoio ao nacionalismo africano. O relatório argumentou que a política americana não conseguiu acompanhar os acontecimentos em África, principalmente porque os Estados Unidos estavam "acostumados a lidar” com a África principalmente através de potências metropolitanas que controlavam a maior parte do continente”.

Com a Administração Kennedy, sucediam "bons ventos” para países como Angola que procuravam pela via armada desalojar os colonos portugueses, mas infelizmente a intransigência de Salazar e o infortúnio de JFK devem ter  feito o ditador português esfregar as mãos de contente.

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