Especial

RDC: A esperança de mudar o futuro

Luísa Rogério | Kinshasa

Jornalista

Daqui a dois dias, se a imprevisibilidade do Congo não alterar o curso dos acontecimentos, cerca de 44 milhões de congoleses vão às urnas escolher o Presidente da República e os deputados

18/12/2023  Última atualização 08H36
Uma vista da principal avenida da cidade de Kinshasa, capital da República Democrática do Congo, país que vai a votos na próxima quarta-feira © Fotografia por: DR

O país tem um subsolo invulgarmente rico, onde se podem encontrar os mais raros e cobiçados minérios do mundo e uma riquíssima história caracterizada pela grande diversidade cultural distrubuída por exactos dois milhões 345 mil quilómetros quadrados. Tem quatro vezes a superfície da França e o Rwanda caberia nele 48 vezes. É o país com o qual Angola partilha a maior fronteira territorial. Trata-se da República Democrática do Congo (RDC), o segundo maior país de África, a seguir à Argélia. Além de Angola, conta com mais oito vizinhos. Altamente cobiçado por causa das riquezas incalculáveis, mas também pela geografia que lhe confere o estatuto de estrategicamente localizado, o Congo continua a ser sacudido por conflitos na região Leste e alguma desestruturação administrativa. Aparentemente, os condicionalismos não são relevantes a ponto de inviabilizar a realização de eleições gerais no próximo dia 20.

Animados pela esperança de mudar o futuro e de inverter a narrativa de nação condenada ao fracasso, os políticos concorrentes ao cargo de Presidente da República e de deputados à Assembleia Nacional e Provincial prometem devolver a paz ao país. Consta na história que após conquistar a independência do Reino da Bélgica, em 1960, os congoleses escolheram Patrice Lumumba para Primeiro-Ministro. Não passou muito tempo para se registarem tentativas de desestabilização do governo liderado pelo visionário panafricanista. Um ano depois da independência Patrice Lumumba foi brutalmente assassinado na sequência de um golpe de Estado apoiado pelo Ocidente.

Patrice Lumumba afirmava que a verdadeira libertação de África só seria possível quando o Congo deixasse de ser dependente economicamente da Europa. As companhias europeias que  receavam a nacionalização das valiosas minas sob sua tutela, tiveram os interesses salvaguardados, enquanto o receio da influência da União Soviética, no auge da guerra fria, foi ultrapassado com a ascensão de Mobutu Sese Seko ao poder, em 1965. Mobutu governou com mão de ferro o país que baptizou como Zaíre, acumulou riquezas colossais e criou condições para que a corrupção se agigantasse. Com os ventos da mudança foi, ao fim de 32 anos de poder, afastado pelas forças rebeldes comandadas por Laurent Desiré Kabila.

A mudança de regime político ocorreu em 1996, apenas uma ano depois de o pequeno Rwanda, o mesmo que caberia 48 vezes no território da antiga colónia belga, ter invadido o país em perseguição a extremistas hutus. Kabila assumiu o poder, investindo-se nas funções de Presidente da República. Enquanto isso, Mobutu Sese Seko morreu, rodeado por poucos familiares, no Reino de Marrocos, onde os seus restos mortais ainda repousam no cemitério católico em que foi enterrado.

Contudo, a "marcha triunfal” de Kabila não trouxe a tão almejada estabilidade para o Congo. O conflito no Kivu do Norte reacendeu em 1998, sendo considerado por muitos estudiosos como o mais mortífero desde a Segunda Guerra Mundial. O país voltou a chamar-se República Democrática do Congo durante o mandato de Laurent Desiré Kabila, vítima de assassinato em Janeiro de 2001. O episódio inspira até hoje as mais intrincadas teorias de conspiração descritas ao detalhe em círculos afectos a políticos congoleses e não só. Joseph Kabila, então ministro da Defesa, sucedeu ao pai.

Eleito Presidente para dois mandatos consecutivos, Kabila herdou do pai o poder e a legião de problemas. A maior crise humanitária do mundo, os atentados aos direitos humanos e as abomináveis violações de mulheres com requintes de crueldade retratadas pelo médico Denis Mukwege no dilacerante livro "A Força das Mulheres”, inseriram novamente o Congo nas pautas da imprensa mundial, obviamente pelas piores razões. Joseph Kabila teve que lidar com tentativas fracassadas de alterar a Constituição para um terceiro mandato. A pressão da sociedade civil, as acções de cidadania com protestos populares nas ruas, de que resultaram dezenas de mortes, bem como o aumento da tensão, provavelmente, o fizeram recuar da tentativa de se manter no poder.

Kabila conseguiu contrariar as previsões mais pessimistas, ao aceitar o acordo com vista à reconciliação. Apesar da exclusão de Étienne Tshisekedi, veterano político, fundador da coligação de partidos denominada União para a Democracia e Progresso Social (UDPS) e do multimilionário Moise Katumbi, ex-governador até 2015 da província de Katanga, tido na altura como o político mais influente na RDC, foram respeitados os pressupostos para a alternância assente em princípios democráticos. Das eleições de 2018 resultou a primeira transição pacífica do Congo desde a independência. Assim, Joseph Kabila é o único ex-Presidente congolês vivo. Gere tranquilamente os seus negócios, sendo visto de vez em quando a circular por Kinshasa e arredores numa famosa motorizada de alta cilindrada.

Por mera coincidência, ou talvez não, Félix Tshisekedi, o homem que cresceu a ver o pai, falecido na Bélgica, em 2016, envolvido em lutas políticas, foi eleito Presidente contra as conjecturas que colocavam Martin Fayulu na Presidência. Os dois são novamente concorrentes, à semelhança do "Tuit Puissant” Moise Katumbi, o presidente do TP Mazembe, entretanto "reabilitado” politicamente pelo presidente cessante, depois de se ter exilado no estrangeiro. Para diferentes analistas, os citados são os principais candidatos, embora não seja de descurar o peso do enorme prestígio acumulado pelo ginecologista Dennis Mukwege, Prémio Nobel da Paz em 2018.

Com a candidatura formalizada em Outubro último, muitos congoleses entendem que o "médico das mulheres” não deveria disputar o poder devido, sobretudo, ao facto de encararem a política como um terreno demasiado nebuloso. Outros defendem que a atitude corajosa de Denis Mukwege pode ser uma maneira de introduzir novos elementos à política congolesa e de, algum modo, credibilizar as motivações dos aspirantes ao poder.  

Daqui a dois dias, se a imprevisibilidade do Congo não alterar o curso dos acontecimentos, cerca de 44 milhões de congoleses vão às urnas escolher o Presidente da República e os deputados.

O riquíssimo território com mais de cem milhões de habitantes, maioritariamente catalogada entre as populações mais empobrecidas do mundo, vai continuar a fazer história. À margem dos resultados, almeja-se um período pós-eleitoral pacífico. É justo aspirar que o brilho e a qualidade dos diamantes da RDC, detentora da segunda maior reserva mundial do mineral não metálico, se reflicta na condição de vida congoleses. Talvez não seja tão utópico acreditar que um dia a "caça” ao ouro e demais minerais preciosos, com realce para o coltan, essencial para tecnologia espacial, produção de telemóveis e máquinas fotográficas, pode ser feita em moldes diferentes dos que equiparam o Congo Democrático, em alguns aspectos, a uma trágica caricatura, tão gigantesca quanto as suas dimensões geográficas.

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