Reportagem

A radiografia do INEF no prisma estudantil

Adilson Francisco

Jornalista

Sem uma piscina para aulas práticas de natação, a primeira instituição de formação de professores de educação física tem duas quadras de salão, com o piso inadequado à prática desportiva e apresenta a pista de atletismo sem marcação e cobertura.

28/04/2024  Última atualização 09H05
Professora Sara Tavares dialoga com alunos em mais uma aula © Fotografia por: DR

O sol cindia-se fortemente no céu. A tarde era de imenso calor. Os ponteiros marcavam 13h38, quando Mário Afonso apeava em direcção ao Instituto Normal de Educação Física (INEF), primeiro órgão de educação, vocacionado à formação de professores de educação física em Angola. Nos pés, os passos afiguravam-se longos. Suado, impunha maior vigor no pé. A velocidade revestia-se de um propósito de assistir à primeira aula: Ginástica.

A ansiedade de se deleitar com novas aprendizagens sentia-se na celeridade que impunha ao corpo. Franzino, o jovem de 25 anos pertence ao décimo terceiro ano e goza do estatuto de finalista. O atributo de concluinte fê-lo proceder ao balanço dos anos frequentados no INEF.

"Foi benéfico. Aprendi muito nas disciplinas de andebol, basquetebol, ginástica e voleibol. Os professores dão o máximo de si para nos ensinar da melhor forma em meio às dificuldades”, disse.

Carregado de euforia na fala, Afonso aponta os empecilhos encontrados ao longo da formação: "Por ser a primeira escola de Educação Física, acho que o INEF não está classificado para ser uma instituição voltada à formação de professores, porquanto falta em todas as disciplinas equipamentos de andebol, voleibol, atletismo, ginástica, natação e basquetebol”.

Mergulhado num mar de dúvidas, o jovem de 25 anos desconhece as razões para constar a disciplina de natação, quando, na verdade, o órgão educacional não dispõe de nenhuma piscina de modo a exercer as aulas práticas.

"No antigo INEF, os estudantes faziam as aulas na Piscina de Alvalade. Hoje, não temos alternativas. A escola comporta espaço para a construção de uma ou duas. No entanto, não percebo os motivos da inexistência. Apenas, desfrutámos dos conhecimentos teóricos e não os práticos. É difícil”, revela.

Ante a contrariedade, Afonso lança várias frases interrogativas: "Como vamos ensinar os nossos futuros alunos as aulas de natação? Que tipo de perfil de saída teremos, após o término da formação? Em situação de afogamento de uma vítima no mar ou no rio, como salvaremos a pessoa? Como posso emprestar o meu saber à sociedade?”.

Do baú de reclamação saiu uma solução do fundista: "Por ser uma instituição afecta ao Ministério da Educação e da Juventude e Desportos, ambas instituições deviam unir-se de maneira a resolver os problemas da instituição que forma professores de Educação Física no país”.

A geografia do INEF embaraça a locomoção dos estudantes. Na sua maioria, são jovens desempregados e fazem das tripas o coração para amealhar alguns "kumbus” (dinheiro) em busca do conhecimento nos cinco dias de semana, reservados às aulas.

"Precisámos de ajuda. O Estado deve apoiar-nos com autocarros, pois, muitos de nós vivemos distante da Centralidade do Kilamba. Chegar aqui é um exercício dos "deuses”. Nem sempre temos dinheiro para custear os táxis”, exclama.

Num ápice, Sulamita Muhongo intromete-se na prosa e avança: "Em Luanda, há bastantes problemas de táxi, então, sentimos muita dificuldade de chegar cá”.

As duas quadras do INEF para a prática de andebol, futsal e basquetebol apresentam o pavimento de asfalto. À mínima queda, os estudantes são alvos de lesões e escoriações.

A jovem de trato fácil e de expressão amigável destapou uma situação, talvez desconhecida pela direcção do INEF. Revestida de fúria, a menina de 19 anos expôs o dilema.

"Nas aulas de ginástica, basquetebol e andebol havia colegas que saíam feridas e lesionadas, quando caíam devido ao estado do chão. À mínima queda, os colegas são acometidos por lesão, porquanto a qualidade do piso não amortece o impacto”, explica a aluna finalista.

Com a mochila pregadas às costas, Eviliana Garcia, também estudante do terceiro ano, mostrou-se insatisfeita com a falta de materiais referentes à ginástica. Em tom crítico, a jovem de 23 anos apresenta uma preocupação: "A instituição não possui bolas suíças. Assim, fica difícil ensinar o manejo do material em caso de exercermos, por exemplo, a profissão de "personal trainner” num ginásio”. A queixa precede uma reclamação: "O ginásio também é pequeno”.

Sem rodeios, solta duas inquietações: "Para as aulas de ginástica, apenas possuímos um trampolim que é insuficiente face ao número de alunos. Para as aulas práticas, não temos piscina para a realização de exercícios de natação. Fazemo-los por cima das carteiras e muitos alunos chegaram a cair”.

Quem também entra na conversa é Doroteia Malungo. Estudante finalista, a rapariga, de 25 anos, mostrou-se alarmado com a falta de equipamentos nas aulas de atletismo e teceu críticas à qualidade da pista.

"Faltam barras, discos, bola de peso para fazer os arremessos e de barreira aço de modo a fazermos a corrida por obstáculos e colchões para os saltos. Além disso, a pista não apresenta condições nem sinalização e está coberta de areia”, realça.

 Falta de balneário dificulta

O curso de educação física exige a motricidade do corpo. Pela tipicidade da formação, Mário Afonso reivindica à direcção da Escola de Formação de Professores, a construção de balneário. A falta de um espaço para a higienização pessoal preocupa a classe estudantil.

"Um dos grandes problemas cinge-se à falta de balneário. Não tomámos banho, após as aulas práticas. Muitas vezes, colocámo-nos nos autocarros e táxis a cheirar suor. Isto nos deixa constrangidos”, narra a incidência de difícil memória.

Perante mais um empecilho, o fundista atira: "Não entendo as razões objectivas de um curso que exige a movimentação do corpo e a instituição não tem sequer um balneário para o tratamento da nossa higiene”, revela.

Os quartos de banho mereceram também a contestação. Furioso, lança a revelação: "Muitas vezes, não possuem água para o efeito”.

Professores avaliam a instituição

Com a voz aguda, Edilson Jorge, professor há sete anos no INEF, disse haver a necessidade de se rever os currículos de ensino do INEF, de forma que os alunos possam obter um melhor perfil de saída, quando terminarem a formação no primeiro órgão educacional.

"Não se pode falar de educação física sem abordar sobre a saúde. Devia colocar-se nos currículos da instituição mais conteúdos referentes às áreas de saúde, pois, o INEF já formou vários quadros que ingressaram para a saúde e se tornaram médicos e enfermeiros”, explica.

Na sala 8, o antigo aluno do INEF fez menção ao currículo anterior incorporado pela instituição.

"A escolha tem a ver com a inserção de conteúdos ligados à saúde, colocado no antigo INEF. Assim, os discentes, além de saírem como docentes de Educação Física, teriam também valências no sentido de integrarem a saúde como a segunda opção como aconteceu nos anos passados”, relatou.

Sem incertezas, Jorge descreveu as causas que inviabilizam mais a não concretização do propósito. E destapa as falhas escondidas no véu: "A instituição tem de preencher com equipamentos os laboratórios de anatomia e fisiologia. Apenas os possuímos, contudo, não há nenhum material”.

O INEF forma docentes de Educação Física e não profissionais de saúde. Em meio a este quesito, o professor de voleibol sustenta as razões para constar dos programas educativos do instituto.

"No meu entender, o professor de Educação Física tem a obrigação de obter os conhecimentos mínimos de como o corpo humano funciona, para que, em caso de acontecer uma lesão ou uma complicação de saúde, ele seja o primeiro a prestar os primeiros socorros antes de ir ao hospital”, refere o "mestre” trajado com uma camisola de cor violeta.

"A escola não tem bolas de basquetebol”

A instituição dispõe de uma quadra para as aulas práticas de basquetebol. O empreendimento escolar acolhe cerca de 400 alunos, distribuídos em 30 salas. A exiguidade de quadras atrapalha o processo de ensino-aprendizagem da modalidade nascida nas terras do "Tio Sam”.

Vestido à desportista e com altura a rondar os 1,80 metros, Dário Ribeiro, professor do INEF há 16 anos, confirma: "Somente, temos uma quadra de basquetebol. Várias vezes, usamos os recintos desportivos da Centralidade do Kilamba de forma a ultrapassar esta barreira”.

Da fala sai a reclamação: "Às vezes, encontrámos outras equipas a usufruir das quadras. Esta situação inviabiliza as aulas de basquetebol”.

O também treinador de basquetebol, nos escalões de formação do Petro de Luanda, desvenda um segredo guardado a sete chaves no cofre: "INEF não tem bolas de basquetebol, isso prejudica o ensino da disciplina”.

Sem meios suficientes, o funcionário público e os alunos viram-se obrigados a inverter o percalço. O adágio "junto venceremos” se fez sentir. A força do "capitão planeta” deu uma solução: "Eu e os alunos chegámos a um acordo que se baseava no ajuntamento de valores para compra de bolas. Assim, conseguimos amenizar a situação”.


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