Sociedade

Acima de 60 dos 308 novos casos de lepra afectam crianças

Augusto Cuteta

Jornalista

Pelo menos, 67 dos 308 novos casos de lepra, alguns com altos de sinais de deformidade, registados no ano passado, em todo o país, foram em crianças, revelou ontem, em Luanda, o coordenador do Programa Nacional de Controlo da doença.

30/01/2021  Última atualização 20H31
Muitas pessoas já curadas da lepra continuam confinadas no Centro de Tratamento da Funda © Fotografia por: Vigas da Purificação|Edições Novembro
Ernesto Afonso realçou que o dado relacionado às crianças é preocupante, uma vez que a meta da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que os países atinjam a taxa de detecção de zero casos em crianças, principalmente sem sinais de deformidades visíveis.
Muitas dessas crianças são infectadas pelos próprios familiares ou por pessoas de relação próximas dentro das comunidades em que estão inseridas, por esses tardarem o início do tratamento.

"Os infectados são diagnosticados tarde e, isso, faz com que a administração das multi-drogas, também, seja tardia.  Assim, contaminam a doença a outras pessoas, quando, se tomarem os medicamentos, a lepra perde capacidade de contágio!”, lamentou o médico.
Disse que, apesar dos esforços das autoridades de Saúde, em Angola, a taxa de detecção é de 0,93 por cento, o que faz ainda da lepra uma preocupação do Ministério de tutela, embora o país tenha reduzido os casos da doença em tratamento e atingido, em 2005, a meta estabelecida pela OMS de menos de um caso por dez mil habitantes.

O coordenador do Programa Nacional de Controlo da Tuberculose e Lepra avançou que Angola, com uma taxa de prevalência de 0,78 por cento, tem 1.937 doentes em tratamento, dado que coloca o país na lista dos Estados com alta carga da doença. O médico Ernesto Afonso, que falava em torno do Dia Mundial da Lepra, que se celebra, hoje, último domingo do mês de Janeiro, sob o lema: "Lepra - Identificou, tratou e curou”, considerou que a taxa de abandono ao tratamento, equivalente a 8 por cento, é outra das grandes preocupações do Ministério da Saúde.Sobre as principais causas do abandono ao tratamento, o quadro da Direcção Nacional de Saúde Pública enumerou situações como a distância dos locais de assistência sanitária, a falta de alimentação adequada para suportar a carga dos medicamentos e o difícil acesso aos centros que tratam a lepra.


Mais centros de tratamento

O coordenador do Programa avançou outros constrangimentos no combate à lepra, além do abandono ao tratamento, com destaque para a fraca cobertura geográfica dos serviços, detecção tardia de casos, pouca informação da doença por parte da população e a débil participação de outros sectores.

Para inverter esse quadro, o médico defendeu a expansão dos serviços de tratamento para zonas mais próximas das residências. Nesta altura, nos 164 municípios do país, existem apenas 96 unidades sanitárias que tratam e acompanham doentes com lepra. Ernesto Afonso apontou que a situação endémica é mais preocupante nas províncias  de Benguela, Bié, Cabinda, Cuando Cubango, Cuanza-Sul, Huambo, Huíla, Lunda-Norte, Malanje e Moxico sendo as que têm o maior fardo ou carga da doença.


Meta alcançável

As metas da OMS estão direccionadas a acções que levem os países a atingirem o nível zero situações com a lepra: transmissão da doença, de incapacidade, de estigma e discriminação, de crianças com deformidade e de casos novos em cada um milhão de habitantes, no quadro do Plano Estratégico Mundial, renovado até 2030.

Em relação às referidas metas, o coordenador do Programa Nacional de Controlo da Tuberculose e Lepra assegurou que "Angola está confiante no alcance e no sucesso esperado com o combate ou eliminação da doença e corresponder às expectativas mundiais”.
Mas, para isso, Ernesto Afonso apelou para que outros sectores, além da Saúde, redobrem esforços para o combate à lepra, que considerou uma doença resultante da pobreza.
"É preciso que se melhore a distribuição da água potável, a higiene comunitária, a fome e a desnutrição, entre males sociais”, realçou.


 Leprosaria da Funda

O lar dos pacientes abandonados pela família


Filipe Dala, oriundo da província de Cuanza-Norte, entrou na Leprosaria da Funda, muito antes da Independência Nacional, isto é em 1973, em busca de tratamento e nunca mais saiu de lá, porque a família simplesmente o abandonou com receio de contágio.
Apesar de não se lembrar mais da data de nascimento, o "Mais velho Dala”, como é tratado, disse ao Jornal de Angola que tão logo começou a desenvolver a lepra, todos os familiares de casa se afastavam dele, dormia no quintal, coberto de papelão.

"Com o aparecimento de feridas no corpo, a mãe dizia que apanhei feitiço e, expulsou-me de casa. Como já era moço, o meu tio um pouco mais esclarecido que os demais familiares, deu-me dinheiro e mandou-me ir a Luanda, em busca de tratamento".
Andou por vários hospitais da capital sem conseguir ter um diagnóstico exacto. Desesperado e sem dinheiro, alguns vizinhos aconselharam-no a ir à Leprosaria da Funda, onde depois de consultado ficou a saber que tinha lepra em estado avançado.

"Perdi todos os dedos das mão e dos pés. Durante dois anos, fiz a medicação e fiquei curado da lepra. Mais tarde, diagnosticaram-me epilepsia. Em 1980, tentei voltar para casa mas ninguém quis me receber, então voltei para a Leprosaria”.
Na Leprosaria, o "Mais velho Dala” apaixonou-se  por uma antiga doente e da relação gerou uma criança do sexo masculino, que ambos criaram até os 15 anos, numa dos compartimentos da instituição.

Após à morte da mãe, o rapaz decidiu ganhar a vida fora da unidade sanitária e nunca mais voltou para saber do pai, passados 25 anos.
 Hoje, juntamente com Filipe Dala, estão 11 famílias, admitidas no local por motivo de doença, mas já estão curadas. Por causa do estigma e discriminação familiar e social acabaram por ficar definitivamente na Funda, sobrevivendo à custa de doações de pessoas de boa vontade.


O apoio da Igreja Católica

Rosa Maria Garciaro, enfermeira de nacionalidade polaca, integrante do grupo pastoral Verbo Divino, afecta à Igreja Católica, é há 25 anos tida como uma verdadeira mãe de todos os doentes que acorrem à Leprosaria da Funda em busca de tratamento.  
Ao Jornal de Angola, a religiosa disse que as pessoas que ali residem, apenas estão em vida com ajuda de Deus, porque as dificuldades são inúmeras, desde a irregularidade no fornecimento de energia eléctrica, água potável, falta de comida, roupa e material de higiene.

Em 2019, o Ministério da Saúde mandou reabilitar alguns compartimentos da instituição. Foi vedado o quintal e remodelou-se o refeitório, que não é usado porque ainda não foi inaugurado. Os equipamentos estão a estragar-se por falta de uso, denunciou a enfermeira polaca, para quem não sabe o que fazer "quando os ex-doentes batem a minha porta para pedir comida”.

 
Falta de médico

Além de tratar a lepra, os pacientes precisam de acompanhamento de um dermatologista, por causa das sequelas que a doença deixa na pele, mas infelizmente na Leprosaria da Funda não há médico. Quando os pacientes já curados da lepra são enviados para aos demais hospitais,  para consulta de dermatologia, os médicos se negam a atender, por temerem contágio da doença, e isso dificulta muito a cicatrização das manchas.

Actualmente o centro tem 60 trabalhadores, entre estagiários, empregados de limpeza e segurança. Estes últimos não recebem salário há muito tempo, por isso apenas um faz a guarnição das instalações, sendo que as empregadas de limpeza apenas ficaram duas.
Alexa Sonhi

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