Reportagem

Cabinda regista aumento de infecções por VIH e tuberculose

Bernardo Capita

A prática da prostituição, estilo de vida desregrado e hábitos alimentares pouco saudáveis, são apontados pelos especialistas em Saúde Pública contactados pelo Jornal de Angola como três dos principais motivos que concorrem para o aumento exponencial da tuberculose e do VIH na província de Cabinda.

17/07/2023  Última atualização 08H50
© Fotografia por: DR

Se, por um lado, a alimentação de qualidade depende em grande medida do conhecimento e capacidade financeira dos cidadãos, por outro lado, a prostituição ganha cada vez mais espaço na província, em muitos casos com a envolvência de cidadãos estrangeiros em situação migratória irregular.

"É comum verificar em muitos bairros de Cabinda, aposentos transformados em casas de sexo, como por exemplo na famosa paragem do Yema, no bairro Primeiro de Maio e outros locais que a qualquer hora do dia se podem encontrar trabalhadoras de sexo disponíveis, na sua maioria estrangeiras”, denuncia Sumbo Luacy, que reside há várias décadas na capital da província.

Dados obtidos pelo Jornal de Angola indicam que o roteiro da prostituição inclui sobretudo ruas e largos da cidade, com destaque para a rotunda do Aeroporto "Maria Mambo Café”, mais concretamente nas imediações da baixa do famoso "Tio Pinto”, e o Largo da Paz, defronte ao Centro Cultural Chiloango. São, no essencial, pontos eleitos por jovens com idades entre os 16 e 30 anos, que aí se aglomeram depois das 19 horas à espera de potenciais clientes.   

O director clínico do Hospital Infecto-Contagioso Santa Catarina, Joaquim Macosso, confirma o aumento de casos de tuberculose e de VIH na província, a julgar pelo número de doentes que diariamente afluem àquela unidade sanitária em busca de assistência médica.

Joaquim Macosso, que presta serviço naquele que é o único hospital vocacionado para tratamento de doenças infecciosas em Cabinda, diz que a pobreza e a promiscuidade sexual desmedida são os dois principais factores que concorrem para o aumento destas enfermidades, cujo gráfico, no caso específico do VIH, a seroprevalência começa a ser bastante preocupante.

"Cabinda é uma província insular encravada entre a República Democrática do Congo e Congo Brazzaville, onde a promiscuidade sexual é bastante expressiva. No entanto, muitos que praticam a prostituição chegam facilmente à região dada a aproximação geográfica”, disse Joaquim Macosso, tendo sublinhado que algumas pessoas têm conhecimento da sua condição de seropositivo, mas ainda assim insistem em ter uma vida promíscua.

Sem, no entanto, indicar taxativamente o número de doentes com tuberculose, ou mesmo com VIH, que àquela unidade sanitária registou nos últimos meses, o também médico de clínica geral explica que, comparativamente a anos anteriores, o fluxo de doentes assistidos por conta das duas enfermidades é muito abismal.

Joaquim Macosso fez saber que a unidade sanitária atende em média aproximadamente 230 pacientes por dia. Destes, entre 15 e 20 dos assistidos apresentam um quadro com grave infecções nos pulmões.

"Com esse indicador, dá para ver até que ponto a província está em termos de infecção relativamente as duas patologias”, disse.


Atendimento médico alargado

Face ao aumento de casos de doenças infecciosas, a direcção da unidade sanitária viu-se obrigada a alargar o atendimento, de modo a prestar também assistência médica e medicamentosa aos utentes com outras patologias.

"A estratégia adoptada visa acima tudo facilitar a assistência médica e medicamentosa à população da zona sul da cidade de Cabinda, face à exiguidade de hospitais nesta zona. Por outro lado, conter e controlar melhor os níveis de propagação da tuberculose e do VIH”, disse Joaquim Macosso.

Sempre que se detecta que o paciente está infectado com o VIH, o director clínico do Hospital Infecto-Contagioso Santa Catarina avança que este é encaminhado para o Serviço de Aconselhamento e Testagem (SAT). Acto contínuo, acrescenta Joaquim Macosso, depois de cumprido o processo de aconselhamento, caso o doente não apresenta um quadro clínico severo que implica o seu internamento imediato é submetido ao regime de tratamento ambulatório à base de retrovirais.


Iniciativas para redução da prostituição

A prostituição que atinge níveis assustadores na província de Cabinda, pode ser reduzida com iniciativas ou tarefas socialmente úteis e bem direccionadas no sentido de ocupar as pessoas que assim se comportam, considera Sevo Agostinho.

O sociólogo sugere a necessidade de se promoverem mais acções de sensibilização para as pessoas sobre a gravidade da exposição a que se colocam.

No entender de Sevo Agostinho, com trabalho de sensibilização quem decida enveredar pela promiscuidade sexual pode eventualmente redobrar a precaução de modo a evitar males maiores. Relativamente às pessoas que padecem apenas de tuberculose, refere que a maior parte destas não está preocupada em ocupar o seu tempo com actividades que lhes possa ajudar a mudar o estilo de vida.

"Muitas pessoas nesta condição, na maior parte das vezes estão propensas ao consumo de bebidas alcoólicas e muito dificilmente avaliam a quantidade e qualidade das bebidas que consomem”, lamenta.

Sevo Agostinho adverte que hoje o mercado comporta um leque de bebidas de qualidade duvidosa, sobretudo no caso dos chamados "pacotinhos”, daí a necessidade do alerta permanente à moderação.

"Escusado será dizer que a responsabilidade pela sensibilização para que as pessoas abdiquem de tais práticas seja apenas de uma única instituição. Deve ser de toda a sociedade com a envolvência da própria família, Governo, igrejas, associações e organizações de vária índole, com incentivo ao diálogo e outras formas úteis para ocupar os jovens”, disse.


Extrema vulnerabilidade

Bastante apreensivo com a situação, o sociólogo Sevo Agostinho aponta que muitas vezes são as dificuldades que levam as pessoas a uma situação de extrema vulnerabilidade. Como saída, clarifica, essas pessoas adoptam comportamentos desagradáveis que as conduzem a práticas socialmente reprováveis.

"Sabemos que há muita gente que se prostitui por dificuldades em não conseguir organizar a vida. Na falta de uma ocupação capaz de gerar renda, estes encontram na prostituição uma alternativa de sobrevivência o que é mau”, lamenta.

Ao Jornal de Angola, Sevo Agostinho menciona que ao optarem pela prostituição as pessoas ficam sujeitas ao envolvimento com quem quer que seja, em algumas situações sem a protecção do preservativo.

"As prostitutas nem sempre conseguem bens materiais de grande valor ou avultadas somas de dinheiro pelo trabalho que exercem. A prostituição é feita apenas para sobrevivência”, disse.

Na visão do sociólogo Sevo Agostinho, para as mulheres que se dedicam à prostituição o mais importante tem sido o envolvimento sexual em troca de qualquer coisa para regressar a casa com algum dinheiro no bolso. Em sentido contrário, sublinha, os homens que mais procuram as prostitutas são aqueles que têm histórico de envolvimento com múltiplas mulheres, estando mais propensos a contrair doenças, entre elas o VIH.


Relação entre VIH e a tuberculose

Duas infecções bem diferentes uma da outra, a tuberculose, doença infecciosa causada pelo bacilo de Koch, e VIH, infecção sexualmente transmissível, possuem uma relação que pouca gente conhece. Por conta da chamada co-infecção, a tuberculose é a principal causa de morte de pessoas infectadas pelo VIH.

Estudos da correlação entre as duas infecções mostram que pessoas com VIH têm 28 vezes mais chances de contrair tuberculose. Como o VIH enfraquece as defesas do corpo, uma pessoa que vive com a doença fica muito mais vulnerável a todo tipo de infecção, sendo que, por conta disso, a tuberculose passa a ser ainda mais perigosa. Outro senão, depois de contrair a tuberculose, essas pessoas são ainda mais suscetíveis aos seus sintomas, pois o corpo não tem forças para combater a bactéria, que se espalha rapidamente causando muitos danos.

Por conta dessa vulnerabilidade, a maior causa de morte de pessoas que vivem com VIH é a tuberculose. Como o HIV pode não manifestar sintomas por um longo tempo, muitas pessoas não sabem que têm a doença, o que consequentemente as deixa mais expostas à tuberculose. Por isso, quando a tuberculose é diagnosticada, imediatamente é realizado um exame para verificar se o paciente tem Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA), o estágio final da infecção pelo VIH. Desta forma, muitas pessoas acabam descobrindo que são portadoras do VIH.  

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