Cultura

Centenário de Uenhanga Xitu: Autor da obra “Mestre Tamoda” homenageado na União dos Escritores

Mário Cohen

Jornalista

Feitos do escritor e nacionalista Agostinho André Mendes de Carvalho, mais conhecido nas lides literárias por Uanhenga Xitu, foram, ontem, enaltecidos, na União dos Escritores Angolanos (UEA), em Luanda, na habitual “Maka à Quarta-feira”.

29/08/2024  Última atualização 08H50
Político, enfermeiro e escritor, Agostinho André Mendes de Carvalho nasceu a 24 de Agosto de 1924 e faleceu em Luanda, a 13 de Fevereiro de 2014, aos 89 anos © Fotografia por: DR
A actividade serviu para marcar os 100 anos do nascimento do autor da obra "Mestre Tamoda”, que nasceu a 24 de Agosto de 1924 e faleceu em Luanda, a 13 de Fevereiro de 2014, aos 89 anos.

Escritores, investigadores da literatura angolana, estudantes, amigos e familiares juntaram-se para falar sobre a vida e obra de Uanhenga Xitu.

Para a actividade, foi convidado o escritor e crítico literário Hélder Simbad, que abordou o tema "Reconstruir as Personalidades de Uanhenga Xitu a partir da obra o Ministro” e o investigador da literatura oral Mangel Faria, que falou sobre "Puema de Uanhenga Xitu: Espaço de Subjectividades Pós-colonialidade”.

Para Héder Simbad, Uanhenga Xitu é um dos escritores angolanos de grande referência no nacional e internacional.

A obra "O Ministro”, destacou, traz muitas verdades da História de Angola.

O crítico literário revelou, ainda, que o livro "O Ministro” reúne as melhores intervenções que Mendes de Carvalho teve na Assembleia Nacional quando era deputado.

O critico literário exortou a nova geração a revisitar os escritos de Uanhenga Xitu, a conhecer a sua grandeza literária e como narra os seus contos e histórias.

Para o investigador da literatura oral Mangel Faria, Uanhenga Xitu narra, nos seus escritos, acontecimentos da sua terra natal, como questões sociais, políticas e culturais. Para ele, Uanhenga Xitu é o único poeta que se escreve com U.

O "Puema” de Uanhenga Xitu, publicado depois da Independência, em 1976, segundo Mangel Faria, traz uma série de informações que fazem eco na sociedade angolana actual, como o nepotismo, tráfico de influência e intolerância.

Homem da cultura

O secretário-geral da UEA, David Capelenguela, considerou ser uma honra homenagear aquele que foi "um grande homem de cultura”, um escritor que se dedicou por tudo que representa a história, o percurso e importância da União dos Escritores Angolanos, da qual também é membro fundador.

No encontro, foi recordada a entrevista que concedeu à jornalista portuguesa Ana Lopes de Sá, onde Agostinho Mendes de Carvalho deu a conhecer a origem do seu pseudónimo literário, Uanhenga Xitu, de origem quimbundu, sendo que "Xitu” significa literalmente (carne) e "Uanhenga” (andar com alguma coisa ao pendurão). Assim "Uanhenga Xitu” significa os poderosos contam sempre com inimigos à espreita ou o poder desperta o ódio nos outros).

Os participantes destacaram o escritor como "eminente contador de histórias populares”, cuja narrativa está despida do rigor literário, pois a preocupação primária do autor é estabelecer uma ligação semiótica com o seu povo, que o estimula a escrever.

Quanto ao desenvolvimento da sua escrita, para os especialistas, nasce na prisão, impelido pelo desejo de preservação memorialística do passado para conhecimento das gerações futuras, bem como pelo encorajamento dos companheiros de cela, para que escrevesse.

Os textos escritos no cárcere assentam num tempo e espaço primordiais para o autor: da sua infância e a juventude, na terra natal, assim como as histórias presenciadas, em primeira mão, e as escutadas da tradição oral.

Em 2006, recebeu o Prémio Nacional de Cultura e Artes na categoria de Literatura pela qualidade do conjunto da sua obra, causando-lhe uma enorme surpresa e dando-lhe lugar na lista de melhores autores da história literária angolana.

Político e escritor

O político, enfermeiro e escritor Agostinho André Mendes de Carvalho, mais conhecido pelo pseudónimo literário Uanhenga Xitu, completaria 100 anos hoje, se estivesse em vida.

Filho de André Gaspar Mendes de Carvalho e de Luísa Miguel Fernandes, nasceu na aldeia de Nganga Zuze, comuna de Calomboloca, no município de Icolo e Bengo, província de Luanda.

Como muitos jovens daquela altura, fez os estudos primários nas escolas missionárias da Igreja Metodista, na terra natal, seguindo depois para Luanda, onde concluiu o ensino secundário.

Posteriormente, formou-se como auxiliar de Enfermagem, em 1947, profissão que o levou a trabalhar em diversos postos de saúde, em várias localidades do país.

O seu envolvimento em actividades políticas clandestinas, a favor da independência do país, data de 1957, acabando por estar implicado no famoso Processo dos 50, em 1959. Preso pela Polícia política colonial (PIDE), foi desterrado para o Campo de Concentração do Tarrafal, em Cabo Verde, onde ficou de 1962 a 1970.

Em liberdade condicional a partir de 1970, filiou-se novamente ao MPLA, ascendendo a liderança do Departamento de Organização Municipal (DOM) do partido em Luanda, no mesmo ano. Somente conseguiu retomar suas funções como enfermeiro auxiliar de segunda classe em 1974, após a Revolução dos Cravos.

Depois da independência, foi nomeado para o Conselho da Revolução e exerceu as funções de Comissário Provincial de Luanda entre 1979 e 1980 e de ministro da Saúde, entre 1980 e 1983. Em seguida, passou a acumular funções de embaixador de Angola na Checoslováquia, Polónia e Alemanha Oriental. Foi, ainda, deputado à Assembleia Nacional pelo partido MPLA.

Interessou-se pela arte da escrita em finais da década de 60. Nos anos 70, ainda na prisão, dedicou-se a escrever, embora a sua obra incida numa experiência vivencial de épocas anteriores, em especial das décadas de 40 e 50.

Escritor prestigiado em Angola e no estrangeiro, as suas obras encontram-se traduzidas em várias línguas.

Tem publicados os títulos "O Meu Discurso” (1974); "Mestre Tamoda” (1974); "Bola com Feitiço” (1974); "Manana” (1974); "Vozes na Sanzala (Kahitu)” (1976); "Mestre Tamoda e outros contos” (1977); "Maka na Sanzala” (1979); "Sobreviventes da Máquina Colonial Depõem” (1980); "Discursos do Mestre Tamoda” (1984); "O Ministro” (1989); "Cultos Especiais” (1997).

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