Reportagem

Cereais em alta escala garantem ração animal

Leonel Kassana

Jornalista

Em Camabatela, no triângulo de ligação entre as províncias do Uíge, Malanje e Cuanza -Norte, que conforma o planalto com o mesmo nome, ocorrem, nesta altura, elevadas culturas de cereais, sobretudo milho, soja e sorgo, a pensar na produção de ração, destinada à alimentação do gado bovino e suino, num momento em que o país aposta na redução das importações de carne.

24/02/2024  Última atualização 09H55
A movimentação dos equipamentos técnicos para a Fazenda Samba Lucala constitui ainda uma grande preocupação © Fotografia por: Edições Novembro
Ali está implantada a Fazenda Capeca, considerada, hoje, um actor importante na produção de milho, soja e sorgo.  Em  bom rigor, nos dias que correm,  qualquer abordagem que se queira fazer sobre a produção cerealífera da região de Ambaca estará incompleta, se não passar por essa unidade agrícola, que emprega mais de 500 pessoas, maioritariamente de comunidades locais.

E foi isso que o Jornal de Angola fez, andando pelos caminhos da agricultura em Ambaca. Idos directamente da cidade de Ndalatando e andando pela Estrada Nacional (EN 140(, com   passagem pelas vilas de Lucala e Samba Caju, fomos ter à Capeca, não muito distante da vila de Camabatela, em direcção ao Negage, território do Uíge.

Aqui, encontrámos extensões de terra a perder de vista, totalmente cobertos de milho e soja, como garantia para a disponibilidade de fuba e ração animal.

O nosso cicerone foi o seu gerente, Francisco Golão. Recebeu-nos no seu minúsculo e relativamente modesto escritório. Com todo o informalismo, aliás, a marca dos "homens do campo", começou por descrever aquilo que é, hoje, o que se poderá chamar  "império", a Capeca, que integra vários accionistas.

De estatura baixa e bastante enérgico, Francisco Golão, mais preciso, entrou em detalhes, referindo que no ano passado foram trabalhados cerca de 600 hectares de milho e 800 de soja e que na presente época, para as duas fileiras, o número subiu para 1.000 hectares.

E isso é algo que não surpreende, pois, como explicou o gerente, o trabalho é ininterrupto. "Estamos sempre a desbravar, a semear e a colher. Alguns desses hectares já foram semeados e outros colhidos, a produção não pára, pois usamos o sistema de sequeiro e rega", explicou, antes de convidar a reportagem do Jornal de Angola a percorrer  parte da vasta propriedade agrícola.

Na Capeca, contam-se três campos de milho. Quando por lá passámos, estavam todos totalmente trabalhados. Um, com 110 hectares, acabava de receber a sementeira, outro, com 140 hectares, já o fora em Dezembro, enquanto o último, com 100,  estava pronto para a colheita.

O engenheiro agrónomo Gaspar Luvumbu está directamente ligado ao sucesso das culturas na Fazenda Capeca. Estava particularmente optimista com os resultados nesses campos, ao estimar colheitas de, pelo menos, 10  toneladas de milho por hectar, o que diz bem da quantidade de grãos esperada nesta época.

O director da Agricultura em Ambaca, Olívio Lucas, com quem fomos à Fazenda Capeca, concorda com a estimativa avançada por Gaspar Luvumbu. "Não é a primeira vez que tiram essas quantidades, os técnicos fizeram uma boa preparação dos solos e, quando assim acontece, geralmente resulta em boas colheitas", disse.

Depois, fomos directamente aos extensos campos destinados à produção da soja. São dois, totalizando 140 hectares cada. Em Março, deve iniciar a colheita da soja, segundo Gaspar Luvumbu, que, mantendo o mesmo optimismo em relação ao milho, estima em três toneladas de soja por hectar. "Nós estamos, também, muito confiantes em bons resultados em relação à soja", referiu o jovem agrónomo.

A aposta na produção de cereais, em alta escala, segue em   linha com um programa de desenvolvimento da suinicultura que esta fazenda está a desenvolver, numa das suas unidades associadas, para prover o mercado de carne de qualidade. "No futuro, sendo esta uma unidade destinada à produção agropecuária, todo o grão que vamos produzir, aqui, será para ração animal",  revelou Francisco Golão.

O gerente da fazenda não revela, em concreto, números, por "respeito à  estrutura accionista", mas deixa escapar que  se trata de um conjunto "muito grande de investimentos que estão a ser feitos" e que  devem levar à montagem, ainda este ano, de secadores, silos e fábrica de rações.

Liderança do mercado

Os números com que fomos confrontados na Capeca parecem traduzir, na plenitude, a aposta num projecto fadado ao sucesso.  São cifras brutais, num momento em que Angola trabalha para conseguir níveis de produção de cereais compatíveis com a disponibilidade de recursos naturais, a começar por terras e água abundante.

Durante a safra de 2023/2024, na Fazenda Capeca foram colhidas cerca de 2.510.500 toneladas de milho, numa área total de 395 hectares, enquanto para a alimentação do gado, em 173 hectares, saíram 4.250.000 toneladas de silagem.

 Também para a ração animal, essa unidade agrícola produziu mais de 728  toneladas de soja, numa área de cerca de 500 hectares, ficando o sorgo em quase 780 toneladas, para o qual foram preparados,  pelo menos, 76 hectares.

 A essas cifras, juntam-se  as produções de outras unidades do Grupo Telegeste nas províncias do Bié, Huambo, Cuanza-Sul, Cunene e Huíla. 

A aposta na produção, em alta escala, de cereais na Fazenda Capeca, está em linha com o desenvolvimento de um projecto de suinicultura na região de Camabatela, que está a ser desenvolvido pelo Grupo BicAgro, na esteira do resgate do papel da região na liderança do fornecimento de carne ao Norte de Angola.

Referindo-se a esses números, fonte bem posicionada da Capeca referiu ao Jornal de Angola  que  a consolidação desses projectos agrícolas, há muito que colocou essa unidade no topo da produção de cereais no país. " Somos o principal produtor de arroz, milho, soja e sorgo", referiu, indicando haver um perfeito alinhamento com a estratégia do Executivo para o aumento da produção de grãos.

Um detalhe de reportagem foi a dificuldade em obter-se dados sobre o potencial real das chamadas grandes unidades agrícolas implantadas na região de Ambaca. Mas há algumas excepções, como a Fazenda Sorte e a Gemac. A primera, com  3.000 hectares, apostou "forte" no cultivo de milho, soja e massambala, quer para a comercialização, como para a ração animal, enquanto a segunda, com 1.000 hectares, também investe nos cereais.


A produção de grãos, sobretudo milho, viabiliza o fomento da suinicultura em  Camabatela

Colheitas na Fazenda  Samba Lucala

No corredor entre Lucala e Ambaca, está a Fazenda Samba Lucala, que, depois de ensaios iniciais, apresenta números relevantes na produção de grãos, estando-se, aqui, a falar de mais de 14 mil toneladas, das quais 9.498 de milho e 4.637 de soja, na época agrícola 2022/2023.

Esses são dados revelados pelo agrónomo Carlos Paim,  presidente do Conselho de Administração da Gesterra, indicando que na fase experimental, há cerca de dois anos, foram recolhidas 4.637 toneladas de milho e 1.070 de soja. Para a presente campanha agrícola, as colheitas devem subir para mais de 21 mil toneladas, com  o milho a ficar com 2.950 toneladas e a soja com 6.324, um crescimento de 30 por cento, se comparado à última safra.

Nessa fazenda, de 10.000 hectares, 2.000 dos quais já trabalhados, parte significativa da produção é feita em regime de sequeiro, algo que é favorecido quer pela qualidade dos solos, quer pela regularidade das chuvas. Isso permite que, por exemplo, de cada hectar, saiam mais de quatro toneladas  de soja e cerca de 10 de milho.

Carlos Paim referiu que a Fazenda Samba Lucala entrou, este ano, no que considera a fase de "produção plena" e está, por isso, em condições de  contribuir, de modo significativo, para o aumento da oferta de milho e de soja ao mercado nacional.

Mas se a produção, em larga escala, de milho e soja já é uma aposta ganha, as dificuldades de acesso, num troço de 50 quilómetros, ainda representam um obstáculo a remover, para o transporte seguro dos equipamentos técnicos, fertilizantes, além da própria distribuição até aos principais centros  de comercialização nas vilas e cidades.

Apoio às famílias camponesas 

Nessa unidade, a responsabilidade social é vista, também, como prioridade. Exemplo disso é a preparação, nesta época agrícola, de 200 hectares para 120 famílias da aldeia de Kixina Bamba e outra próxima, a assistência técnica e distribuição de insumos, bem como a construção de 30 casas sociais, uma escola e um centro de saúde.

Água do rio Lucala é pouco aproveitada pelos projectos 

No município de Lucala, próximo da capital provincial do Cuanza-Norte e cuja sede escalámos, o rio, com o mesmo nome, está ainda longe de ser aproveitado para fins agrícolas, como aliás acontece com os outros cursos de água na região.

O director da Agricultura, Gildo Manuel Barão,  não podia ser mais claro, quando lhe perguntámos sobre a disponibilidade de água no Lucala. "Essa área dispõe de vários recursos hídricos, com maior realce para o rio Lucala, mas, lamentavelmente, apenas trinta por cento é aproveitado em algumas fazendas, como Lucalagro, Los Compadres, Diogo e Irmãos e pequenos e médios produtores, para a irrigação de campos agrícolas", respondeu.

O engenheiro agrónomo, formado na Universidade Kimpa Vita, explicou-nos que apenas trinta por cento das actuais fazendas estão legalizadas e com um grau de exploração de cerca de trinta e cinco por cento. Revela que, por vezes, surgem conflitos provocados, fundamentalmente, pela delimitação dos espaços agrícolas, os quais têm sido dirimidos pelas autoridades, com a colaboração de entidades tradicionais. "Isso é algo que não nos surpreende, sobretudo numa área com terrenos bastante férteis, logo, muito cobiçados", afirma Gildo Barão.

Na campanha agrícola 2022/2023, foram preparados mais de 5.215 hectares, tendo sido 552 mecanizados e   entregues ao sector familiar. "A nossa perspectiva, para esta campanha, é duplicar as 3.750 toneladas de produtos diversos, colhidos na safra anterior, como referiu o director do sector da Agricultura", acrescenta o responsável da Agricultura, indicando que estão envolvidas nesta época agrícola 1.744 famílias.

Este optimismo tem como base os investimentos, a que não estão alheios o PEDAC, FADA, SREP e  PRODESI. "A estratégia passa pelo apoio contínuo às cooperativas, associações e famílias, em inputs agrícolas, para produzirem em grande escala”, sublinhou Gildo Barão.

No Lucala, os camponeses recebem, também, enxadas, catanas, limas, adubos, sementes e hortaliças.

Preocupação com os acessos aos campos agrícolas é permanente

Como em Ambaca, no Lucala, a crítica situação em que se encontram  as vias de acesso aos campos agrícolas, com reflexos no escoamento dos produtos, continuam a "tirar o sono" aos agricultores, aliados a outros constrangimentos, como dificuldades na aquisição de insumos e inputs agrícolas.

Os homens do campo estão  de mãos atadas e muitos produtos chegaram a estragar nos campos. A maior parte dos agricultores opta por alugar viaturas, para tirar os produtos do campo para os mercados, mas os preços, esses, são demasiado elevados. Parte significativa dos produtos acaba por se deteriorar nos campos agrícolas.     

No Lucala, a actividade agrícola concentra-se, sobretudo, na zona do Cacala, Correia 1,  Quilessa e Canguari. É aqui onde encontramos algumas das 11 cooperativas, associações e fazendas como a Los Compadres, Lucalagro, J.W.Catering e Irmãos Chaves, num total de 178 fazendas.

Atenta às preocupações da população, a Administração Municipal colocou no topo das prioridades a reabilitação de pontecos nas vias de ligação às principais áreas produtivas. Tal é o caso, por exemplo, da  aldeia da Kissuba, considerada a "rainha do feijão" no Lucala.

Os perímetros irrigados de Cacala e Correia 1 foram contemplados, no ano passado, num   projecto de  reabilitação, no quadro do Programa de Desenvolvimento da Agricultura Comercial (PDAC), para elevar as culturas do milho, feijão, soja, café, frutas e hortaliças.

O que se pretende, como nos foi explicado no Lucala, é o melhoramento da captação de água, criação de barragens e albufeiras para a retenção de água, além do melhoramento das vias de acesso. "Essas infra-estruturas foram-se degradando com o tempo e isso, naturalmente, trouxe sérias dificuldades para os agricultores", referiu Gildo Barão, indicando que a falta de locais para o armazenamento de produtos na vila  também é uma preocupação para os homens do campo.

Boas notícias

Mas há boas notícias para os produtores do município de Lucala. Recentemente, na localidade de Pamba de Baixo, foi  realizada a primeira consulta pública sobre um projecto que vai levar a terraplanagem de todas as vias de acesso às principiais zonas agrícolas da província do Cuanza-Norte. Além  de entidades municipais, ao encontro compareceram, em grande número, autoridades tradicionais e da comunidade civil.

O projecto é financiado pelo Banco Mundial e, numa primeira fase, foram seleccionadas as localidades de Cacala, Correia 1 e Pamba da Ração.

Iniciativas como esta são vistas como sendo, também, o caminho para ajudar Lucala a resgatar o seu papel de importante pólo agrícola do Cuanza-Norte e mesmo para outras regiões de Angola, como Malanje e Uíge.

E mais optimista não poderia ser a administradora municipal, Maria Mafuta, ao referir-se às futuras empreitadas. "A melhoria das vias de acesso às zonas de produção agrícola e o aumento do escoamento dos produtos, que ainda se faz com algumas dificuldades nesta região, continuará a ser a prioridade da acção governativa", disse.

Os agricultores do município de Lucala, na província do Cuanza-Norte, organizados em cooperativas e associações, prevêem boas colheitas no presente ano agrícola, fruto das chuvas que caem com alguma regularidade.

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