Especial

Dia Internacional do Trabalhador: “Eu sugeri o nome União Nacional dos Trabalhadores Angolanos”

César Esteves

Jornalista

O nome União Nacional de Trabalhadores de Angola (UNTA), o maior movimento sindical angolano, foi uma proposta do actual embaixador itinerante angolano Dombele Mbala Bernardo, na qualidade de membro fundador da organização.

01/05/2024  Última atualização 09H09
© Fotografia por: DR

A revelação foi feita pelo próprio em entrevista ao Jornal de Angola, realizada na sua residência.

Actualmente, com 89 anos, o diplomata, eleito, em Março deste ano, membro do Comité de Sábios da Comunidade Económica dos Estados da África Central (CEEAC), contou que a criação da UNTA resultou, inicialmente, da necessidade de se unir a classe trabalhadora angolana à volta da luta de libertação nacional conduzida pelo MPLA.

De acordo com Dombele Bernardo, tudo iniciou em 1956, altura em que começava a soprar o vento das independências em África, com partidos políticos a nascerem em Léopoldvile e noutras cidades importantes da colónia Belga, começando, assim, a luta política pela libertação do Congo. A família de Dombele Bernardo, de nacionalidade angolana, imigrou para o Congo Belga em 1938, para escapar do trabalho forçado, em benefício da potência colonial portuguesa.

"Participei, nessa época, nas reuniões dos partidos nos quais militavam alguns dos meus amigos. Estávamos em plena Guerra Fria opondo o Leste e o Ocidente", referiu, com recurso a dados retirados do seu livro intitulado "Até ao Último Suspiro por Angola e África", que assina com João Joaquim Ndombasi Mavatiku.

Nessa altura, avançou, as diferentes ideologias coexistiam no xadrez político congolês, além de grupos de inspiração puramente tribal e étnico, tendo, então, nessa condição, acabado por fixar preferência no Partido do Povo, uma organização política de tendência de Esquerda, que tinha, na sua direcção, nomes como o de Antoine Makwambala e Alphonse Nguvulu, intelectuais muito mais próximos das teses de Patrice Lumumba, líder do Movimento Nacional Congolês.

O seu activismo no Partido do Povo deveu-se ao conteúdo do discurso político de vanguarda e pan-africanista dos seus líderes. A fim de ascender, cada vez mais alto, no tabuleiro político congolês, Dombele Bernardo referiu que o Partido do Povo tinha uma grande ambição que passava por garantir um lugar nos meios operários, ou seja, criar ao mesmo tempo um apêndice e um aliado, a exemplo do  Partido Comunista francês com a CGT (Confederação Geral dos Trabalhadores). A situação política no Congo, disse, provocou um abalo na diáspora angolana que, por sua vez, começou a se organizar, embora de forma tímida, em pequenas sociedades e, depois, em associações etnico-políticas.

Em 1958, a Assomizo, sociedade étnica  dos refugiados de Maquela do Zombo, transformou-se em Alliazo, tornando-se, deste modo, a caixa registadora da Abako (Aliança dos Bakongo), partido de Joseph Kasa-Vubu. Na realidade, explicou, a Alliazo, dirigida por André Massaki e Manuel Kunzika, contava, no seu seio, com a maioria dos comerciantes, grandes e pequenos, da diáspora angolana saída do território de Maquela do Zombo, província do Uíge.

Neste contexto, ressaltou que o Partido do Povo mantinha sólidas relações com o Partido Socialista Unificado, no poder na ex-República Democrática Alemã, que recorreu à FDGB, a central sindical única, para oferecer cinco bolsas de estudo em sindicalismo a activistas escolhidos ao acaso. "Eu fiquei entre os cinco eleitos do partido, com Tony Bula Mandungu, para ir para Leipzig”, disse.

 
Surgimento da UNTA

O diplomata itinerante recorda que, no início do mês de Fevereiro de 1960, o partido Alliazo convocou um encontro político na sua sede, no bairro Foncobel, em Kinshasa, com numerosos intelectuais e outros jovens da diáspora, que acabou proibido pela polícia colonial belga. Apesar deste incidente, os jovens e os intelectuais presentes aproveitaram a oportunidade para trocar impressões no local, tendo, na sua maioria, condenado o lado tribal da reunião. "Era um feliz acaso e uma coincidência que todos pertencessem a correntes políticas congolesas diferentes. Só que dessas trocas informais e conversas particulares se irá revelar entre essa jovem elite uma tomada de consciência colectiva: o destino dos trabalhadores angolanos sob o regime de ocupação colonial", destacou o diplomata, acrescentando que estavam neste encontro, além dele próprio, Francisco Ndombe, Fernando Kiesse, Francisco Massala, Emílio Mbidi, Pascoal Luvualu, Fernando Mavunza, José Kiala, José Tony, entre outros.

Dombele Bernardo contou que o encontro fez nascer, então, o núcleo inicial do movimento sindical angolano. "Um detalhe importante merece ser sublinhado. Durante esse debate - surpresa à volta de um copo, não havia moderador. Cada um enumerou, livremente, o partido político ou a organização congolesa em que militava", lembrou.

Depois deste exercício, o diplomata salientou que os presentes defenderam, de forma unânime, a necessidade de se implementar uma força não política angolana que fosse capaz de agrupar todas as categorias de trabalhadores, assim como juntar-se a outras forças na luta pela libertação de Angola. Na sequência, disse ter sido marcado um encontro para uma reunião formal, em casa de Fernando Kiesse, na comuna de Barumbu, uma semana mais tarde. Dombele Bernardo referiu que, dessa reunião, nasceu a decisão da criação de uma organização dos trabalhadores no exílio. "Eu sugeri, imediatamente, o nome que foi aceite por todos: União Nacional dos Trabalhadores Angolanos (UNTA)", indicou o diplomata, sublinhado que a proposta foi aprovada por unanimidade.

 Com a aprovação do nome da organização, Dombele Bernardo disse ter sido constituído, de forma provisória, um bureau integrado por Francisco Ndombe, como presidente, e Pascoal Luvualu, que já reunia experiência como sindicalista, como secretário-geral. "A mim foi confiado o cargo de vice-presidente", aclarou, precisando que a UNTA foi criada no dia 1 de Fevereiro de 1960 e não a 16 de Abril.

Papá Dombele, como é carinhosamente tratado pelos mais próximos, adiantou que um dos grandes obstáculos enfrentados pela UNTA, no princípio, não foi o poder colonial, mas, sim, a União das Populações de Angola (UPA), anterior designação da FNLA, de Holden Roberto, que não aceitava a organização, por causa da colaboração que mantinha com o MPLA.

Depois da Independência, Dombele Bernardo avançou que a UNTA terminou a colaboração com o MPLA e passou a dedicar-se, exclusivamente, ao seu papel de movimento sindical, passando a defender apenas os interesses dos trabalhadores.

 

Apelo ao diálogo

Face ao contexto divergente que se verifica, actualmente, no país, entre o Governo e as forças sindicais, o antigo sindicalista apelou ao recurso, de forma regular, como forma de resolução dos assuntos que os dividem. No seu entender, apesar de a greve ser um instrumento legal, não deve ser usado como único recurso para a busca de uma solução. "O diálogo é sempre a melhor via para a resolução de qualquer problema, indicou.


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