Nos últimos tempos, os interesses circunstanciais da Política Externa de Angola são dominados por alterações do paradigma de concepção e gestão da acção do Estado no contexto das Relações Internacionais, facto que se pode justificar pela mudança na liderança do país ao nível da Presidência da República que, desta feita, abriu um período novo no capítulo da actuação do Estado fora das suas fronteiras e imprimiu uma nova dinâmica nos assuntos ligados à diplomacia económica, à inserção dos quadros angolanos nas Organizações Regionais e Internacionais e à procura de espaços de influência da acção da política angolana além-fronteiras.
É antiga a máxima latina segundo a qual “se quiseres a paz, prepara-te para a guerra”, um aforismo que nos lembra, necessária e obrigatoriamente, a ideia de que a paz entre os Estados não se preserva apenas com boas relações de vizinhança, com uma devoção ao pacifismo e vontade colectiva de viver em paz.
Uma discussão frequente, actual e que se impõe no presente é o da metodologia de ensino da língua portuguesa em Angola, um país multilingue.
Discute-se sobre a diferença que pode existir entre metodologias de ensino da língua no nosso sistema educativo e no uso da língua oficial como veicular (escolaridade), sabendo-se que em Angola existem crianças que têm o português como língua materna e outros angolanos que a têm como língua segunda.
Ora, centrando-me no português, a diferença fundamental entre o ensino dela como língua materna e o ensino dela como língua segunda está no ponto de partida do aprendiz. No ensino de língua materna, o aprendiz já tem familiaridade com a língua desde a infância, enquanto no ensino de língua segunda, o aprendiz está começando a aprender uma nova língua que não é a sua língua adquirida. Isso influencia as estratégias de ensino e os desafios enfrentados pelos alunos.
No ensino do português como língua materna, as estratégias frequentemente incluem actividades de leitura, escrita, e discussões que se constroem sobre o conhecimento prévio do aluno e sua experiência com a língua. Já no ensino de língua segunda, as estratégias podem envolver mais exposição oral, prática de habilidades básicas de comunicação e ênfase na compreensão auditiva, pois os alunos estão a começar do zero em relação à nova língua, vivendo por isso um processo de descontínua socialização (de casa à escola, há uma mudança da estrutura comunicacional).
Diria que é consensual que no ensino da língua, tanto primeira quanto segunda, sempre se trabalha os sons inicialmente. Nos dois tipos de ensino de língua, é comum começar com a fonética e a fonologia, trabalhando os sons da língua. No entanto, no ensino de língua materna, essa fase muitas vezes é mais breve, pois os alunos já têm alguma exposição aos sons da língua desde a infância. No ensino de língua segunda, essa fase pode ser mais prolongada, com maior ênfase na prática da pronúncia e na distinção de sons que podem ser novos para os aprendizes.
Embora algumas técnicas de ensino possam ser compartilhadas entre o ensino de língua materna e o ensino de língua segunda, a metodologia geralmente difere devido às diferentes experiências e necessidades dos alunos. A familiaridade prévia com a língua materna influencia a abordagem pedagógica e as estratégias utilizadas, enquanto no ensino de língua segunda, o foco está na introdução de conceitos e na construção gradual das habilidades linguísticas do aluno.
No ensino de língua materna, a abordagem para o ensino de vogais pode ser mais informal e integrada ao contexto geral do ensino da língua. Por exemplo, os professores podem incorporar actividades de leitura em voz alta, música e jogos que ajudem os alunos a reconhecer e praticar as vogais em palavras familiares.
Já no ensino de língua segunda, a abordagem para o ensino de vogais pode ser mais estruturada e focada na fonética e na pronúncia precisa. Os alunos podem começar com exercícios de identificação auditiva das vogais, seguidos por prática de pronúncia e discriminação de sons semelhantes em diferentes palavras. A repetição e a prática sistemática podem ser enfatizadas para ajudar os alunos a desenvolver uma pronúncia precisa das vogais na nova língua.
Daqui podemos depreender que as necessidades dessas crianças (com linguas maternas diferentes) não pode ser encarada da mesma forma no processo de ensino-aprendizagem. A abordagem para ensinar a língua portuguesa a duas crianças com realidades linguísticas diferentes, uma tendo-a como língua materna e a outra como língua segunda, deve ser adaptada para atender às necessidades específicas de cada criança. Enquanto para a criança com língua portuguesa como língua materna, as actividades podem ser mais integradas ao seu contexto de vida e experiência linguística, para a criança com língua portuguesa como língua segunda, pode ser necessário um enfoque mais estruturado e intensivo em certos aspectos linguísticos, como a fonética e a gramática, para a ajudar a adquirir a proficiência necessária na língua.
Eu lançaria agora uma questão: Se as necessidades específicas de cada criança não forem atendidas com metodologias adequadas, quais seriam os riscos?
Reportando-me ao nosso sistema de ensino, os riscos conduzem-nos ao provável insucesso escolar.
Primeiramente, observamos dificuldades de Aprendizagem: A criança pode enfrentar dificuldades em acompanhar o ritmo de ensino, o que pode levar à frustração e desmotivação, diante de outras que partem em "superioridade” porpossuírem o português como língua materna.
Por outro lado, registamos o baixo desempenho escolar. Sem a adaptação adequada, a criança pode não alcançar todo o seu potencial de aprendizado na língua, resultando num desempenho abaixo do esperado.
Não descuramos os problemas de autoestima que advêm dum sistema que não é inclusivo. A falta de progresso na aprendizagem da língua pode afectar a autoestima da criança e a sua confiança nas suas habilidades linguísticas.
Outro risco é o das barreiras de Comunicação. Se a criança não desenvolver adequadamente as suas habilidades na língua, isso pode criar barreiras na comunicação com colegas, professores e membros da comunidade, limitando a sua participação e integração socialnacomunidade "nacionalizante”.
Ensino
convergente
Para atender a realidade linguística da criança, é ideal que se opte por um ensino convergente, em que no ensino primário a língua materna seja a de escolaridade e a oficial como disciplina, e no secundário se faça a inversão.
Conhecido como ensino convergente,tem sido adoptado em muitos sistemas educacionais para atender às necessidades linguísticas dos alunos de forma mais equilibrada. Essa abordagem reconhece a importância tanto da língua materna quanto da língua oficial (ou segunda língua) na educação dos alunos.
Optar por ensinar a língua materna como a língua de escolaridade no ensino primário permite que os alunos desenvolvam habilidades académicas sólidas e compreensão conceitual num ambiente linguístico familiar e confortável. Isso é crucial para o sucesso escolar e o desenvolvimento cognitivo da criança.
No ensino secundário, inverter a abordagem e priorizar o ensino da língua oficial como língua de escolaridade, permite que os alunos adquiram habilidades avançadas na língua necessárias para o ensino superior, carreira e participação na sociedade em geral.
Essa abordagem convergente reconhece e valoriza a importância tanto da língua materna quanto da língua oficial na educação dos alunos, garantindo que eles tenham oportunidades iguais de sucesso escolar e social.
O conceito de ensino convergente, onde ambas as línguas materna e oficial são usadas como línguas de instrução em diferentes estágios da educação, tem sido implementado em diversos países ao redor do mundo, principalmente em nações multilíngues ou com grandes populações de falantes de línguas consideradas minoritárias.
No Canadá, em algumas regiões, como Quebec, as escolas oferecem educação em inglês e francês em diferentes estágios da educação, dependendo da língua materna dos alunos e da política linguística local.TambémnaSuíça, devido à diversidade linguística do país, o sistema educacional geralmente oferece ensino numa ou mais línguas nacionais, como alemão, francês, italiano ou romanche, dependendo da região linguística.Finlândia e Bélgica são outros exemplos que optam pelo ensino convergente devido à natureza multilíngue.
Em África, vários países adoptaram também abordagens educacionais que reflectem a sua diversidade linguística e cultural. Na África do Sul, reconhece-se onze línguas oficiais, e a sua Constituição estabelece que todas têm direito a serem usadas como línguas de instrução nas escolas. No entanto, em termos práticos, o inglês é frequentemente usado como língua de instrução em muitas escolas, especialmente nas áreas urbanas.
No Quénia, reconhece-se o inglês e o swahíli como línguas oficiais. O inglês é geralmente usado como língua de instrução em escolas, enquanto o swahíli é ensinado como uma disciplina. No entanto, noutras áreas do país, o swahíli é a língua de instrução inicial.
A Nigéria, com uma grande diversidade linguística, adoptou uma abordagem de ensino que varia de acordo com as regiões. O inglês é a língua de instrução predominante, mas em algumas áreas, as línguas locais são usadas como línguas de instrução inicial.
Outro exemplo vemos no Ruanda. O país tem uma política multilíngue que enfatiza a importância do kinyarwanda, inglês e francês. No ensino primário, o kinyarwanda é usado como língua de instrução, enquanto o inglês e o francês são introduzidos como disciplinas. No ensino secundário, o inglês se torna a principal língua de instrução.
Nesses países, cujos indicadores de sucesso na implementação de abordagens educacionais levam em consideração a diversidade linguística,assinala-se uma redução considerável na taxa de marginalização de grupos minoritários, que podem ter sido historicamente excluídos do sistema educacional, combinando com a melhoria no acesso à educação para todos os grupos, independentemente da língua materna ou do contexto socioeconómico.
As taxas de sucesso escolar dos alunos em testes padronizados é um outro indicador de sucesso, demonstrando que eles estão alcançando competências e habilidades nas áreas ensinadas. Os países trazidos como exemplo reportam o aumento na participação e engajamento dos alunos nas actividades escolares, demonstrando que se sentem incluídos e valorizados no ambiente educacional.
Por fim, a equidade Linguística (redução das disparidades linguísticas entre grupos étnicos ou regionais), que garante que todas as línguas sejam valorizadas e tenham espaço no sistema educacional, cria condições mais favoráveis para que os alunos possam posteriormente ingressar no mercado de trabalho ou prosseguir para o ensino superior, demonstrando que estão adquirindo as habilidades necessárias para ter sucesso nas suas futuras carreiras.
Caminho para Angola caminhar
Sendo Angola um país plurilingue, com apenas uma língua oficial, que não é necessariamente a língua materna de todos, que vantagem traria o ensino convergente?
A meu ver, o ensino convergente em Angola poderia trazer várias vantagens significativas, especialmente considerando a diversidade linguística do país e as necessidades educacionais da população.
O ensino convergente permitiria que as línguas maternas dos alunos fossem valorizadas e usadas como línguas de instrução em estágios iniciais da educação, promovendo assim a inclusão linguística e cultural de todos os grupos "etno-linguísticos” e regionais do país.
A isso, poderíamosassinalar a melhoria da aprendizagem. Ou seja, ao permitir que os alunos aprendam inicialmente na sua língua materna, o ensino convergente facilitaria a compreensão e a absorção de conceitos escolares complexos, aumentando assim a eficácia do ensino-aprendizagem.
Ao mesmo tempo em que fortalece o domínio da língua materna, o ensino convergente também introduziria, gradualmente, a língua oficial (português) como disciplina, permitindo que os alunos desenvolvam habilidades numa segunda língua essencial para a comunicação nacional e internacional.
Não descuramos que, ao adquirir proficiência tanto na língua materna quanto na língua oficial, os alunos estarão mais bem preparados para ingressar no mercado de trabalho e participar plenamente da sociedade angolana, onde o domínio do português é muitas vezes valorizado em ambientes profissionais e académicos.
Finalmente, o Estado Angolano estaria a demonstrar o seu claro respeito pela Diversidade Linguística, pois o ensino convergente demonstraria um compromisso do sistema educacional em reconhecer e respeitar a diversidade linguística de Angola, promovendo assim a coesão social e o entendimento intercultural entre todos os angolanos.
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