Opinião

Esperteza da Anita acabou

Guida Osvalda

O grito angustiado de choro de Anita colocou os vizinhos em alerta. A mensagem foi passando de boca em boca.

25/08/2024  Última atualização 14H43

- Mana Anita s’tá chorar!

- Mana Anita tem óbito!

Os vizinhos mais próximos irromperam quintal adentro onde encontraram Anita sentada no chão de terra vermelha. A mulher estava empoeirada por ter rebolado no chão do quintal, com os olhos fixos no vazio.

Anita murmurava palavras imperceptíveis, não dizia coisa com coisa. Os vizinhos tentavam entender o que ela dizia e perguntavam entre si:

- Quem terá morrido?

A mãe e o pai dela já não existem, assim como o marido!

 Terá morrido um dos filhos? Ou será um neto? 

Anita chorava amargamente e agora entrava e saía de casa a bater os pés no chão. A mulher murmurava: "Acabou! O negócio acabou”.

O número de vizinhos  crescia dentro do quintal. Crianças e adultos assistiam Anita que não encontrava posição para estar: ora sentava-se,ora rebolava no chão.  O lenço que geralmente levava à cabeça encontrava-se coberto de areia, atirado num canto do quintal. Anita estava "fufulada” de terra. A mulher com 55 anos de idade estava envelhecida, parecia ter mais de 80. 

O sentimento de pesar era geral. A consternação sentia-se na atmosfera. Era muita tristeza. Mas quem terá morrido?

 A pergunta continuava no ar.

Será uma filha ou uma neta?

A vizinha Alberta, amiga chegada, ficou na dúvida. Devia ligar para as filhas para saber o motivo daquele choro? Se mesmo quando o marido dela morreu, Anita não chorou assim!... Agora esses gritos tipo perdeu o homem?  Duas horas depois a amiga Alberta conseguiu acalmar Anita:

- Mana chega ainda! Oko! Mesmo para chorar tem que saber!- Alberta ralhou. - Assim também vais seguir o morto?  É quê intão mana? Quem morreu?

- Ai mana…- outro grito entrecortado, cheio de angústia, foi solto - Minha inrivali morreu mbora. A notícia me chegou agora de Luanda – outro grito de desespero.

A vizinha ficou confusa. Quem morreu? A rival? Esse choro era por causa da morte da rival que ela sempre tratou com desprezo? Alberta lembrou-se que Anita estava viúva desde os 45 anos de idade e sempre se gabou que foi a preferida do marido, tanto que este havia abandonado a  mulher casada para ficar com ela em Caxito, no Bengo.

Alberta recordou-se que Anita sempre vangloriou-se dos privilégios que tinha junto do marido e da família deste. Desde o início da relação Anita recebeu  muitos apoio dos familiares do falecido marido e mesmo depois da morte deste os parentes dele mantiveram-se leais a Anita, apesar de ser a segunda mulher.

Agora Anita chora amargamente pela morte da outra? Alguma coisa não batia certo.

Quando Pedro,  marido de Anita,  a conheceu em Caxito, não inventou histórias da carochinha. Foi claro, disse-lhe que era casado e com cinco  filhos. Anita afirmou que ser casado e ter filhos  não constituía perigo.Estava preparada para ser a segunda mulher. Estava pronta para enfrentar o barraco, caso a mulher casada criasse caso. Quando a mulher casada se apercebeu que o marido tinha "mantido” em Caxito sentiu-se traída e exigiu que ele se definisse, pois nunca pensou em repartir o homem. Pedro, acuado, pediu ajuda à sua família que tomou medidas chamando a mulher casada de egoísta.

- Num país que teve tanta guerra, morreram tantos homens, queres o marido  só para ti? -  A mulher casada de Pedro levou um enxerto de porrada  da dita família. - Por seres egoísta ele agora vai ficar já em Caxito e ponto final.

A primeira mulher assim como os filhos foram relegados a segundo plano e Anita gozou os privilégios de uma mulher casada,  sem o ser. A mulher casada de Pedro era instruída academicamente e tinha como maiores qualidades a paciência, equidade, calma, passividade, benevolência, e dizia entender Anita, porque provavelmente foi enganada e estava naquela situação porque amava. E o amor tudo suporta.

Se a mulher casada de Pedro era magnânima,  uma lady, Anita era o oposto. Era mal educada,intriguista,  egoísta. Com requintes de maldade e com manha conseguiu conquistar Pedro e a família dele. 

Anos depois da relação, Pedro teve morte súbita. Anita entrou em desespero e uma semana depois da morte do marido, orientada pela família de Pedro, dirigiu-se de imediato à delegação provincial do INSS para reclamar a pensão. 

O profissional que atendeu a viúva, vestida de luto fechado, acompanhada por uma filha, informou-a que a protecção social obrigatória, neste caso a pensão de sobrevivência, deve compensar os familiares directos do trabalhador pela perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste, através da atribuição de prestações pecuniárias. Como a mulher casada e  não é para qualquer um…

Com paciência, o técnico do INSS foi verificando os requisitos começando pela idade da viuva.

- Já passou dos 50?

- Não!

- Tem 45 anos de idade! Tem filhos menores?

- Não!

- A senhora Anita tem algum  filho que sofra de deficiência física ou mental que lhes provoque uma redução apreciável na sua capacidade de ganho?

- Não!

O jovem técnico, como quem sabe o desfecho da entrevista, informou a Anita que têm direito à pensão de sobrevivência vitalícia a viúva incapaz de trabalhare caso tenha  50 anos de idade à data da morte do trabalhador…

- Mas o meu marido viveu mais de 20 anos comigo!  Quando nos amigamos  eu tinha 17 anos. – Anita interrompeu a entrevista muito revoltada – Assim quer dizer o quê? O ser casada não quer dizer nada… E  os cinco filhos que temos?

- Lamento senhora Anita! Mas a atribuição da pensão de sobrevivência aos descendentes só deve ter lugar até aos 18 anos de idade. - O jovem com excelente paciência e competência esclareceu.

Agora Anita estava ciente que por viver maritalmente não podia  beneficiar da pensão de sobrevivência do marido com quem viveu mais de 20 anos, por  este ser casado com a primeira mulher. E para piorar o seu filho mais novo já estava com 19 anos de idade.

Anita saiu do INSS muito agastada por saber que a outra, a casada, teria  direito a pensão de sobrevivência.  Mas Anita ainda tinha um trunfo. A família de Pedro. Como esperava assim aconteceu. Depois de uma longa reunião familiar, com pessoas maioritariamente do lado do falecido, ficou assente que a mulher casada devia recebera pensão para ser repartida pelas duas. Durante 10 anos, mensal e fielmente, a mulher casada depositou o dinheiro na conta de Anita. Anita gabava-se quando religiosamente, no dia 15 de cada mês, recebia os 125 mil kwanzas.

- Quem manda, manda! Ser casada não quer dizer nada. Nunca tive uma aliança no dedo, mas sempre tive mais privilégios do queaquela mulher casada.  

A vizinha Alberta tentava acalmar a amiga que soluçava incontrolavelmente. 

- Desconfiei quando o dinheiro chegou tarde no mês passado – Anita balbuciou. – Sabia que alguma coisa não estava bem com a outra. E agora vou buscar os 125 mil como e em quali banco?

- Tudo que tem começo tem fim, mana - a vizinha tentava consolar Anita. – Assim acabou mesmo já. Durante estes anos todos devias ter orado para que Deus acrescentasse anos de vida à tua rival, porque ela era a tua galinha dos ovos de ouro.

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