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No tempo da outra senhora, baptizada com o nome de Henrique de Carvalho, oficial do exército colonial português que conquistou a região por meio de uma expedição armada, a então sede do distrito da Lunda não registou um desenvolvimento muito notável.
A necessidade crescente de acomodar agentes ao serviço do Estado e os comerciantes que chegavam à capital do distrito, deu impulso à urbanização. Contas feitas, seguindo um projecto definido para 18 mil habitantes, a cidade de Saurimo foi, paulatinamente, ocupada com lojas, armazéns e um traçado de ruas pavimentadas. As referidas obras forçaram a transferência de dezenas de moradores da zona, tutelados pelo finado regedor Saulimbo – aportuguesado para Saurimo – para uma área situada a pouco mais de três quilómetros da cidade.
Residente há mais de 50 anos na cidade de Saurimo, João Abreu Manassa realça que quando chegou à localidade ainda testemunhou a asfaltagem das primeiras ruas. O historiador nota que até 11 de Novembro de 1975, data da conquista da Independência Nacional, Saurimo vivia "o início do auge” do seu desenvolvimento, estagnado devido ao clima de incertezas que pairou no cenário político sobre o futuro do país.
À semelhança da realidade quase generalizada em todo o território nacional, o conflito armado iniciado pouco depois que Angola se tornou independente de Portugal, continuou, com interlúdios, até Abril de 2002, e nos anos seguintes, o que viria a afectar consideravelmente todo o crescimento socioeconómico projectado para a cidade de Saurimo.
Decorridos quase 50 décadas, torna-se cada vez mais evidente o alerta das comunidades peri-urbanas para o inverter da situação. Para fazer face aos vários constrangimentos do ponto de vista urbano que prejudicam a cidade, o Governo provincial contratou uma conhecida construtora local, para edificar valas a céu aberto que permitem conduzir as águas pluviométricas até aos pontos críticos. O projecto contemplou acções de repovoamento de antigos polígonos florestais a fim de contrapor a acção dos ventos, purificar o ar e melhorar a imagem paisagística.
O resultado desta medida desponta no verde dos jardins, rotundas e espaços similares. A construção de passeios em todas as ruas, com recantos que convidam o transeunte ao descanso, acentuam o ambiente acolhedor de uma cidade que está integrada entre as mais limpas do país.
Há mais de um mês, Saurimo pulsa com uma extensa calçada que desce nas bermas da avenida do aeroporto, próximo ao local onde o Governo construiu dezenas de casas e muros nas fachadas principais.
Maria Sónia, Eurico Vieira e Carlos Sassula têm, em comum, o facto de serem citadinos de Saurimo. Além dos elogios, os três são unânimes em afirmar que a salvaguarda da privacidade dos moradores e o tonificar da estética urbana explicam o objectivo das últimas obras executadas na cidade. Em resumo, as acções do Governo nas várias frentes na sede da província, onde residem acima de 500 mil habitantes, aproximadamente 80 por cento de toda a população da Lunda-Sul, configuram o novo rosto que surpreende os visitantes.
Energia eléctrica na periferia da cidade
Com restrições ocasionais, duas centrais térmicas geram ao todo cerca de 40 megawatts de energia eléctrica, que garantem a iluminação pública na cidade e nos bairros periféricos.
Fonte ligada ao sector menciona que os investimentos prosseguem com a construção de uma central fotovoltaica. Executada em mais de 70 por cento, a mesma visa potenciar com 26 megawatts a capacidade de fornecimento de energia eléctrica.
As estratégias de desenvolvimento para a ex-vila Henrique de Carvalho contemplam, no domínio do abastecimento de água, a construção de uma nova central nas imediações do rio Luachimo e quatro subestações de distribuição, através da empreiteira chinesa Synohidro.
Quem pretenda deslocar-se à cidade de Saurimo, a partir de Setembro deste ano, muito certamente vai encontrar uma nova centralidade pronta para alojar 212 famílias em apartamentos do tipo T3, bem como um conjunto de serviços afins. Em fase de conclusão, as operações decorrem sob responsabilidade da empresa GRINER.
O frenesim de dezenas de motociclos, na sua maioria em actividade de mototáxi, agita a cidade. Neste aspecto, a desobediência praticamente generalizada continua presente na circulação protagonizada por taxistas. Aliado a isso, a instalação excessiva de semáforos para regular o trânsito parece ter caído em desuso.
Bairros indígenas
Os bairros indígenas também fazem parte da história de Saurimo. João Abreu Manassa guarda na memória a organização de bairros como Popular, Santa Isabel, Santo António e Terra Nova, na mesma ordem, conhecidos actualmente por Sassamba, Txizaínga, Sambukila e Cawazanga.
Filho de antigo funcionário da empresa Diamang, João Abreu Manassa recorda que, depois de concluir a quarta classe, deixou a sede do Nzage, município de Cambulo, província da Lunda-Norte, para prosseguir os estudos no ex-Liceu e Escola Industrial, por sinal o único da região.
O historiador descreve que o conhecido prédio dos Carneiros, no quarteirão onde despontam os edifícios Cuca e as agências bancárias do BFA e BAI, ilustram o principal cartão postal da cidade, albergando lojas, tipografia e uma livraria de um dos maiores empresários do então distrito da Lunda.
Quadros do Quéssua
Confrontada com o elevado índice de analfabetismo entre os nativos, onde a formação terminava com a conclusão da quarta classe, a administração colonial havia optado pela contratação de técnicos, parte dos quais formados pela Missão Metodista do Quéssua, província de Malanje. A medida visava corresponder à demanda do trabalho nos serviços de identificação civil e em outras áreas.
Entre os quadros nacionais que formavam uma elite, com créditos aprovados pela administração acima referida, o historiador João Manassa destacou João Culeca, antigo professor do posto em Txacassau, trazido pelas mãos do próprio progenitor, então cozinheiro do governador.
A lista de intelectuais que marcaram a época incluiu João Rangel e Raúl Fernandes. O filho deste último foi administrador de Saurimo, na Angola independente. A lista termina com os nomes de Lourenço Mutepa, José Macongo Cariata e os pais da conhecida senhora Jorgina Muandumba.
João Abreu Manassa lembra ainda que a nascente do rio Lauvur/Luia marca o passado da cidade como principal fonte de abastecimento de água, bombeada a partir de captação construída a escassos metros. A zona do ponto final reserva um espaço anteriormente ocupado por um grupo gerador que iluminava a cidade e casas habitadas por pessoas de raça branca, enquanto a maioria da população negra vivia nas periferias, apenas com acesso à água a partir de chafarizes.
A falta de documentos pessoais entre os nativos era gritante. Como alternativa muitos optavam pela falsificação do bilhete de identidade de terceiros, sobrepondo fotografias pessoais sobre o original e de seguida realizavam cópias. Com essas cópias, os portadores formalizaram processos para a carta de condução, a fim de concorrerem a um emprego na Endiama.
"A convergência de pessoas de vários segmentos, muitas das quais com comportamentos equidistantes à forma de estar dos angolanos, numa região que partilha fronteira com países vizinhos, altera hábitos e costumes sobretudo às novas gerações”, disse.
Estratégia de gestão
A restrição de acesso dos nativos de raça negra foi nota marcante na estratégia de gestão definida pelas autoridades coloniais. Para garantir o cumprimento rigoroso da medida, agentes devidamente treinados realizavam uma fiscalização apertada. A excepção permitia o acesso dos trabalhadores de raça negra contratados para determinados serviços, apenas em horas normais de expediente.
Antigo morador da cidade, Alberto Mulambeno considera que o conjunto de edifícios erguidos com o passar do tempo reflectia uma imagem pálida da cidade, onde vivia uma elite branca. Com o passar dos anos, o ancião acrescenta que a actividade comercial, aguçada pela exploração de diamantes, criou alguma explosão de crescimento, frenado por incertezas em relação ao futuro no limiar da conquista da Independência Nacional.
Alberto Mulambeno assegura que as autoridades coloniais proibiram a escavação de poços domiciliares para abastecimento de água, edificação de latrinas e uma série de acções para acautelar "qualquer tentativa de exploração de diamantes”.
"Txalihana”
Região repleta de histórias e factos inusitados, embora pouco falada, antigos moradores confirmam que no período colonial despontou em Saurimo o "Txalihana”, que traduzido da língua tchokwe para o português significa "vão pela comida ou fazem pela comida”.
Resumidamente, tratava-se da luta pela sobrevivência que levava muitos jovens a optar por lavar a farda de soldados e fazer outras actividades em troca de comida, numa unidade militar ao serviço do regime colonial.
Por limitação de número, em diversas ocasiões, os jovens impedidos de entrar no interior da unidade aguardavam pacientes na parte exterior da vedação para partilhar o ganho dos "funcionários”.
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