Reportagem

Fracturas em crianças por quedas sobem em tempo de férias escolares

Engrácia Francisco

Jornalista

Diariamente, os hospitais recebem casos de menores com lesões e os especialistas exortam as famílias a reforçarem as medidas de protecção aos pequenos, para evitar que se magoem e tenham necessidade de grandes intervenções para tratar as sequelas das rupturas ósseas

29/07/2023  Última atualização 08H40
Alerta vem dos serviços ortopédicos © Fotografia por: João Gomes| Edições Novembro
Jorge Capemba é um menino de dez anos e fez agora a 3ª classe. Neste período de férias escolares, as brincadeiras com os amigos do Bairro Mundial ocupam grande parte do seu tempo.

Porém, às vezes, ele e outros rapazes exageram no tipo de brincadeiras que escolhem para preencher o tempo. Por exemplo, há dias, o menino subiu no muro do quintal do vizinho, para quebrar uma garrafa que estava ali fixada.

Apesar da chamada de atenção dos mais crescidos, Jorge insistiu na brincadeira. Por isso, os vizinhos enxotaram-no e, ao descer às pressas, fez muita pressão ao muro.

A parede de três metros de altura cedeu e desabou, caindo sobre o menor. Em consequência disso, Jorge ficou com o fémur do membro inferior direito partido.

Por esta razão, o menor está a passar parte das férias escolares numa cama de hospital. O olhar de Jorge é pensativo. Agora, acredita que se tivesse obedecido a mãe e ido à lavra, talvez, a esta hora estaria numa nova brincadeira com os amigos.

Desde esse dia, a rotina de Rosalina Manuel, a mãe de Jorge, mudou completamente. Primeiro, a mulher passou a viver momentos difíceis, ao ver o terceiro filho a contorcer-se de dor, debaixo dos escombros.

Apesar desse episódio, a mulher agradece por o pior não ter acontecido e pela pronta intervenção dos vizinhos, que ajudaram-na a levar a criança para o Hospital Geral de Luanda (HGL), onde Jorge foi engessado.

Mas, a tala de gesso não fez bem a Jorge. Segundo a mãe, depois desse procedimento nasceram feridas na perna, o que obrigou que o menor voltasse a ser internado."É uma situação muito difícil para mim, pois tenho outros filhos menores em casa precisam do meu auxílio, enquanto estou aqui a cuidar deste no hospital”, desabafou inconsolável a senhora Rosalina.

Pequeno "Homem Aranha”

Na área de internamento de Ortopedia Infantil do Hospital Geral de Luanda, também encontramos Manuel João, de oito anos, acompanhado da mãe. O menino tem uma ferida avulsa grave na região da pata.

O menor foi apelidado pelos colegas de quarto por "Homem Aranha”. A razão é simples: o ferimento de Manuel foi resultado de uma tentativa de subida a um muro de uma casa abandonada, no bairro do KM-30, município de Viana.

Cenários mais ou menos parecidos, a equipa de reportagem do Jornal de Angola vivenciou, igualmente, no Hospital Américo Boavida, onde muitas crianças foram ali parar por causa de fracturas nos membros provocadas por quedas.

Essas crianças que apresentam problemas resultantes de quedas estão acometidas, maioritariamente, com supracondiliana do úmero e fracturas no cotovelo.

  Quatro cirurgias diárias no Américo Boavida

No Hospital Américo Boavida, segundo o director do Serviço de Ortopedia, Jeremias Ernesto, são realizadas, em média, três a quatro cirurgias por dia em crianças vítimas de quedas.

"Este é um hospital com enfermaria de crianças e, nesta época de férias, é comum recebermos crianças com fracturas em consequência de quedas”, disse, acrescentando que, na última quarta-feira, sete crianças com fracturas no cotovelo receberam alta depois de terem sido operadas.

Nesta unidade de referência, realçou o médico, as crianças com idades entre dois aos sete anos são as que mais aderem à unidade com fracturas.

  Fémur domina no Hospital Geral de Luanda

Já no Hospital Geral de Luanda, o Banco de Urgência de Ortopedia recebe, diariamente, um número considerável de pacientes vítimas de traumatismos, sendo que as consequências de quedas lideram a lista de atendidos. "Temos um registo acima de 50 pacientes por dia”, revelou o ortopedista Magalhães Sobrinho.

Em função da procura, o hospital realiza de três a cinco cirurgias por dia. "Nesta época de pausa pedagógica, os casos aumentam sempre. Em casa eles estão livres e a tendência é brincarem um pouco mais e surgirem essas situações desagradáveis”.

O ortopedista afirmou que, na sua maioria, as crianças com esses problemas de fracturas são as dos cinco aos dez anos.

Boa parte delas apresenta fracturas articulares, do cotovelo, punho e cabeça do rádio úmero, sendo que o tratamento é cirúrgico, por causa do desvio do alinhamento ósseo.

Menos operações no Josina Machel

O director do Serviço de Ortotraumatologia do Hospital Josina Machel, Martinho da Costa, considerou que não é frequente a realização de cirurgias em crianças.

"Às vezes, ficamos semanas sem operar e, agora, realizamos três a quatro operações”, avançou o médico, para destacar que a área conta com 17 camas para doentes internados.

Martinho da Costa ressaltou que 50 por cento dos pacientes atendidos no Banco de Urgência de Ortopedia do Hospital Josina Machel estão na faixa etária dos dois aos 16 anos.

O ortotraumatologista disse que na unidade hospitalar as fracturas mais frequentes nas crianças são as do cotovelo e fémur. "É comum a criança cair e fracturar o cotovelo. Porém, quebrar o fêmur acaba por ser mais grave, porque o paciente pode perder muito sangue”, alertou o médico.

  Formas de tratamento

Quanto ao tratamento, disse Magalhães Sobrinho, existem os procedimentos conservadores e cirúrgicos. Em geral, a fractura da clavícula, cabeça, fêmur e do úmero são pelo primeiro tipo de terapêutica (o conservador).

As fracturas do fémur até aos oito anos são tratadas com redução e imobilização com gesso. Depois da tala gessada, o paciente é orientado a fazer fisioterapia.

"As crianças, por estarem ainda em fase de crescimento, recuperam rapidamente das lesões. A estrutura óssea facilita, por ter a facilidade de se consolidar rápido”, explicou o médico ortotraumatologista.

Já o ortopedista Jeremias Ernesto considerou que o traumatismo é uma patologia que está dentro das grandes cirurgias. Porém, o método de tratamento é que facilita que a cirurgia seja rápida.

No caso de uma cirurgia, referiu, é feita de forma fechada, com auxílio do intensificador de imagem que nos possibilita reduzir a fractura.

Jeremias Ernesto desaconselhou a realização de massagem na zona afectada pela fractura, porque provoca vasodilatação. "A tendência é de aumentar a inflamação e, se não for controlada, essa prática pode infectar”, alertou.

Em caso de alguma lesão por queda, recomendou o médico, a primeira coisa a ser feita é colocar gelo na zona afectada, como mecanismo de primeiro socorro.

Nenhum registo de morte por queda

Os especialistas dos hospitais Américo Boavida, Geral de Luanda e Josina Machel afirmaram que raramente são registados casos de mortes por traumatismos resultantes de quedas nas crianças.

"Além do trauma, é raro o paciente ter outro problema de saúde”, esclareceram, para adiantar que são, igualmente, irregular que nesse tipo de lesões, os médicos partirem para a amputação do membro da criança.

Porém, existem as fracturas mais graves ou complexas. Nessas situações, às vezes, mesmo que se reduza o problema há a possibilidade de o caso não ser completo.

Os especialistas explicaram que as mais complexas tornam-se difíceis, caso se tenha um fragmento solto que consolida viciosamente e a partir daí impede o movimento articular.

O médico Jeremias Ernesto sublinhou que uma das complicações mais frequentes no tratamento do traumatismo infantil é a consolidação viciosa que, no futuro, o paciente pode ter alguma limitação nos movimentos do cotovelo.

  Negligência deve ser combatida

O director do Serviço de Ortopedia do Hospital Américo Boavida disse que, geralmente, os casos que se complicam são aqueles de negligência familiar, em que as fracturas são descobertas muito tarde.

"A criança cai, chora de dor e, às vezes, notam a inflamação a nível do cotovelo, mas os familiares não a levam para o hospital e optam em fazer tratamentos inadequados, o que é perigo devido a complicações” originadas disso”, disse.

O médico acrescentou que esse facto pode afectar o edema, aumentar a inflamação ou infectar e depois a criança ser obrigada a passar por uma drenagem.

Jeremias Ernesto aconselhou que, quando a criança chora desesperadamente depois de uma queda, deve-se imediatamente procurar um médico.

O médico Magalhães Sobrinho disse, ainda, que se a placa de crescimento for lesada durante uma fractura, o osso da criança pára de crescer. A isso chama-se epifisiólise, um deslizamento da articulação em que o osso perde a sua configuração normal e impossibilita os movimentos activos e passivos da articulação ou membro.

 
Director clínico do Hospital Geral de Luanda, Magalhães Sobrinho

Recomendações às famílias

Jeremias Ernesto disse que só o facto da criança estar a brincar, o risco de queda está sempre à espreita. Neste sentido, o médico ressaltou que o ideal é colocar as crianças em ambientes onde não se penduram e escorreguem.

Em caso de um menor em tratamento, o director clínico do HGL aconselhou a redobrar o controlo da criança. Martinho da Costa explicou que, se o menor foi imobilizado, a primeira medida é não molhar o gesso ou a tala de gesso.

Por incumprimento disso, o HGL recebe de três a quatro pacientes em cada dez crianças assistidas com gesso.

Martinho da Costa chamou a atenção que "não se pode destruir a tala em casa. É perigoso. Também não se pode fazer esforço com o membro imobilizado, pelo menos nas primeiras três semanas”, rematou.

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