Reportagem

Garimpo de madeira devasta cintura florestal em Cabinda

Bernardo Capita

Por conta da exploração ilegal de madeira, vulgo garimpo, Cabinda enfrenta a devastação de enormes extensões de áreas até então arborizadas. A exploração ilegal de madeira, junta-se às frequentes queimadas que têm contribuído grandemente para o desequilíbrio do seu ecossistema florestal.

10/07/2023  Última atualização 12H13
© Fotografia por: José Soares | Edições Novembro | Cabinda

O Jornal de Angola apurou que é cada vez mais comum encontrar áreas desarborizadas no interior da extensa cintura florestal da província. Além disso, são recorrentes as denúncias feitas pelos produtores florestais com licenças certificadas pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal (IDF).

Em declarações a este jornal, na condição de anonimato, o gestor de uma empresa madeireira sediada na província considera ser bastante alarmante o nível de devastação das zonas florestais. Aponta que o fenómeno é mais evidente a partir da zona Sudeste, atravessa o Leste da cidade de Cabinda e culmina na região Norte, mais concretamente no Alto Maiombe.

"Existem evidências de clareiras no interior da floresta como resultado de queimadas que muitos cidadãos fazem para a prática de agricultura, bem o abate desenfreado de árvores destinada à produção de madeira que posteriormente é vendida no circuito informal”, denuncia a fonte acima citada.

Em defesa dos madeireiros, o sócio gerente do grupo António Pereira Neves (APN), João Neves, desmente informações segundo as quais a devastação da floresta resulta da irresponsabilidade gananciosa das empresas do ramo. O empresário explica que antes de se efectuar o corte de uma árvore é necessário antes avaliar o seu diâmetro, qualidade e especificidade, procedimento este que nunca é tido em conta pelos garimpeiros e muito menos pela maioria das pessoas que exercem agricultura familiar.

"Quando entramos numa zona de exploração, em cada mil árvores que nos deparamos, depois de fazermos a devida avaliação para se aferir a sua qualidade, especificidade e diâmetro, apenas 20 por cento das árvores são seleccionadas. Deste universo, as vezes, apenas cortamos entre 10 e 20 árvores”, disse João Neves, acrescentando que o problema da devastação da cintura florestal de Cabinda prende-se mais com as novas técnicas de plantação de culturas de mandioca, banana, cacau e café.

O pensamento de Jaime Gouveia não difere. Em efectivo serviço numa empresa madeireira, de forma firme afirma que a devastação da floresta não tem como ser imputada como acção dirigida pelas empresas de exploração madeireira. Aponta o dedo a acção das famílias camponesas que se acham na necessidade de encontrar um meio de subsistência. Se por um lado, lamenta que alguns camponeses entram mata adentro para fazer queimadas e abate de árvores que ainda não atingiram o seu tempo normal de crescimento, por outro, Jaime Gouveia entende que é preciso "travar” com urgência o garimpo de madeira se, de facto, se quer proteger a cintura florestal da província.

 
Negócio bastante atractivo

Em Cabinda, a venda de madeira extraída por garimpeiros em áreas não controladas pelo IDF tornou-se um negócio bastante atractivo por conta do enriquecimento fácil que proporciona aos envolvidos.

Dados a que o Jornal de Angola teve acesso apontam que o comércio ilegal de madeira é desenvolvimento maioritariamente por estrangeiros ilegais, que assumem o protagonismo nas áreas de corte e nos mercados onde o produto tem sido comercializado. Nesta senda, chegam diariamente aos mercados dos bairros comandante Gika, pracinha do Povo Grande e de Cabassango, enormes quantidades de madeira de proveniência ilegal. Por outras palavras, extraídas algures da vasta floresta de Cabinda por garimpeiros que escapam ao controlo do IDF. Nestes locais, é possível se deparar com todo o tipo de madeira, desde tábuas, barrotes e pranchas vendidas a um custo muito baixo comparativamente aqueles que são praticados por empresas madeireiras devidamente legalizadas.

Só para se ter uma ideia, uma tábua de undianuni preta, de seis metros de comprimento e 40 centímetros de largura, considerada uma espécie rara e de um valor comercial acima da média, é comercializada no mercado informal entre sete e oito mil kwanzas, quando nas serrações a mesma tem o custo aproximado de 15 mil kwanzas. Um barrote da mesma espécie de madeira, de seis metros de comprimento e sete centímetros de largura é vendido no mercado informal por três mil kwanzas, enquanto nas serrações o preço está fixado em sete mil kwanzas.


IDF desconhece meandros do negócio

Na qualidade de órgão fiscalizador da actividade florestal, o IDF está seriamente preocupado com a exploração ilegal de madeira que acontece um pouco por toda a cintura florestal de Cabinda.

O técnico florestal do IDF na província, Noel Luzolo, reconhece haver muita madeira de proveniência ilegal nos mercados locais. Porém, desconhece os meandros do negócio nem tão pouco os caminhos que os garimpeiros utilizam para fazer chegar a madeira aos principais locais de venda.

Ao Jornal de Angola, Noel Luzolo refere que, mesmo com a exiguidade de fiscais – num total de quatro – o IDF sempre trabalhou a medida do possível, colocando-os junto dos postos de controlo de polícia onde têm sido apreendidas quantidades consideráveis de madeira ilegal.

"Temos feito o possível para impedir a exploração ilegal de madeira” disse Noel Luzolo, para quem o sucesso das apreensões tem sido também devido à pronta colaboração das autoridades tradicionais, Polícia Nacional e outros órgãos de defesa e segurança.

Para Noel Luzolo, outra questão que deixa o IDF inquieto tem que ver com a produção de carvão vegetal, uma actividade que tem igualmente contribuído na devastação da floresta e degradação do ambiente. Neste quesito, denuncia que os indivíduos envolvidos nesta prática cortam todo o tipo de árvores e arbustos que encontram na mata.

"O licenciamento de carvão está suspenso em todo o país e a sua produção só é permitida a partir dos desperdícios da madeira”, alerta.

Não obstante ela ser perene e de fácil regeneração, para se inverter devastação na cintura florestal da província de Cabinda, Noel Luzolo sugere medidas urgentes que passam necessariamente no repovoamento enquanto se aguarda pela regulamentação da lei de concessão florestal.

"A exploração de madeira em formato de concessões florestais é mais sustentável, visto que remete o processo de repovoamento florestal à responsabilidade do próprio madeireiro, contrariamente ao previsto no contrato de licença anual onde o Estado assume esta tarefa”, disse Noel Luzolo.


Constrangimento para os madeireiros

Proprietário do grupo empresarial Abílio de Amorim & Filhos, a maior criadora local de produtos com recursos florestais da província, Herculano de Amorim é de opinião que o garimpo de madeira constitui dos maiores constrangimentos que as empresas madeireiras legalmente constituídas se deparam actualmente, tendo em conta que esta prática propicia uma concorrência desleal, atraí os cidadãos para os mercados informais devido aos baixos preços que são aí praticados, impossibilitando a venda normal às empresas.

Herculano de Amorim caracteriza o garimpo de madeira como um mal que deve ser energicamente combatido, por criar constrangimentos na balança de venda de empresas e enormes danos à floresta, pois, não havendo condições de fiscalização por parte do IDF, como se não bastasse os garimpeiros derrubam todo tipo de árvores para produzirem a madeira.

"A devastação da floresta e as queimadas só acontece por escassez de meios e fraca fiscalização. O Instituto de Desenvolvimento Florestal não tem condições para fiscalizar”, disse Herculano de Amorim, realçando que se a instituição tivesse meios para fiscalizar nunca iria acontecer o cenário que se assiste na floresta.

Mais do que manifestar ser bastante constrangedor para as empresas que pagam impostos ao Estado, observar quantidades consideráveis de madeira de proveniência ilegal no mercado informal, Herculano de Amorim reitera a necessidade de se atribuir aos fiscais do IDF meios de trabalho para melhor fiscalizarem, uma vez que só assim poder-se-á exigir deles bons resultados.

"A falta de fiscais em números suficiente, leva a que os camponeses e os garimpeiros invadam áreas de exploração concedidas às empresas madeireiras para o exercício das suas actividades”, lamenta.

 

Corte responsável e selectivo

O madeireiro que se preze, não derruba as árvores de forma anárquica nem tão pouco queima a floresta, razão pelos qual Herculano de Amorim dá como exemplo zonas florestais exploradas há três, quatro, cinco e oitos anos que, entretanto, continuam todas elas fechadas, numa clara demonstração que o corte de madeira foi feito de forma responsável e selectivo. O problema da devastação da floresta, segundo menciona, não é das empresas que exploram madeira e da acção das pessoas que têm necessidade em obter terrenos ou terras férteis de forma itinerante para o cultivo.

Herculano de Amorim lembra que em Cabinda a madeira é cortada desde 1940 e sublinha que este recurso florestal não se esgotou, embora seja cada vez mais crescente os receios face à devastação das florestas.

"Como consequência da devastação, o continente africano, onde se inclui a província de Cabinda, perde anualmente cerca de dois milhões de hectares de floresta”, disse Herculano de Amorim, tendo apontado as localidades de Subantando e Mazengo, Leste da cidade de Cabinda, e a longa extensão da estrada Cabinda-Miconje (Alto Maiombe) entre as áreas mais propensas ao garimpo e às queimadas.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Reportagem