Entrevista

“Humanização é a causa que nos faz profissionais da Saúde”

Guimarães Silva

O campo da Medicina é de capital importância para a sobrevivência da espécie humana. Jovens no Serviço de Saúde a ombrear para salvar vidas é um aditivo. Jorge Domingos Caetano, formado em Imagiologia, contribui no quotidiano com o seu saber para termos sempre mais um dia sob os cuidados de um profissional quando a necessidade se impõe para o apoio médico em raios X, TAC, ecografia, ressonância magnética e medicina nuclear. Nas nossas páginas o profissional discorre sobre o seu processo formativo, a cadeia hospitalar e o contacto entre estes entes, o médico e o paciente

23/06/2024  Última atualização 08H52
Jorge Caetano, médico imagiologista © Fotografia por: DR

O que o levou a inclinar-se para esta nobre ciência, a Medicina?

O que me levou à inclinação para a área da Saúde foi o questionamento familiar. Olhei para a minha família e vi que não era muito inclinada para esta área. Era mais focada para outras áreas do saber. Achei importante fazer parte do ciclo da Saúde, uma vez que também me questionava sobre o funcionamento do corpo humano. Eu queria saber mais sobre isto. Procurei uma das áreas da Saúde, a imagiologia, da qual hoje faço parte.É a minha formação e já tenho um conhecimento amplo daquilo que eram os meus questionamentos, em função das dúvidas que tive.

 
Como foi o seu processo de ingresso? Encontrou obstáculos para a frequência da medicina?

Encontrei sim obstáculos, sobretudo o pensamento lógico e na escolha do curso que poderia frequentar e a pressão no momento dos exames. Em 2010 fiz a formação do ensino médio e em 2014 ingressei na Universidade Jean Piaget, onde fiz Medicina Geral e acabei por fazer parte da Imagiologia, área em que hoje funciono. Mas não pus de parte a Medicina. A minha vontade e o bom senso de trabalho inclinaram-me mais para o lado da Imagem, Daradiologia.

 
Como via o mundo da Medicina como estudante?

Eu via todos os dias algo novo.Isto levou-me ao ciclo profissional. Depois de tornar o ciclo profissional activo, comecei a ver as coisas diferenciadas como estudante. Aqui nós vamos à busca de matéria, do conhecimento, os pontos no qual temos questionamentos. Nas aulas práticas estamos aliados com o que fazemos diariamente como profissionais. Hoje vejo que valeu a pena a determinação e sinto-me realizado após a satisfação das dúvidas. Hoje como profissional vejo que a Saúde vale a pena. Hoje consigo saber o real sentido da vida.

 
A formação faz parte de um manancial de descobertas. Encontrou momentos difíceis durante o processo formativo?

Sim, encontrei. Há momentos em que o estudante não come porque passa todo o dia na Universidade. Entra às 07 e sai da aula às 19 horas. Chega a casa à meia-noite, com as dificuldades de transporte de permeio. Encontrei muitos obstáculos. Noites mal dormidas. A falta de alimentação acarreta doenças estomacais. Todo o estudante que vem do ciclo apertado de estudos sabe disso. Não come em condições, não tem as três refeições por dia.

O lado seguro da Medicina é reter todas as ferramentas necessárias para o estudo. Mesmo assim, é necessária determinação. Os livros de Saúde não são baratos. Há dificuldades para conseguir um ou outro livro, mas apostamos no esforço em consegui-los, porque temos objectivos, a formação. Não é fácil ter todo o material, mas temos que nos esforçar para ter conhecimento.

 
O estudo em grupo continua alternativo?

O que facilitou muito a aquisição de materiais completos foram os estudos em grupo. Ali há quem tem material. Aconselho a todo o estudante a recorrer a este exercício, o estudo em grupo, para a facilitação do processo de aprendizagem. O professor estabelece apenas o tema. Nós temos que ter capacidade de pesquisar, senão fica-se pelo caminho.

 
Os jovens viram-se para a Saúde por diferentes motivações. O lado familiar para materializar sonhos dos progenitores; o lado humanitário e o acaso. Faça um comentário sobre as diferentes tendências…

É engraçado falar disto. Em Angola a juventude meteu na mente que para encontrar trabalho com facilidade, deve fazer Saúde. Olho, hoje com inquietação para a proliferação de colégios e institutos muito virados só para a Saúde. Eu converso com outras pessoas e chegamos à conclusão que amanhã vamos ter dificuldades em acomodar estes formandos. Conheço uma família de sete descendentes em que todos fizeram Saúde. Se pudessem diversificar para a Engenharia, para a Comunicação, seria bem melhor. As próprias famílias deveriam criar incentivo para diversificar os estudos.Olho para o presente e vejo que a cada ano que passa muita gente sai para o campo da Saúde. Isto não é bom.

 
Como vê o ensino da Medicina no país? Temos profissionais de excelência para transmitir aos estudantes o básico ou há quebras que temos de colmatar?

Para o ensino da Saúde no nosso país ainda faltam-nos profissionais. Temos docentes profissionais capacitados para formar estudantes. Ainda assim, eu sinto que é um número insuficiente para a empreitada. Lembro-me que quando terminei o ensino médio, tive dificuldades no campo da docência, porque não tivemos professores para certas cadeiras.

Depois de transitarmos para um outro nível, apareceram os professores, mas já os recebemos com atraso. Isto mesmo acontece no superior. Eu frequentei uma Universidade,que é a Jean Piaget, onde tivemos trocas de experiência com estudantes de outras universidades. Vi que tínhamos as mesmas dificuldades de falta de professores para a elaboração de matérias. Alguns professores foram adaptados em matérias para os estudantes não ficarem parados. O que não é certo. A formação em Saúde deve merecer atenção, porque nós não somos mecânicos que reparam uma viatura e larga-a por uma semana para reflectir nas falhas. Na Saúde, se falhar agora, falhou com tudo e acaba por matar uma pessoa.

O profissional de Saúde é como o militar, sai da formação com capacidade de resposta para qualquer tipo de situação. Não é sair da recruta e não conseguir pegar uma pistola, uma arma. Nós no ramo da Saúde devemos ser bem formados.

 
O processo inclui formação, prática, labor, aquisição de experiência e depois especialização. Quem deve partir para a especialização?

Nós hoje já temos formações especializadas. A título de exemplo, com a Medicina Geral tens a capacidade de fazer a especialização em ortopedia, em Imagiologia, isto é a facilidade de transição para as especializações. Os técnicos de Enfermagem têm uma especialização que é a Instrumentação, cuidam da área antes das operações. Já existe aqui no país, já não carece de emigração. A especialização é de forma a capacitar e descentralizar os serviços de Saúde.


Na condição de médico tem outra percepção sobre a saúde. Fale um pouco das determinantes de Saúde?

Hoje nós já temos uma Medicina mais extensiva. Diferente dos séculos anteriores. Hoje falamos de uma Medicina Convencional e Contemporânea mais activa. O nosso país não foge desta linhagem. Hoje temos estudantes de Medicina que fazem pesquisa a nível internacional.

 
Formado e em pleno labor, o que nos pode dizer sobre a prevenção e cuidados básicos de saúde?

Em primeira instância, o ciclo de prevenção de certas doenças é um imperativo. O combate ao lixo e ao acumulado de águas que provocam mosquitos deve ser imediato, prioritário e uma tarefa quotidiana.O saneamento básico nos arredores tem que ser de carácter obrigatório, supervisionado, inclusive coercivo, para evitarmos várias patologias. Os cuidados primários de saúde não estão na prevenção medicamentosa, mas na prevenção da higiene diária local.

 
Fale um pouco da importância da cadeia que inclui postos de saúde, centros e hospitais de diferentes tipologias?

Nós temos os hospitais gerais com capacidade minuciosa de resposta a todo e qualquer tipo de patologia, diferente de um hospital municipal. A capacidade de um posto de saúde não é o mesmo da de um hospital municipal. Nas zonas mais recônditas não encontramos um hospital geral, mas sim um posto de saúde para atender em função do número populacional.

Onde houver uma patologia que o posto de saúde não tem capacidade de resposta, este tem que transferir para um hospital municipal ou geral, onde já encontramos uma maternidade, que não faz parte do lote do posto de saúde.

Os hospitais gerais têm a abrangência no que tange às especialidades. Um posto de saúde pode não ter um técnico de Ortopedia; tem um enfermeiro que vai fazer o papel de paramédico, que vai dar resposta em primeiros socorros, mas esse paciente deve ser transferido para uma área específica onde vamos encontrar o ortopedista, o médico de Imagiologia, nos hospitais gerais.

 

Temos hospitais até ao nível terciário. O que nos falta para resolvermos problemas de saúde pública como as irritante se endémicas malária, diarreicas e respiratórias agudas?

A saúde não começa no hospital. Ela começa em casa, no círculo familiar, com a nossa prevenção. A nível de saúde pública falta-nos o engajamento, uma incorporação na saúde, para fazer publicidade a nível dos municípios, comunas e zonas recônditas, de como prevenir as doenças. Aí estaríamos a defender a saúde pública. Porque se esperarmos que alguém fique com paludismo, tifóide, problemas respiratórios, para depois o aconselharmos, já nem vamos chegar a aconselhá-lo, mas sim a enterrá-lo.

Porque se tivéssemos a capacidade de transmitirmos aos utentes, aos pacientes, à sociedade, às comunidades, de que devemos prevenir as doenças, isto sim, estaríamos a defender a saúde pública. Não basta defendermo-nos das doenças no hospital. Devemos nos defender das doenças antes de chegarmos ao hospital. Quem chega ao hospital já está doente.

 
O médico é um profissional em quem o enfermo confia. Hoje chocamos com situações de ausência de empatia daquele para com este. Médico jovem, fale um pouco da humanização dos Serviços de Saúde? 

Nós defendemos a humanização. Com isto juramos a bandeira e este comprometimento profissional fala da humanização. A protecção humana da vida respal da muito sobre isto. Todo e qualquer profissional de Saúde deve ter o lado humanista, deve defender a humanidade.

Ao invés de proporcionar um desgaste da humanização, deve agregar elementos fundamentais do lado profissional e como responsável da saúde para defender a humanização, a espécie humana, porque é a causa que o faz ficar ali como profissional.

 
Trocas de experiência online e presenciais, ainda valem?

As trocas de experiência existem no ciclo profissional. Se tiver dificuldades em fazer a leitura de uma determinada situação, não fico na inquietação, vou a procura dos meus colegas; fazemos um ciclo profissional para dar resposta à inquietação. É preciso trocar ideias. As trocas de experiências são a nível interno e externo. Tenho feito com colegas em Portugal, em Cuba, no Brasil. Falamos de vários temas, quando tenho dificuldades de entender uma ou outra variante, consulto. A Medicina não é nacional, é internacional. As trocas de experiências ajudam muito o profissional, porque aumentam o conhecimento.

 
Concursos públicos de admissão para a Saúde. Já passou por isto e sabe como funciona. Qual o seu ponto de vista?

Deve haver paciência, porque o nosso país regista muitos técnicos de Saúde. Nós nem temos ideia de quanto somos no sector da Saúde. Cada ano que passa, quer no ciclo do ensino médio, quer no superior o número de técnicos que saem das universidades e institutos é muito elevado. Nem todo o mundo tem acesso à função pública. Para entrar para o concurso público há números limitados. Quando estes já estão preenchidos, espera-se pelo próximo concurso. Haja paciência para quem ainda não está inserido no sistema.

 
Tem um espaço aberto para questões que tenham passado ao largo da entrevista e que considera de interesse público…

Um conselho para todos os profissionais de Saúde, que estejam no exercício das suas funções, é que levem a peito o que fazem. Não menosprezem as pessoas ao tratá-las, atendê-las.  Sabemos que quando temos que tratar alguém, devemos fazê-lo com paciência, entrega, dedicação, carisma; elementos que marcam as pessoas que chegaram doentes, mas acreditam que vão regressar bem. Muitas vezes o que mata o doente não é o medicamento, mas o tratamento que o profissional vai dar. Quando o doente sente que está a ser bem atendido, sente-se melhor antes de tomar a medicação. 

Perfil

Nome completo

Jorge Domingos Caetano

Filiação

Francisco Caetano e de Maria Pedro Domingos

Naturalidade

Província do Bengo

Município

Dembos-Quibaxe

Comuna

Piri

Data de Nascimento

20 de Fevereiro 1992

Profissão

Especialista em Imagiologia, licenciado em Radiologia

Local de trabalho

Hospital do Zango 8000

Residência

Cacuaco

Línguas

Português, Kimbundu, Inglês e Espanhol

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