Sociedade

Jandira Neves: “Sou a minha própria inspiração”

Kátia Ramos

Jornalista

Aos 16 anos Jandira Neves perdeu a sua perna esquerda em consequência de um acidente de viação, e, no processo de cura, engravidou, o que fez dela uma mulher resiliente e com força de vontade para enfrentar os desafios da vida. Hoje ela é uma modelo bem sucedida e uma influenciadora digital que, diariamente, tem dado esperança a muita gente

12/05/2024  Última atualização 09H47
© Fotografia por: Luís Damião | Edições Novembro

Actualmente solteira e a residir no município de Viana, Jandira Neves, sorridente e cheia de vida, contou ao Jornal de Angola que ama cuidar do filho, ler, desfilar pelas passarelas e posar para fotos. Tem ainda na sua "carteira” de hobbies grande habilidade na cozinha, nas especialidades de funje de moamba e doces diversos.

Para cuidar do seu filho de quatro anos de idade, que responde pelo nome de Alexandre, a modelo conta com o apoio incondicional dos seus pais, Maria Inês Gaspar Neves e António Domingos Joaquim. Jandira é a segunda filha, de quatro irmãos.

A jovem reconhece que teve uma boa infância, recheada de amor e carinho, mas não escapou à estigmatização por conta da cor da sua pele e pelas limitações visuais. A isso juntou-se mais tarde o bullying pela sua deficiência física. Todas essas situações não a afastaram de um crescimento social estável. Muito pelo contrário, deram-lhe forças para crescer e passar o seu testemunho aos demais jovens que pensam ver o fim do mundo ante pequenas debilidades.

Além de ser uma jovem bastante tímida, Jandira Neves descreve a sua infância e adolescência como   limitada em determinadas actividades e brincadeiras pelo facto de ser uma pessoa com albinismo. "Eu brincava mais dentro de casa ou no quintal. E se brincasse fora tinha de ser quando não tivesse sol. Sempre tive muita limitação para fazer determinadas tarefas, como jogar a garrafinha, por conta da poeira, sol e tudo isso. Hoje agradeço aos meus pais, pois a minha pele não carece de grandes cuidados e não vive com a agressividade que a pigmentação do albinismo acarreta”.

Segundo ela, aprendeu desde cedo a cuidar da sua pele com o uso de cremes protectores que não danificam a sua pele. Isso chamou a atenção do fotógrafo profissionalMiguel Diogo, um fotógrafo profissional. Os dois tornaram-se amigos e durante muito tempo o jovem fotógrafo tentou convencê-la a fazer sessões fotográficas.

Ela finalmente aceitou, e, após a primeira sessão, Miguel Diogo publicou o ensaio nas suas redes sociais. A postagem viralizou em menos de 24horas e o fotógrafo começou a receber propostas de trabalho para a modelo.

Desde então as fotos de Jandira Neves começaram a vender. Era na casa do profissional das câmaras que os ensaios e as sessões eram feitos. A actividade passou posteriormente para as passarelas de Luanda, e não só, e tornou-se na sua ocupação principal. A modelo então descobriu, nesta senda, que era exactamente aquilo que desejava fazer na vida.

Segundo Jandira, as poses diante da câmara transformaram-se no trabalho de que gostava e pelo qual era paga, permitindo-lhe ajudar a sustentar a sua família. Acresceu que tem recebido muitos convites para posar em ensaios de publicidade.

Apesar do mundo da moda não ser tão rentável assim, a modelo assume que ganha o suficiente para se manter. E pelo facto de não ser uma modelo agenciada, as dificuldades são superiores. "Já recebi várias propostas de trabalho em agências, mas não gostei. Tenho uma base de educação que não me permite aceitar determinadas coisas. Decidi caminhar sozinha e gerir a minha carreira com a ajuda de algumas pessoas boas e amigas. Sou paga por cada trabalho realizado. Se tiver que ser agenciada, quero ganhar pelo que merecer e não dividir com os agentes”.

 

O acidente que mudou a sua vida

Aos 16 anos de idade, Jandira Neves sofreu um acidente de viação, quando se deslocava para o Zango 1 com a finalidade de comemorar o aniversário da sua madrinha. A modelo lembra-se de estar sentada no passeio com os seus familiares, quando de repente surge uma viatura do nada e "rompeu” o pessoal. Minutos depois a modelo viu-se encharcada de sangue. Os seus familiares a levaram então ao hospital, onde recebeu os primeiros socorros.

Após mais de cinco cirurgias a jovem recebeu a notícia, dada pelo médico, de que não havia outra saída a não ser amputar o seu pé esquerdo. Na primeira cirurgia, feita de urgência, já se havia constatado que não havia solução além da amputação, mesmo assim  foram feitas outras cirurgias para a ajudar da melhor forma, mas não deram certo. O pé já estava afectado por várias infecções que não possibilitavam a união dos ossos.O pé só piorava e mudava de coloração. Durante o internamento   Jandira manifestou-se alérgica à medicação, o que tornava tudo muito mais complicado.Os seus familiares rejeitaram que lhe amputassem o membro, pelo que o médico dirigiu-se então à paciente. Informou-a do seu estado crítico e disse-lhe que, infelizmente, a amputação era a melhor e única saída para o seu bem-estar. Jandira, por sua vez, autorizou o procedimento,mesmo sendo menor.

O engraçado é que no meio de tudo isso ela viu-se perdida por ser albina e ainda por ter que ser amputada. Tempos depois consciencializou-se e entendeu que para viver era a melhor opção. Mas logo após a cirurgia as coisas infelizmente pioraram. Foi submetida a uma outra cirurgia, com um novo médico, desta feita angolano, que responde pelo nome de Dr. Martinho. O anterior, que a operara antes, era de nacionalidade chinesa.

O Dr. Martinho, após a cirurgia, usou um novo método para puxar os líquidos que a perna havia acumulado, denominado "Vapor”. Isso contribuiu para a sua melhora total. Após várias sessões de fisioterapia, Deus finalmente ajudou e a resposta dos fisioterapeutas foi positiva em relação ao uso de prótese. Hoje Jandira encara a prótese como mais um acessório de estilo. Segundo ela, a prótese hoje tem o seu charme, e, como modelo, tem sido bastante elogiada dada a sua postura e a leveza ao caminhar com a mesma.

Com vários trabalhos a realizar durante o mês, Jandira disse que às vezes perde a conta dos mesmos, dadas as correrias, mas que ama quando é seleccionada para fazer sessões fotográficas. Além de modelo também trabalha como influenciadora digital. Por conta da sua história de vida a jovem tem muitos seguidores nas suas redes sociais.

A modelo usa os seus canais de media social para publicitar maquilhagens apropriadas para pessoas com albinismo e penteados que ela mesma faz. Usa os seus vídeos e fotografias de trabalho em palestras e desfiles para motivar jovens e lutar contra a discriminação por causa do albinismo.

 

Trajectória de respeito

Como modelo com deficiência e albinismo, ela reconhece que pela sua trajectória de vida, a sua coragem e as suas lutas vitoriosas hoje as pessoas a respeitam muito. Ela tem sensibilizado pessoas na mesma condição que a sua a se exporem mais, sem vergonha da cor da pele.

"Sou uma pessoa feliz e sinto-me bem com o que faço, Não ligo o julgamento dos outros, porque faço exactamente o que gosto         e me sinto confortável com isso, o que as pessoas               dizem não muda nada na minha vida”.

Jandira Neves salientou que apesar de sempre gostar de moda, enquadra-se bem noutras coisas. "Gosto de estética e já trabalhei com isso, fazia massagem a pessoas e gostaria de me aperfeiçoar nisso, tal como também de me formar em comunicação social, que é uma profissão que amo”.

Adiantou que terminou o ensino médio mas dadas as dificuldades da vida não teve condições de ingressar na Universidade. Tudo isso muito por conta do acidente que sofreu, além das questões financeiras.

A jovem que sonha em desfilar nos grandes palcos do nosso país e do exterior,disse que não tem grandes referências, mas que olha para ela mesma e vê a necessidade de se superar diariamente. "Eu não busco inspiração, sou a minha própria inspiração, pela força de vontade que tenho de continuar a seguir em frente, pelo pensamento de ser uma mulher realizada”.

Decidida a fazer várias formações com a finalidade de se superar, tem ocupado o seu tempo a fazer cursos, isto quando não está a posar como modelo em sessões fotográficas ou a trabalhar com a Internet. Por não ser uma jovem de muitas amizades, gosta de ficar em casa a ler um livro com o filho e a ajudá-lo nos deveres de casa ou a ver televisão.

Quando pode reunir os poucos amigos que tem, ama entrar para a cozinha e fazer a famosa feijoada da Jandira e outros poucos pratos que sabe confeccionar. Poucos pelo facto de ter entrado tarde na cozinha. A questão dos poucos amigos deve-se ao facto de valorizar muito a amizade e necessitar de dar muito de si, razão pela qual tem sido bastante selectiva neste quesito, mas reconhece ser conhecida por muita gente.

"Após ter sofrido o acidente, reconheci o que realmente é uma verdadeira amizade, os amigos são as pessoas que se preocupam comigo em todas as fases da vida, seja na tristeza, seja na alegria. Isso para mim representa a verdadeira amizade”.

Vinda de família com albinismo, Jandira Neves tem mais um irmão com o mesmo tipo de micro pigmentação na pele. E a mãe também é albina ocular. A palavra de ordem da modelo e influenciadora digital tem sido passar às pessoas que não devem se deixar abalar pelas dificuldades da vida e a não colocarem as culpas em Deus ou noutras pessoas. "Devemos perceber que temos o dom da vida e devemos agradecer a Deus pelo facto de termos vida. Quem perde um membro não é inútil, pode sempre descobrir outros dons”, disse, acrescentando: "Não nasci com deficiência, adquiri a deficiência e isso pode acontecer com qualquer pessoa. Pelo simples facto de estar viva, todos os dias tenho motivos para agradecer, porque a vida me permite fazer muitas coisas. Então, eu digo às pessoas ‘não desistam, é difícil sim, todos nós passamos por dificuldades e tudo requer sacrifícios mas devemos pensar em levantar sempre que cairmos e acreditar que tudo é possível com Deus”.

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