Reportagem

Jovens africanos realizam formação na Coreia

Augusto Cuteta | Seul

Jornalista

Depois de terminar a licenciatura no Brasil, a jovem angolana Nareth Leal da Silva teve um novo desafio. Partir para um país com hábitos e costumes totalmente diferentes dos de Angola e das terras onde fez o ensino superior.

10/07/2023  Última atualização 08H00
Muitos jovens de África olham ao mercado sul coreano como uma grande oportunidade para conseguirem, actualmente, uma formação de alta qualidade © Fotografia por: DR

Era uma decisão difícil, mas a jovem de 29 anos, não olhou para trás quando surgiu a oportunidade para realizar este sonho na Coreia do Sul. Concorreu a uma bolsa de estudo e frequen-ta o terceiro trimestre do segundo ano do mestrado em Finanças, na Korea University, instituição que existe desde 1905.

Natural de Luanda, Nareth da Silva faz parte de um grupo de sete angolanos que se encontra na Coreia a estudar, por meio de bolsas cedidas pelo Governo coreano, através do Instituto Nacional de Educação Internacional (NIIED, na sigla inglesa).

Quando chegou à Coreia, a maior dificuldade foi a língua local. Por isso, a jovem teve de se dedicar imenso para, em um ano, aprender a falar e a escrever coreano, uma formação ministrada no primeiro ano pelo NIIED.

Depois da língua, a culinária coreana era outro problema, mas foi uma questão que Nareth conseguiu vencer com alguma facilidade. Quanto ao país, a angolana referiu que, antes de partir para a Coreia, fez inúmeras pesquisas sobre hábitos e costumes, o que ajudou na adaptação.

"No início, como vivia no dormitório do NIIED, durante a quarentena, por causa

da Covid-19, foi difícil a alimentação porque comia o que davam aqui. Este sufoco terminou quando saí para morar na renda”, salientou.

Mas, como "o hábito faz o monge”, a estudante angolana confessou que, agora, aprecia em demasia a culinária coreana, tendo em conta a forma como é preparada e pela sua riqueza nutricional. "Hoje, nem mais ligo para os picantes que eles colocam em quase tudo”, riu-se.

Apesar de ainda não terminar o curso, Nareth já tem sonhos, depois de vencer o principal, que era ter uma formação de alta qualidade. A ideia é ajudar Angola no crescimento da Educação, ao reconhecer as debilidades do sistema nacional.

Apesar de estudar Finanças, a jovem do Talatona olha para a Educação como o sector que merece maior atenção. É que Nareth da Silva sabe que um país com um sistema educativo eficaz tem tudo para ter um desenvolvimento sustentável.

No campo da sua área de formação, a jovem tem um projecto de criação de uma base de dados de empresas angolanas do ramo financeiro. Este trabalho, já em curso, vai permitir que pesquisadores consigam mapear como várias variáveis estão relacionadas e o impacto das tecnologias de inovação nas organizações.

Nareth acredita que a base de dados vai ser, igualmente, um mecanismo para o Governo e outros investidores darem uma ideia real sobre as vantagens ou desvantagens de se financiar ou não certos projectos das organizações que operam no país.

"Os pesquisadores, principalmente, estrangeiros não dispõem de muitas informações sobre o mercado angolano, daí eu ter pensado em desenvolver este projecto, por ser a partir da pesquisa que se criam as soluções dos problemas locais”, argumentou a jovem.

Os angolanos na Coreia são poucos. Mas, há uma certa dificuldade na comunicação entre si, dada as distâncias que separam as cidades em que estão as Universidade que frequentam. Porém, a Embaixada de Angola neste país tem realizado encontros regulares em datas importantes para os nacionais, com vista a encurtar as distâncias.

Bastante comunicativa, a jovem ressalta que o número de angolanos a estudar nas Universidades coreanas pode aumentar, caso o Governo angolano reforce mais as relações com este país e promova este programa de bolsas de estudos nas escolas de ensino médio e instituições de Ensino Superior.

"Só temos duas vagas por ano, número que deveria aumentar. Precisamos trabalhar para isso, pois, há países africanos que beneficiam de mais de 20 vagas anuais”, apelou a estudante.


Necessidade de maior suporte financeiro

Outro estudante angolano na Coreia é Danilo Arsénio Joaquim, que está, há dois anos, a frequentar o curso de graduação em Engenharia Eléctrica e Electrónica, na Yonsei University, fundada em 1889.

Actualmente, com 24 anos, o jovem é, igualmente, bolseiro através do programa da NIIED, estando a receber um suporte financeiro de cerca de 900 mil won (perto de 700 dólares).

O valor que Nareth beneficia é superior ao de Danilo Joaquim. A primeira, mensalmente, tem direito a um milhão de won (aproximadamente 800 dólares), por estar a frequentar um nível mais elevado.

Porém, quer para um quer outro, em função do actual custo de vida, defendem a necessidade do aumento do valor do financiamento aos estudantes estrangeiros.

Depois de saírem dos aposentos do NIIED, os estudantes são obrigados a custear, além dos materiais escolares, seguro de saúde, alimentação e vestuário, o arrendamento de dormitório ou casas. "E isto está difícil com o dinheiro que recebemos”, queixou-se Danilo Joaquim.

Fora essa dificuldade, o jovem considerou que a experiência de estudar na Coreia está a ser fabulosa, principalmente pelo grande nível de qualidade e exigência da formação.

Tal como Nareth, Danilo também já tem muitos projectos para Angola. Apesar do receio em querer voltar para o solo pátrio, pela escassez de oportunidades de emprego, pensa em investir, igualmente, no ramo da Educação.

"Estou a desenvolver projectos práticos, como startups, mas quase todos focados à Educação, por ser um dos sectores mais débeis no nosso país”, justificou o estudante.    


Atingir os 200 mil estudantes até 2024

Nareth da Silva e Danilo Joaquim são dois jovens angolanos que estão a realizar o sonho de frequentar as melhores Universidades do mundo. Juntamente com eles está um grupo de cerca de 200 estudantes estrangeiros seleccionados em mais de 70 países.

Além de Angola, de África estão controlados pelo NIIED estudantes da Etiópia, Uganda, Tanzânia, Gabão, Botswana, África do Sul e Essuatíni. Mas, há ainda os de latitudes como Brasil, Paraguai, Peru, Cazaquistão, Nepal, Vietname, Tailândia, Malásia, entre outros.

Os estudantes, testados pelo NIIED, a partir das representações diplomáticas dos seus países, chegam à Coreia para frequentar programas de longa e curta duração, no quadro das operações de bolsas de estudo globais.

No primeiro cenário (programas de longa duração), são seleccionados 1500 alunos para os graus de bacharelato, mestrado e doutoramento.

Para os programas de curta duração, o NIIED apoia cerca de mil estudantes internacionais autofinanciados, alunos de intercâmbio e outros que são convidados pela instituição para leccionar ou colaborar nas Universidades locais.

Este trabalho de concepção de bolsas de estudo é levado a cabo pelo NIIED, desde 1962, segundo a professora Ryoo Hyea-Sook, presidente da instituição, que tem como lema principal "Para o Desenvolvimento de Recursos Humanos na Era da Globalização”.

A funcionar na Rua Jeongjail-ro, Bundang-gu, Seongnam-si, Gyeonggi-do, o NIIED é uma agência administrativa, superintendida pelo Ministério da Educação da Coreia, que tem a missão fundamental na educação, intercâmbio e cooperação internacional.

Ryoo Hyea-Sook esclareceu que um dos feitos da instituição, nos últimos 60 anos, é conseguir descobrir e cultivar talentos globais, com destaque para países africanos.

Por isso, a ideia do Governo, através do NIIED, é promover a língua coreana por meio das plataformas digitais para que mais jovens possam ser descobertos e a instituição continue a liderar projectos educacionais globais e promover a educação coreana em todo o mundo.

Outro grande desafio da instituição que gere o ensino de estrangeiros na Coreia, por meio de bolsas de estudos, é que, no próximo ano, seja alcançada a meta dos 200 mil alunos. Até 2020, a instituição tinha formado 153.695 estudantes estrangeiros, quando em 2008 eram apenas 63.952.


Mais sobre o NIIED

O "quartel-general” do NIIED está instalado na Seongnam-si, Gyeonggi-do e é composto por um edifício principal e dormitórios, um salão polivalente com capacidade para 300 lugares e um auditório com 200 assentos e sala de leitura.

Está, ainda, sob responsabilidade do NIIED o Centro de Educação Inglesa, situado na Seogwipo-si, Jeju. Aqui há, igualmente, um edifício principal e dormitórios, um auditório (214 assentos), salão polivalente, salas de conferência, de leitura e estudos.

Nos seis andares da instituição, os cerca de 100 dormitórios acolhem dois estudantes por quarto. Tem ainda uma cantina para 200 pessoas, que serve comidas nutritivas e saudáveis.

O centro conta, também, com instalação de Internet e salas de seminários em alguns andares do prédio principal, assim como um compartimento de aula pequena e outra de aula média.

Quanto ao orçamento, o NIIED, que tem na sua organização os departamentos de Planificação e Coordenação, de Instituição do Ensino Superior e de Intercâmbio e Cooperação Internacional, opera com 135,9 biliões de won.

Com cerca de 150 funcionários, o Instituto Nacional de Educação Internacional, entre as grandes realizações, foi considerado a melhor organização em várias premiações, com destaque para o Grande Prémio de Responsabilidade Social e Certificação de Qualidade de Serviço.   

Antes de ter a designação NIIED, a instituição era conhecida como Centro de Aconselhamento Estudantil, afecto à Universidade Nacional de Seul, em 1962.

Nessa altura, operava como instituição intermediária para estimular a colaboração com o Japão e apoiar estudantes locais. Mas, em 1992, ganhou a designação e o papel que desempenha nos dias actuais.


Expandir os programas a outros países

O principal projecto do NIIED, um instituto mundial especializado em cooperação educacional internacional, é promover o intercâmbio neste sector da formação de jovens com os Estados com os quais a Coreia tem relações diplomáticas.

No quadro do Programa Global de Bolsas de Estudo há uma abertura para que os alunos estrangeiros frequentem cursos de graduação e outros sem graduação, principalmente os estudantes autofinanciados.

Há, igualmente, um programa de convite de bolsas de estudo na Coreia para estudantes internacionais, que são os chamados "cursos de crédito”.

Porém, o NIIED tem uma cooperação especial de intercâmbio com a China, no sentido de que cidadãos coreanos possam estudar neste país e os desse Estado frequentarem as universidades sul-coreanas.

Além desses, a instituição leva a cabo o Programa de Professores Voluntários, patrocinado pelo Governo coreano. Este contempla a facilitação à adesão de trabalho, estudo do Inglês e patrocínio de viagem.

Para o caso dos coreanos, o Programa de Bolsas de Estudo do Governo prioriza a formação para professores de segunda língua estrangeira. Assim, os docentes da Coreia são enviados para escolas locais no exterior.

A presidente do NIIED tem noção da importância que a Coreia tem no ramo da formação de homens. Por isso, garantiu que vão ser envidados esforços para que os programas sejam estendidos a mais países, com destaque para o continente africano.

Por exemplo, o número de estudantes convidados, em 1967, era de seis, representando três países. Há dois anos, essa cifra subiu para 12.466 alunos provenientes de 157 nações.


Ofertas do instituto coreano

Anualmente, o NIIED publica editais, a partir das representações diplomáticas em vários países, para que jovens estrangeiros possam apresentar candidaturas a um intercâmbio, graduação ou pós-graduação na Coreia do Sul.

Após a aprovação nos testes para as bolsas de um curso de graduação do NIIED, o estudante tem cinco anos para estudar, sendo que os primeiros 12 meses são dedicados ao aprendizado do coreano.

Durante o período de aprendizado da língua coreana, o estudante estrangeiro tem de atingir o nível três do Teste de Proficiência em Coreano (TOPIK).

Nos quatro anos seguintes, o estudante foca-se no curso de Graduação em Engenharias, Ciências da Computação e Artes e Humanidades. Porém, os estudantes de áreas com maior tempo de duração, como Medicina, Farmácia, Odontologia e Arquitectura, não participam do programa.

No decurso da formação, os estudantes recebem cadeiras sobre a história, cultura, língua e literatura coreanas. O curso de coreano é grátis.

O curso não é a única regalia que os estudantes têm no quadro do programa de bolsas. O NIIED oferece, igualmente, passagens aéreas, seguro médico e subsídios mensais a partir de 800 mil won sul-coreano.

Os candidatos a bolsas, além de terem idade até 25 anos, para a licenciatura e ensino secundário completo (12ª ou 13ª classe), devem ter domínio de inglês, uma vez que o coreano se aprende já quando o aluno estiver na Coreia.

Além de proporcionar oportunidade para se fazer a licenciatura, o NIIED dispõe, igualmente, de cursos de pós-graduação, isto é, mestrados e doutoramentos, no quadro do Programa de Bolsas de Estudo do Governo coreano.

Os cursos de pós-graduação na Coreia do Sul duram de dois a três anos, respectivamente. Para frequentar esses graus de formação, os estudantes também precisam de um ano de estudos de coreano e obter a nota suficiente no TOPIK.

Tal como acontece com os alunos de licenciatura, os mestrandos e doutorandos são, igualmente, avaliados em três etapas e os aprovados recebem o mesmo pacote de benefícios, além de auxílio para pesquisa.

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