Política

Jurista defende independência da acção fiscalizadora da IGAE

Gabriel Bunga

Jornalista

O jurista e académico Benja Satula defendeu, ontem, em Luanda, a independência da Inspecção Geral da Administração do Estado (IGAE), para que a acção fiscalizadora seja abrangente a todos os órgãos e instituições da administração directa, indirecta e autónoma do Estado.

19/01/2021  Última atualização 07H41
Uma mesa redonda marcou os 29 anos da Inspecção-Geral da Administração do Estado © Fotografia por: Agostinho Narciso |Edições Novembro
O penalista falava sobre "Ética na elaboração dos contratos públicos”, numa conferência promovida pela IGAE, no quadro das comemorações dos 29 anos daquela instituição.
De acordo com a Lei, a IGAE depende do Presidente da República e a sua acção não abrange a Presidência da República, os Tribunais Constitucional, Supremo e de Contas, a Procuradoria-Geral da República e a Assembleia Nacional.

Benja Satula disse não acreditar que todos os relatórios da IGAE chegam à mesa de trabalho do Presidente da República e disse mesmo que os assessores podem determinar que relatórios entregar ao Chefe de Estado.
"As pessoas que assessoram o Presidente da República têm amigos que são fiscalizados pela IGAE e não acredito que os relatórios das instituições destas pessoas chegam ao Presidente da República”, disse.

O também advogado defendeu que a IGAE deveria ser independente e enviar directamente os relatórios à PGR. Benja Satula questionou quem fiscalizava a Presidência da República, os Tribunais Constitucional, de Contas, Supremo e a própria PGR, que recebem e gerem fundos públicos.
A IGAE tem apenas competências de fiscalizar os departamentos ministeriais, governos provinciais, administrações municipais, missões diplomáticas, empresas públicas, institutos públicos e instituições de administração autónoma do Estado.

"Quem controla o guarda?”, questionou-se o académico, indicando que os actos de corrupção ocorrem normalmente por via de contratos públicos e também pelo funcionalismo público e defendeu que qualquer cidadão deveria ter acesso às reuniões onde são abordadas questões de contratação pública, para garantir transparência na gestão da coisa pública.
"A administração pública tem a responsabilidade de ser mais transparente e menos publicitária”, disse, apontando que é necessário apostar na administração electrónica para se evitar alguns males.

Benja Satula condenou a contratação de especialistas estrangeiros para presidirem conferências ou prestarem serviços de consultoria em Angola, quando há quadros angolanos à disposição.
"É preciso eliminar a cultura de apostar na incompetência no momento de se indicar pessoas para ocuparem funções no aparelho do Estado”, disse, sublinhando que há sinais no país do "culto à incompetência” nas instituições públicas.
 
Resistir às pressões de gestores

A directora do Serviço Nacional de Recuperação de Activos da PGR, Eduarda Rodrigues, apelou aos quadros da IGAE a resistirem às pressões dos gestores no momento de inspecção, quando falava sobre "A recuperação de activos” na conferência.
A magistrada do Ministério Público disse que, no terreno, os profissionais da IGAE são coagidos a não colocarem determinados dados nos relatórios que são enviados ao Presidente da República e que o trabalho da PGR depende muito da qualidade dos relatórios da IGAE.

A directora do Serviço Nacional de Recuperação de Activos da PGR disse que os criminosos estão cada vez mais especializados, munidos de advogados e prontos para escaparem de qualquer acção judicial.
"É preciso, nas investigações, recolher muitos dados e fazer muitas perguntas para recolher mais informações”, disse, sublinhando que é preciso prestar atenção aos contratos celebrados com empresas estrangeiras e com pagamentos feitos no exterior do país.
"Estamos determinados nesta batalha, nós agimos sempre de acordo com a Lei e a razão vence sempre”, disse, acrescentando que tem havido muitas reclamações nos processos de recuperação de activos.

Osvaldo Santos, técnico do Banco Nacional de Angola (BNA), falou de complaince e defendeu a necessidade das instituições do Estado cumprirem com as regras estabelecidas para que as suas acções estejam em conformidade com as leis.
José Pinheiro, jurista português, apresentou o tema sobre "Ética, transparência e legalidade da actividade da IGAE”.

Delegados provinciais


O inspector-geral da IGAE, Sebastião Ngunza, conferiu posse, ontem, aos delegados das províncias de Luanda, Benguela, Huambo, Cuanza-Norte, Cuanza-Sul, Cabinda, Huíla e Cunene.
Sebastião Ngunza disse que, nas próximas semanas, vão ser nomeados os delegados de outras províncias e que, para este ano, a instituição vai apostar na formação de quadros nos domínios orçamental, financeiro, bancário, seguros e aquisição de equipamentos tecnológicos para a administração e inspecção digital.

O inspector-geral da IGAE disse que, apesar das dificuldades registadas no ano passado, a instituição teve resultados positivos no controlo e gestão de risco de corrupção na administração pública.
Lembrou que foi em 2020 que se assistiu a uma profunda reforma da função inspectiva do Estado, com a instituição dos serviços de inspecção administrativa junto dos departamentos ministeriais e dos governos provinciais, colocando fim ao modelo de auto-controlo.

"Foram criadas as delegações provinciais com a finalidade de levar a actividade inspectiva mais próxima dos cidadãos e, assim, responder em tempo oportuno às mais diversas situações resultantes das relações entre cidadãos e Administração Pública”, frisou.
A integração das funções inspectivas numa única instituição, disse, constitui um avanço institucional e funcional, deixa de haver proliferação de estruturas que faziam a mesma coisa e com a dispersão dos recursos humanos.

"Do esforço conjugado das instituições nacionais vocacionadas à prevenção e combate à corrupção, resultou na classificação do país por entidades internacionais, que registaram significativos avanços no domínio da transparência e integridade”, realçou, sublinhando que as acções inspectivas previstas para 2020 foram prejudicadas pela pandemia da Covid-19. A IGAE, revelou, realizou apenas 15 inspecções das 27 previstas.

As inspecções incidiram sobre departamentos ministeriais, governos provinciais, Programas de Investimento Público, Institutos e Fundos Públicos e Administrações Municipais.
Sebastião Ngunza disse que, no ano passado, a IGAE recebeu várias chamadas de cidadãos que denunciaram a prática de actos de corrupção a nível das administrações municipais, distritais, esquadras, brigadas de policiamento, conservatórias, cartórios notariais, postos de identificação civil, guichés e serviços de atendimento público, hospitais e centros de saúde, instituições de ensino e estabelecimentos escolares.

O inspector-geral da IGAE disse que estão disponíveis 16 linhas telefónicas no Call Center, para os cidadãos poderem fiscalizar melhor a actividade administrativa dos agentes  públicos, sendo oito linhas para as denúncias, quatro para reclamações e igual número para audiências.
Durante o ano de 2020, a IGAE recebeu 58.962 chamadas, sendo que 19.792 resultaram em denúncias válidas, 77 detenções em flagrante delito e 125 em processos instruídos.

O inspector-geral da IGAE disse ser preciso que os servidores públicos aumentem a produtividade dos serviços, eficiência, transparência, evitar a burocracia, desconcentrar o poder de decisão e melhorar o processo de simplificação administrativa.
A cerimónia comemorativa dos 29 anos de existência da IGAE foi testemunhada pelo juiz-presidente do Tribunal Supremo, Joel Leonardo, pela presidente do Tribunal de Contas, Exalgina Gamboa, pelo procurador-geral da República, Hélder Pitta Grós, e pelo ministro do Interior, Eugénio Laborinho.

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