Reportagem

Kwenda devolve esperança a idosos desamparados na aldeia Mona Cagi

Armando Sapalo | Dundo

Jornalista

Cassange Xandjimbo, 70 anos, e António Txizazu, 74 anos, residem na aldeia Mona Cagi, arredores da sede municipal do Caungula, na província da Lunda-Norte. Pela primeira vez os dois anciãos beneficiaram das Transferências Monetárias, uma das quatro componentes do Kwenda.

07/09/2023  Última atualização 08H40
A par dos idosos em situação de extrema vulnerabilidade, no município do Caungula foram também contempladas várias famílias carenciadas. Com os 66 mil kwanzas atribuídos, para a maioria, abrem-se imensas oportunidades para melhorar a qualidade de vida © Fotografia por: Edições Novembro| Lunda-Norte
À semelhança de outros agregados familiares cadastrados pelo FAS-Instituto de Desenvolvimento Local, órgão responsável pela operacionalização do processo, na aldeia Mona Cagi, Cassanje Xandjimbo e António Txizazu têm outros aspectos em comum.  Em outras palavras, além da gritante situação de pobreza e vulnerabilidade, ambos vivem praticamente desamparados.

Ao Jornal de Angola contaram que, há anos foram abandonados pelas esposas e respectivos filhos sem qualquer explicação. Porém, relatos de alguns vizinhos apontam que os dois anciãos são acusados pelos próprios familiares de práticas de feitiçaria.

"A mim, pessoalmente, nunca disseram nada. O meu filho é já um senhor com família constituída há muitos anos. Ele vive no município do Cuango. Quando ainda vivia com a minha esposa, que é mãe dele, sempre vinha nos visitar.  Deixou de fazer isso há quatro anos, desde que a minha mulher fugiu de casa sem qualquer explicação. Os meus vizinhos dizem que fui abandonado por causa da pobreza e que, também, tenho feitiço. Todos no meu bairro dizem isso”, lamentou Cassanje Xandjimbo.

Entretanto, o drama do desamparo não impediu Cassanje Xandjimbo de soltar um sorriso no acto público, onde foi um dos contemplados com o valor de 66 mil kwanzas, referente a seis meses, à razão de 11 mil por cada mês.

Camponês há vários anos, o idoso mostrou-se sempre simpático e revelou estar bastante lúcido. Confessou que vive numa habitação desprovida de condições básicas e, apesar do reumatismo, doença que o assola há seis anos, não desiste de praticar a agricultura de subsistência, que sempre foi o seu "ganha-pão”.

"Com o dinheiro que acabo de receber, vou comprar um pequeno colchão para o meu quarto.  O que sobrar, irei apostar na criação de galinhas e produção de ovos, por ser uma actividade que domino e não  me obriga a muito esforço. Com este projecto, pretendo criar as minhas bases”, disse Cassanje Xandjimbo, que lamenta o facto de já não ter forças suficientes para apostar forte na agricultura.

A par das Transferências Sociais Monetárias, o Kwenda reserva, para fases mais adiantadas, a inclusão produtiva das famílias em situação de pobreza e vulnerabilidade, com apoio às iniciativas de geração de rendimentos, facto que leva Cassanje Xandjimbo a "jogar na antecipação”, em termos de bases.

"Quando os homens do FAS regressarem para aquele outro projecto, nessa altura já estarei muito avançado com o meu projecto das galinhas. Eles vão me ajudar a melhorar a forma como posso ganhar dinheiro com o trabalho de criação das aves”, antevê Cassanje Xandjimbo, que para o êxito do seu projecto pretende contar com a ajuda da sua irmã menor e dos sobrinhos que residem na comuna do Camaxilo.

Combate ao desemprego e à fome

Por via do FAS, o Estado angolano tem estado empenhado na redução da pobreza no seio das famílias, uma vez que, a par de outras localidades do país, o índice de desemprego e fome no Caungula, segundo Cassanje Xandjimbo, é bastante alto.

"Embora possa parecer pouco, o dinheiro que está a ser entregue pode ser aproveitado para alguma coisa útil, sobretudo para aquelas pessoas cujos agregados têm jovens com vigor e visão para aplicar os recursos em pequenos negócios”, disse.

Cassanje Xandjimbo referiu que a maior preocupação reside na juventude desempregada, que, muitas vezes, como consequência da frustração, envereda pelo consumo excessivo de bebidas alcoólicas e outras substâncias psicotrópicas, situação que se torna preocupante pelo facto de estar na origem da desestruturação de várias famílias.

Mais do que reconhecer que o Kwenda é uma oportunidade que se abre para muitas famílias carenciadas, Cassanje Xandjimbo reafirmou a necessidade de o Estado encontrar mecanismos para ajudar a juventude a se afastar de comportamentos nocivos, tendo sublinhado que, em Caungula, o índice de consumo de bebidas alcoólicas passou a ser o principal divertimento entre aquela franja social.

"A escassez de serviços sociais, principalmente, centros de formação profissional, espaços de lazer, aposta na actividade artística, incentivo ao desporto e outros, leva muitos jovens ao abismo”, disse Cassanje Xandjimbo apelando aos jovens que beneficiaram do dinheiro do Kwenda no sentido de apostarem em bons negócios.

Abrigo e aposta na agricultura

Igualmente contemplado com o valor de 66 mil kwanzas, António Txizazu revelou ao Jornal de Angola que parte do dinheiro servirá para compra de chapas de zinco e barrotes para remodelar o seu "abrigo” de um quarto e sala.

A casa de construção precária, explica o ancião, já não oferece condições de segurança por carecer de pequenas obras, nomeadamente, melhoria da cobertura, substituição de portas e janelas, entre outras acções.

António Txizazu contou que depois de se ter separado da esposa, parte do seu modesto "abrigo” foi forçosamente destruído pelos familiares da antiga companheira, da qual a relação de mais de 30 anos resultou em três filhos, todos residentes no Cafunfo, município do Cuango, e que também decidiram cortar relações com o pai.

"O Governo está claramente a mostrar que é uma pessoa de bem e quer ver melhoradas as condições de vida das famílias que vivem em situação de vulnerabilidade. Desde a altura do processo de cadastramento, validação das listas até à fase de pagamento, tudo correu bem e com a maior transparência dos técnicos do FAS”, disse.

Mecânico industrial, profissão que exerceu durante 14 anos numa empresa ligada à então Companhia de Diamantes de Angola, em Cafunfo, município do Cuango, António Txizazu explicou que o seu tempo de serviço não lhe permitiu obter já a reforma, facto que o levou a optar pela prática da agricultura de subsistência.

Infelizmente, devido a limitações físicas e problemas de visão, há três anos que António Txizazu deixou de ter vigor para continuar a trabalhar a terra.

Oportunidade para melhorar a vida

A par dos idosos em situação de extrema vulnerabilidade, no município do Caungula foram também contempladas várias famílias carenciadas. Com os 66 mil kwanzas atribuídos, para a maioria abrem-se imensas oportunidades para melhorar a qualidade de vida.

Residente no bairro Lucoquessa, sede municipal, Issolo Massogi, 42 anos, vende pão e bolos, uma actividade que exerce desde que o esposo ficou na condição de desempregado. Antes, para comprar um saco de 50 quilogramas de farinha de trigo tinha de associar com uma colega o valor de 28 mil kwanzas cada, que permitia produzir pães e bolos para a venda ambulante.

Mãe de oito filhos, Issolo Massogi manifesta que, agora mais do que nunca, está em condições de adquirir, sozinha, um saco de farinha de trigo, sem necessidade de associar-se a alguém, como acontecia antes de beneficiar do dinheiro do Kwenda.

"É de louvar o trabalho que o Governo está a fazer. Tenciono agora ampliar o volume de negócio com a venda de gelados e refrigerantes. Estou a contar com ajuda da minha filha, que aproveitou as férias escolares para frequentar um curso de Pastelaria na província de Malanje”, realçou Issolo Massogi, visivelmente satisfeita.

Vendedora ambulante de tecidos africanos, Domingas Maria, 53 anos, é outra das beneficiárias do Kwenda. Residente no bairro Katango, a mulher "explodiu” de alegria quando soube que haveria de receber 66 mil kwanzas, valor correspondente a seis meses de subsídio.

"Estou muito feliz, afinal o Governo falou a verdade. Está a prestar muita atenção às famílias pobres. Agora o meu negócio de venda de panos vai crescer. Que continue assim, olhando para outras famílias que vivem em dificuldades”, salientou Domingas Maria, viúva e mãe de seis filhos.

Contemplados mais de nove mil agregados

No total, 9.141 agregados familiares de 250 bairros do Caungula é o número de beneficiários das Transferências Sociais Monetárias "Kwenda”, no município.

O director provincial do FAS na Lunda-Norte, João do Nascimento, explicou, à margem do acto público da entrega do dinheiro, em Caungula, que cada uma das famílias cadastradas nas comunas sede e do Camaxilo recebeu 66 mil kwanzas, valor correspondente a seis meses de subsídios.

Relativamente à Inclusão Produtiva, à semelhança de outras localidades onde é implementado o programa, João do Nascimento explicou que o objectivo é introduzir actividades geradoras de rendimento aos agregados familiares residentes nas áreas de intervenção do Kwenda.

"Estão previstos apoios em meios de produção e transformação de diversos produtos agropecuários, bem como auxílio de pe-quenas iniciativas de culinária, pastelaria, corte e costura, cabeleireiro, recauchutagem, serralharia, carpintaria e transporte fluvial com canoas”, disse, para salientar, que foram também elencadas quatro iniciativas para implementação de projectos de Inclusão Produtiva, como avicultura (criação de aves para produção de alimentos, como carne e ovos) e produção de sabão caseiro.

Pequenos negócios

O vice-governador para o Sector Político, Social e Económico, Frederico Barroso, que testemunhou o acto público de lançamento das Transferências Sociais Mo-netárias, na localidade de Caungula, incentivou os beneficiários a aplicarem os recursos financeiros em iniciativas de pequenos negócios, para deixarem de depender única e exclusivamente do Kwenda.

Dados obtidos pelo Jornal de Angola indicam que, em termos globais, o Kwenda, na Lunda-Norte, abrange cinco dos dez municípios da província, designadamente, Cuango, Cambulo, Caungula, Lóvua e Lubalo, sendo que, neste último, o lançamento acontece nos próximos dias.

"Até ao momento já foram efectuados pagamentos aos agregados familiares dos municípios do Cuango, Cambulo e Caungula”, disse o vice-governador da Lunda-Norte. Frederico Barroso sublinhou que, na fase de cadastramento, foram registados vários constrangimentos, principalmente na época de chuvas.

"Para se ter uma ideia, o acesso às zonas recônditas, devido às estradas com percurso acidentado teve de ser feito com viaturas a todo-o-terreno e para localidades mais distantes os técnicos tiveram de fazer recurso a motorizadas”, acrescentou.

A dispersão das aldeias e bairros e consequente ausência das famílias, tornou o processo ainda mais de-morado, afirmou Frederico Barroso, reconhecendo que o Kwenda é um desafio que vale a pena apostar, a julgar pelo seu impacto na vida de muitas famílias.

"O aumento do valor atribuído, de 8.500 para 11 mil kwanzas por mês, agora pagos semestralmente, resulta das reformas que o Executivo vem implementando, uma das quais a retirada da subvenção ao preço da gasolina”, disse.

Frederico Barroso esclareceu que o dinheiro antes destinado à subvenção daquele derivado do petróleo está gradualmente a ser aplicado nos projectos de inclusão social, produtiva e outras acções com impacto na vida das populações.

Por outro lado, o vice-governador da Lunda-Norte para o Sector Político, Social e Económico elogiou o sentido profissional, patriótico e compromisso dos técnicos do FAS que trabalham na operacionalização do Kwenda.

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