Reportagem

Lubango/Santa Clara por estrada: Os encantos de um importante nó rodoviário

Leonel Kassana

Jornalista

Precisamente a quarenta e cinco quilómetros da cidade do Lubango, está a vila da Chibia, um tradicional pólo agrícola e pecuário, mas também com alguma actividade industrial relevante, devido à exploração de recursos minerais, onde sobressai o granito negro e mármore nas localidades de Chicuatite e Capunda Cavilongo.

02/04/2023  Última atualização 09H29
© Fotografia por: Edições Novembro

Uma espécie de escala técnica obrigatória, para quem sai do Lubango, é aqui onde se inicia a descida para o Cunene, pela EN 105. Foi o que fizemos na série de reportagens desde Luanda a Windhoek.

A escala na Chibia tornou-se necessária para voltar a medir o pulso ao projecto de multiplicação e melhoramento de sementes de milho, batata rena e feijão, que está a ser desenvolvido, desde 2016, pelo consórcio agro-industrial Jardins da Yoba.

Aqui, animados com o sucesso e aceitação do programa, à escala nacional, os promotores deste projecto falam já numa "revolução  agrícola” no país, algo que permite um aumento muito significativo das colheitas.

O nosso cicerone é o engenheiro João Saraiva, director-geral do Jardins da Yoba, que nos foi explicar que, nesta altura, das unidades de produção que possui nos municípios da própria Chibia, Humpata e Ombandja (Cunene), o Jardins da Yoba já contabiliza duas mil toneladas de grão, sendo que mil e quinhentas serviram para semente e as restantes para a ração animal.

"A nível de produção agregado, estamos em duas mil toneladas de semente de milho e outros cereais, setecentos e cinquenta de tubérculos de semente de batata”, afirma João Saraiva, que confirma o elevado grau de adesão dos produtores às sementes melhoradas.

O director do Jardins da Yoba destaca a promoção da segurança alimentar como estando no centro das preocupações do programa de melhoramento das sementes. "Isso tem, necessariamente, um impacto muito significativo na produção”, sublinha João Saraiva.

Optimista, ele adianta que, até aqui, essa companhia já investiu cerca de dez milhões de dólares nas Fazendas Chaungo, Mucuma, Humpata,  Tandanda, Chivemba e Malypi.

João Saraiva releva, contudo, que o investimento pode chegar aos quinze milhões de dólares, na esteira do Planagrão, um programa lançado pelo governo angolano para o relançamento da produção, em alta escala, de cereais, com que se prevê colheitas de pelo menos seis milhões de toneladas a partir de 2027.


Estágios profissionais para futuros agrónomos

Companhia investe, também, no desenvolvimento do capital humano, aliás, uma das principais estratégias, como diz João Saraiva. Jovens como Nádia Cabinda, Anália Mulanda e Miriam Mário, em final de curso nos diferentes estabelecimentos de ensino, têm garantidos  estágios profissionais no Jardins da Yoba, no seguimento de uma parceria com o Instituto de Investigação Agronómica.

Eles trabalham nos campos de ensaio do arroz e milho nas Fazendas Chaungo, no âmbito de um acordo com a Universidade Federal de Lavras, estado de Minas Gerais, Brasil.

"Temos um acordo de transferência de conhecimento e tecnologia, que prevê a formação no âmbito dos cursos de mestrado e doutoramento para jovens da empresa Jardins da Yoba”, refere João Saraiva.

Ele afirma-se estar preocupado com o aproveitamento hidroagrícola da barragem das Ngangelas, na Chibia, para a qual defende um programa integrado, envolvendo pequenas empresas  agrícolas familiares, integradas na cadeia de valores da batata rena e hortícolas.

Já vai longa a descrição sobre esse conglomerado de empresas, mas o emprego permanente de mais de trezentas pessoas e outras cerca de cento e cinquenta, que trabalham de forma sazonal em diversas áreas da empresa, são, certamente, relevantes, numa região onde os níveis de desemprego são, ainda, muito elevados.


Mármore e granito animam indústria

A Chibia, como se diz no início desta peça, tem alguma relevância industrial por conta da exploração de jazigos minerais, sobretudo granito negro e mármore. Empresas como Granisul, uma das dezasseis unidades de exploração de rochas orçamentais no território da província da Huíla, a Rupsil, Marlin e Hipermáquinas são apenas alguns exemplos de exploração mais ou menos bem conseguida, embora haja ainda algumas "queixas”, ligadas fundamentalmente à queda do preço do produto angolano no mercado internacional.

A vila da Chibia, que já foi chamada São Pedro da Chibia, antes de retomar à sua actual designação,em 1975, é, hoje, uma das principais zonas urbanas da Huíla. Junto com a Humpata, dão um ar cada vez mais metropolitano à cidade do Lubango, que já conta com a urbanização da Quilemba.

De novo na estrada. A próxima paragem é na Chibemba, comuna que fica a oitenta e seis quilómetros da Chibia. Antes passa-se pelo cruzamento para o Chiange, sede político-administrativa do município dos Gambos, que tem andado na "boca do mundo” por causa da cíclica seca, com as consequências já conhecidas.

As chuvas que caíram nos campos, trouxeram algum alívio aos criadores de gado. Para trás, ficariam as localidades da Quihita, Dongue, Viriambundo, Rio de Areia e outras.  

No passado, Chibemba tinha alguma actividade comercial visível, corporizada sobretudo em serviços de restauração, mas depois decaiu progressivamente. E é a olhar para o resgate dessa mística que as autoridades dos Gambos estão a desenvolver acções para a atracção de potenciais investidores.

Na localidade de Viriambundo, não muito distante da Chibemba, existe o que se poderá  chamar  de  uma agradável surpresa: todo o espaço por baixo de uma frondosa, gigante e secular mulembeira foi limpo e devidamente engalanado, com recursos do chamado orçamento participativo dos munícipes dos Gambos. O local promete ser um dos principais centros de atracção turística da região.

Longa Paquete Wassuluvala, professor, conhece, como poucos, os Gambos. Ele não tem dúvida do valor acrescentado que esse projecto vai trazer. "Este  projecto  implementado pela Administração Municipal dos Gambos, visa cativar a atenção de quem passa pela EN 105”, diz, argumentando que "pela sua projecção, o local tem condições para acolher mais turistas que saem da República da Namíbia”.

"Aqui, há um olhar de parar o coração”, sublinha professor Longa Paquete Wassuluvala, apelando aos seus utentes a colaborarem para a sua conservação. Pelo meio, aconselha à gestão do local por um ente privado.


Imponente ponte sobre o rio Cunene

A ponte sobre o rio Cunene, em Xangongo, município de Ombandja, é, das infra-estruturas rodoviárias mais icónicas de Angola.  Chegar e passar sobre a imponente infra-estrutura de 880 metros de cumprimento, 11 metros e 64 centímetros de largura, duas faixas de rodagem e passeios de um metro e cinco centímetros e que começa próximo da sede da comuna do Humbe, soa como que a um momento mágico.

Para os passageiros, contemplar os vários "braços” do rio Cunene, enquanto se está sobre a ponte, autêntico postal da pequena vila do Xangongo, é quase um momento de profundo êxtase. Poucos resistem a tirar uma foto para a posteridade.

Um detalhe de reportagem: sobre o rio Cunene, que nasce nas Boas Águas, município da Tchicala Tcholoanga, Huambo foram erguidas as barragens do Ngove, Matala, Calueque e Ruacaná, esta última na fronteira entre Angola e Namíbia.

Antes de chegar a Xangongo, há uma paragem necessária na povoação do Chiulo, onde num mercado criado há anos, come-se um churrasco, carne de vaca ou de cabrito grelhado a preços competitivos.

O Chiulo é conhecido também pelo seu Hospital Católico, cujo prestígio ultrapassa fronteiras, tal como o de Caluquembe, na Huíla, ao tratar de casos de extrema complexidade. É, pois, a esse hospital que acorre muita gente proveniente de diversas regiões de Angola, quando não consegue chegar às unidades do outro lado da fronteira, em Oshakati, sobretudo.


Sinais de modernização da cidade de Ondjiva

Os noventa e oito quilómetros até Ondjiva são "devorados” em pouco tempo, com passagem pela comuna da Môngua, tal é a qualidade da estrada. Na capital da província do Cunene há muito que aqueles escombros, a lembrar a guerra que por aí passou, fazem parte da história.

Hoje apresenta-se com a "cara lavada” para receber os visitantes ou gente simplesmente de passagem para o outro lado da fronteira, em trabalho, passeio ou à procura de serviços de saúde no outro lado da fronteira.

O comércio, embora seja  ainda pouco vibrante, já apresenta alguma oferta diversificada, sobretudo de bens alimentares, industriais e materiais de construção. O crescimento é, também, acompanhado da construção de importantes infra-estruturas estatais, como o imponente edifício do Governo, Palácio, justiça, finanças e outros particularmente relevantes. Bem no centro da cidade, a ninguém passa despercebida a Sé Catedral, edifício construído de raiz.

Os bancos há muito que disputam o mercado cada vez mais competitivo em que se tornou o Cunene, em parte muito por "culpa” da proximidade com a fronteira. Entre o BCI, BAI, SOL, BPC, BIC e BFA, em Ondjiva, o cidadão tem muito por onde escolher entre os serviços bancários, tal é a diversidade da oferta.

Esses serviços têm, hoje, uma forte implantação e são muito concorridos em Santa Clara, a última povoação fronteiriça entre Angola e Namíbia, sendo fundamentais nas pequenas, médias e grandes transacções comerciais entre os dois Estados.

Mesmo que não tenha ainda aquele frenesim das grandes cidades, Ondjiva  conhece, em anos seguidos, um crescimento demográfico exponencial. A rede hoteleira tem vindo a registar uma expansão considerável, com mais  hotéis, bares, pastelarias, esplanadas, hospedarias e pensões, ao alcance de todos os bolsos.

Sítios como o Hotel Água Verde, Hotel Okapale, restaurante/pastelaria Rosmelia (incluem uma concorrida discoteca), Kambuessa, Pensão Gika, para citar os mais emblemáticos, são, nos dias que correm, as maiores referências em Ondjiva.

Mas há outros empreendimentos de pequena e média dimensões, espalhados um pouco por vários bairros e que "dão vida” a uma cidade hoje com mais de duzentos e cinquenta mil habitantes.

Há, porém, quem opte por locais, diga-se, com um perfil mais rural, mesmo para estar "bem mais próximo da mãe natureza”, como diz Ilídio Hamilton, um jornalista reformado, que optou pelo mundo dos negócios.

Ele referia-se à "sua” Finka, a meio caminho de Namacunde e que se tornou num dos principais destinos turísticos da cidade nos últimos tempos, tal a qualidade dos serviços que oferece.

Aí, aprecia-se, sobretudo, carne de vaca assada, cabrito e njove (um prato popular, feito à base de galinha temperada e só com óleo de ngongo, que é acompanhado de pirão de milho e a que se atribuem propriedades afrodisíacas).

 

Fronteira de Santa Clara

As opções na fronteira de Santa Clara são variadíssimas, mas as principais referências são as Pensões Piedade, Gika e Restaurante Miolo.

Com um registo de passagem de diária de centenas de pessoas de um e outro lado, a fronteira de Santa Clara/Oshikango (Namibia) é actualmente das mais movimentadas do país. Dezenas (talvez centenas) de jovens, sobretudo  do Quipungo, Matala e de outras localidades do interior da Huíla, há muito que se transferiram para essa localidade, onde se dedicam à troca da moeda (um negócio com muita vigarice pelo meio).

Impressionante é o assédio que fazem às pessoas que pretendem atravessar a fronteira. Muita gente, incauta, já foi burlada pelas cambistas, que depois desaparecem.

Uns, mesmo sem estarem habilitados, são motoqueiros, aumentando o caos no trânsito, com muitos acidentes.

A grande movimentação na zona fronteiriça de Santa Clara/Oshikango também não está alheia à prostituição, havendo mesmo quem fale em "caça rands”,  numa referência à moeda sul-africana, que tem paridade com o dólar namibiano.

Mas a desordem que os cambistas provocam do lado angolano não tem paralelo com o que acontece em Oshikango, onde os assaltos, roubos, agressões e lutas acontecem  à luz do dia, com muita gente a ficar sem dinheiro e outros pertences.

Quem chega de noite de Windhoek à fronteira, prefere aguardar dentro dos autocarros, dos quais os jovens se acercam. Esses e outros episódios constituirão a última reportagem entre Luanda/Windhoek/Luanda por estrada. 


Cahama, "onde o búfalo tropeçou”

Trinta e oito quilómetros depois, estamos na vila da Cahama, muito conhecida pela tenaz resistência que impôs aos invasores do então exército racista da África do Sul. Parafraseando David Mestre, foi na Cahama onde o búfalo tropeçou. É uma passagem rápida, mas suficiente para ver uma urbe em crescimento visível, com mais habitações e infra-estruturas sociais e económicas. Há bairros a perder-se de vista. A via até à comuna de Otchinjau está asfaltada, como constatámos no ano passado, quando seguíamos para o Curoca, o "epicentro da fome”.

Há um detalhe de reportagem que não deve passar despercebido, para quem conhece Cahama: o matadouro industrial da PECCUS, um gigante que há muitos anos anda desactivado e que no seu auge chegou a abater 150 cabeças de gado bovino por dia, o equivalente a 105 toneladas de carne.

Era um activo importante, para um município com um efectivo animal a rondar os pouco mais de 100 mil bovinos, que por conta da escassez de chuvas chegam a disputar os poucos pastos. Uma preocupação, ainda, a  "tirar o sono” a muitos criadores de gado.

Este ano, contudo, choveu razoavelmente, os campos estão verdejantes de massango e massambala, mas com  a chegada tardia e o curto tempo de precipitações não augura boas colheitas, pois muitas culturas perderam-se com a estiagem e já não podem ser recuperadas.

Os  ganhos com as chuvas ocorrem na criação de animais, com muito gado nutrido, pelo que é possível divisar ao longo da EN 105,  a abundância de pastos.

A vila da Cahama possui, contudo, uma extensa cintura verde ao longo do rio, de onde se obtêm hortícolas de produtores individuais, que vendem no mercado local e noutras regiões mais carentes da província.

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