Reportagem

Mais de cinco mil obras disponíveis para pesquisa no domínio das artes e ciências

Katiana Silva

Jornalista

O Instituto Guimarães Rosa (IGR), situado na Baixa de Luanda (Mutamba), possui uma das bibliotecas mais frequentadas por estudantes universitários e do ensino geral. No total, aponta a directora da biblioteca, Marisa Cristino, possui um acervo de aproximadamente 5.100 títulos, maioritariamente de autores brasileiros.

05/07/2023  Última atualização 06H45
© Fotografia por: Francisco Lopes | Edições Novembro

Marisa Cristino explica que os livros estão classificados por áreas, como a de Artes, representadas em teatro e cinema, Literatura Angolana e Africana, Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa e Literatura Americana e Francesa.

Quanto às áreas de Ciências, o acervo tem livros de Educação e Ensino, Sociologia, Administração Pública, Geografia e História do Brasil, Economia, Jornalismo, Direito, Física, Matemática e Tecnologias.

"O acervo da nossa biblioteca cresce constantemente através de aquisições do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e doações de pessoas físicas e jurídicas. Esta dinâmica permite-nos crescer e oferecer as obras mais recentes publicadas no Brasil. A título de exemplo, este ano recebemos, em Luanda, diversos autores brasileiros que realizaram oficinas de escrita criativa e deixaram, na biblioteca, as suas mais recentes obras, como são os casos de Passos Souza, Maria Aparecida da Silva, Maria do Carmo Costa, Eloar Guazzelli, entre outros”, sublinha a directora.

Para os amantes da literatura contemporânea que procuraram por obras premiadas de autores brasileiros, como aconteceu recentemente com o escritor e cantor Chico Buarque, que foi o Prémio Camões, ou Rafael Gallo, que arrebatou a última edição do Prémio José Saramago, com a obra "Dor Fantasma”, os leitores podem encontrar algumas na biblioteca do instituto.

Marisa Cristino destaca que a biblioteca possui a obra de Chico Buarque representada no seu acervo. Mas avança que, em relação a Rafael Gallo, que participou recentemente na rubrica "Puxa Palavra”, no âmbito das actividades desenvolvidas na biblioteca através de conversas online com vários autores, infelizmente ainda não está representado.

"O projecto Puxa Palavra é desenvolvido por Kaio Carmona, Professor-Leitor brasileiro na Universidade Agostinho Neto, que coloca, mensalmente, frente a frente, autores angolanos e brasileiros que partilham os seus percursos e experiências literárias. No mês de Maio estiveram em conversa Rafael Gallo e José Luís Mendonça”, disse.

Espaço de intercâmbio e partilha


Marisa Cristino acentua que a biblioteca tem cumprido o seu papel de conseguir "conectar” leitores e autores, em diferentes espaços e momentos. Segundo a responsável, sendo o IGR um espaço de intercâmbio e partilha, a conexão com autores e leitores angolanos tem sido um aspecto relevante das suas actividades.

Explica que no âmbito da acção da biblioteca foi criado o projeto "Leituras Assistidas”, que reúne mais de 20 leitores que, com regularidade, encenam leituras assistidas de autores brasileiros e angolanos.

A directora da biblioteca do IGR frisa também o Concurso Nacional de Texto Dramático, que premiou nas duas edições autores angolanos. "Aqui fica registado o nosso agradecimento ao empenho do encenador Klaus Novais, grande mentor deste projeto. Realizamos todos os anos uma Feira do Livro, com editores e bibliotecas angolanas, com o objectivo de fomentar a participação do público nas discussões literárias, despertar o gosto do público mais jovem pela leitura, e ampliar o conhecimento pelo livro”, acresceu.

Marisa Cristino assegura que a literatura angolana também está representada no acervo bibliográfico, garantido ser um espaço de intercâmbio cultural e reforço dos laços históricos que ligam os dois países.

A directora do IGR afirma ser importante manter o que designa por "diálogo cultural”, pelo facto de o público que frequenta a biblioteca ser jovem e maioritariamente de cariz estudantil, que vai em busca de pesquisa para a realização de trabalhos de fim de curso.

De Casa do Brasil à Guimarães Rosa

A biblioteca desempenhou um papel fundamental quan- do ainda era a Casa de Cultura do Brasil em Angola, instalada numa das vivendas do bairro Combatentes, na qual vários alunos acorriam para ler clássicos não editados no país, bem como rubricas realizadas em parceria com as escolas primárias.

A Casa de Cultura do Brasil em Angola, inaugurada em 2003, teve a sua primeira sede na rua Fernão Lopes, nos Combatentes. Era um espaço de dimensões reduzidas e recebia diariamente muito público adulto e infantil.

"A catalogação era ma- nual, através de fichas bibliográficas em papel e, só mais tarde se fez a informatização do arquivo bibliográfico. Desde 2021 que adotamos o Sistema Pérgamo de catalogação, que veio permitir uma maior facilidade de acesso online ao nosso catálogo, através do Sistema de Bibliotecas do Instituto Guimarães Rosa – Catálogo Bibliográfico”, detalha a directora Marisa Cristino.

Em 2015, após o acordo de diplomacia cultural assinado entre os governos brasileiro e angolano, nasceu o Centro Cultural do Brasil em Angola (CCBA), que passou para o Bairro dos Coqueiros, para o histórico edifício do antigo Grande Hotel de Luanda.

"Neste acordo, o Governo angolano cede às novas instalações do CCBA e o Governo brasileiro cede um edifício histórico no Largo do Pelourinho, em Salvador, para a instalação da Casa de Cultura de Angola no Brasil. Aqui a biblioteca ganhou o seu próprio espaço e proporciona a todos os usuários melhores condições de leitura e usufruto do nosso acervo bibliográfico”, destaca.

Marisa Cristino fez saber que a criação do Instituto Guimarães Rosa, no final de 2022, representou o culminar de um trabalho de modernização constante do perfil da diplomacia cultural brasileira no exterior, desenvolvido pelo Ministério das Relações Exteriores, no sentido de fortalecer o planeamento estratégico integrado da política externa cultural brasileira.

"As diferentes unidades do Instituto Guimarães Rosa no exterior e a sua identidade comum permitem harmonizar as acções culturais do Itamaraty. João Guimarães Rosa foi um diplomata de destaque que utilizou a cultura como instrumento de acção diplomática e reconhecida figura da literatura brasileira. A sua obra está naturalmente bem representada no nosso acervo bibliográfico e disponível para consulta”, justifica.

Com um vasto programa de actividades culturais, a directora partilha que decorre nestes dias, exposta na galeria do instituto, uma adaptação para quadrinhos do patrono, Guimarães Rosa, intitulada "Grande Sertão: Veredas”. A exposição está disponível para visitas de terça a sábado, das 10h às 18h, até ao dia 29 de Julho.

  Visitantes exortados a cuidar melhor dos livros


Segundo Agostinho Ezequiel, bibliotecário no IGR, o espaço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h00 às 17h00, tendo como seu principal público leitor os estudantes do 2º Ciclo.

"Alguns leitores rasgam e sujam os livros. Esquecem-se completamente que amanhã alguém poderá necessitar de lê-los. À sociedade em geral, em particular os leitores que visitam o Instituto Guimarães Rosa, pedimos o máximo respeito e devido tratamento aos livros”, apelou.

Sobre o comportamento que os usuários devem ter numa sala da biblioteca, Agostinho Ezequiel lamenta o facto de alguns alunos passarem mais tempo a conversar, acabando por incomodar todos aqueles que vão à busca de conhecimento.  Carla de Carvalho, estudante do 4º ano do curso superior de Contabilidade e Gestão, pela Universidade Lusíada de Angola, defende que a implementação das bibliotecas deve ser uma prioridade para muitas instituições públicas e privadas, que devem procurar fazer chegar o conhecimento a diferentes zonas.

Para a estudante, o facto de muitas bibliotecas estarem concentradas no centro da cidade é motivo de preocupação, visto que muitos estudantes não têm como chegar até elas regularmente. Carla de Carvalho frequenta a biblioteca do Instituto Guimarães Rosa assiduamente, há três anos, e diz que o atendimento por parte do corpo institucional é muito bom. "O país precisa investir mais em bibliotecas, porque o seu papel social é o de fomentar a leitura e cultura das comunidades, gerando conhecimento e favorecendo a cidadania”,disse Antónia Pedro Matondo, estudante do curso de Ciências Jurídicas e Económicas, no colégio Santa Ana e Noesa, que começou a frequentar a biblioteca da Casa de Cultura Brasil-Angola por intermédio de uma amiga.

Satisfeita com tudo aquilo que o IGR oferece, respectivamente ao acesso gratuito a várias literaturas e rubricas literárias, Antónia Matondo considera a biblioteca como a sua segunda casa, onde procura ler com paz e tranquilidade. 

"Adoro ler livros, tanto académicos como romances, e aqui me sinto satisfeito por encontrar muitos clássicos. O Governo precisa fazer um esforço para que todas as escolas tenham uma pequena biblioteca, a fim de estimular o gosto pela leitura às crianças e adultos”, referiu. 

Residente na Chicala (Ilha de Luanda), José de Almeida, de 54 anos, que visita a Casa de Cultural Brasil-Angola pelo menos três vezes por semana, lamenta a falta de uma biblioteca na zona onde vive.

Com apenas a quarta classe concluída na sua terra natal, no Cuanza-Norte, o homem destaca que a literatura o levou a lugares em que jamais pensou estar.  "Pretendo despertar a juventude sobre a importância dos livros, alertando que não há melhor riqueza do que o nosso conhecimento. Por isso tenho planos de um dia realizar, no meu bairro, várias actividades relacionadas à leitura”, concluiu.  

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Reportagem