Cultura

Maneco Vieira Dias: Coreógrafo critica bailarinos pela pouca criatividade

Adriano de Melo

Jornalista

A criatividade na dança angolana está muito distante da feita em tempos anteriores, com os plágios a serem uma realidade cada vez mais presente até mesmo no trabalho apresentado por bailarinos com bons anos de experiencia, lamentou, ontem, em Luanda, o coreógrafo Maneco Vieira Dias.

08/05/2021  Última atualização 05H35
© Fotografia por: DR
Para o presidente da Associação Angolana de Dança (AADança), o facto  das cópias de trabalhos originais de grupos, como o Kilandukilu, Yaka ou Ballet Nacional serem muito constantes, é preocupante. "Se de facto os direitos de autores funcionassem não sei o que aconteceria diante de muitas barbaridades que vamos assistindo”, disse, além de criticar a qualidade do próprio plágio apresentado. "Na maioria das vezes é muito medíocre”, revelou.

Hoje, continuou, há muitas pessoas, quer sejam amadores e/ou profissionais, a fazerem dança em Angola. A nível da criação temos observado que boa parte deles preferem trabalhar em cópias infelizmente. "Isso não significa que não haja criações capazes de serem consideradas belas peças de arte, pela grande capacidade de criação, e consequente apresentação da obra criada”.

A dança em Angola, destacou, nunca deixou de ser feita. "Acontece que os grupos quase não têm divulgado os seus trabalhos porque não encontram na maior parte das vezes condições para poderem levar as obras aos grandes palcos, por não terem meios para o fazerem se não forem financiados”.


Pandemia
A situação da maioria dos grupos de dança da capital e de muitas outras províncias, explicou Maneco Vieira Dias, não é das melhores, pois muitos vivem momentos bastante difíceis, mesmo com motivação elevada. "Os grupos vão procurando encontrar soluções de adaptação ao novo real o que não tem sido fácil”, lastimou.

Ainda assim, acrescentou, os grupos continuam a criar, embora não encontrem soluções para as suas apresentações, pelo facto de que antes a inibição era dos mecenas, mas agora, com a Covid-19, a situação se agravou consideravelmente.
Apesar das dificuldades, Maneco Vieira Dias reconhece o esforço de alguns grupos que estão a conseguir manter-se no activo, não obstante os obstáculos. "Já existem criadores que vivem, ou melhor sobrevivem, da dança, embora com todas as consequências que possam advir. Dizer que a quantidade já é  desejável, claro que não”, disse, adiantando que os incentivos, na maioria, são mais institucionais. "Por outras palavras os apoios no verdadeiro sentido da palavra são praticamente nulos”.


Profissionalização
O presidente da Associação Angolana de Dança admite que a profissionalização em Angola ainda não é um facto como tal, mesmo reconhecendo que já existam alguns artistas deste segmento a viverem somente do trabalho.
"Quando um artista por via desta profissão liberal poder beneficiar do próprio trabalho, tal como qualquer um outro profissional de outra área do saber, ai sim podemos falar em profissionalização”, explicou.

Para Maneco Vieira Dias, é preciso também reconhecer que hoje há mais professores e artistas formados em dança que no passado, "porém a produção artística na dança ainda é em menor escala, o que é um contrasenso”.
Em parte, explica, tal facto deve acontecer, assim como os plágios, porque existem muitos pseudos professores e coreógrafos, sem uma certificação para o efeito. "Um bom criador não deve necessariamente ser um coreógrafo, embora podemos ter as duas figuras numa só. Ele até pode ter poder de criação muito alto e não perícia bastante para apresentar uma coreografia, mas sim uma bela peça de arte”.

Esta situação, defende, pode ser melhorada, caso, nas políticas do Executivo, seja introduzido o ensino da dança nas escolas, a partir do ensino de base. "Além da introdução no sistema curricular do ensino da dança, é importante que existam ciclos de formação de pequena duração, a nível das municipalidades, para que cada vez mais se possam ir actualizando os bailarinos e lhes sejam proporcionadas, melhores interpretações”, pediu.


Debates
Actualmente, para recuperar o gosto dos artistas angolanos pela dança têm sido realizados, regularmente, os encontros geracionais, uma boa experiência, para Maneco Vieira Dias, por trazerem à geração mais nova testemunhos bastante valiosos, de pessoas que durante anos deram o seu melhor ao engrandecimento desta arte no país.
Por outro lado, referiu, os encontros permitem, igualmente, homenagear, de forma directa ou indirecta, figuras, supostamente anónimas, que em alguns casos ajudaram a desenvolver mais o movimento da dança em Angola e conseguiram influenciar muitos artistas.

O resultado destes encontros, criados para aproximar os bailarinos das comunidades e da nova geração, adiantou, vai permitir criar uma plataforma de conhecimentos, a serem catalogados para posterior publicação. O projecto, explicou, é uma iniciativa da Associação Angolana de Dança (AADança) e da Direcção Provincial da Cultura, Turismo Juventude
e Desporto.


 Os perigos da  apropriação cultural
As proporções impensáveis atingidas hoje pelo semba, kizomba e o kuduro nos palcos internacionais, a tal ponto de serem das maiores febres do mundo, representa, para Maneco Vieira Dias, um ganho sem precedentes, mas, também, lança um alerta ao risco de apropriação cultural ou deturpação destas danças angolanas.
"O mundo vem adoptando estas danças de uma forma única, porém precisamos dar melhor tratamento na informação, sob o risco de se criarem distorções, como alias já acontecem em algumas situações”, alertou.

Paralelamente a isso, acrescentou, é necessário codificar estas danças, para maior inserção nas grandes academias, e não só. "Há informações que existem alguns estudos muito avançados a serem feitos pelo Mestre Petchú”.
Todos os projectos, defendeu, de angolanos ou estrangeiros, para a divulgação e valorização da dança são sempre bem-vindos, desde que a marca esteja bem evidenciada. "Os produtos normalmente só se tornam referência com a participação de todos, sem importar a origem”.

A protecção do património de qualquer país, acrescentou, não é só uma responsabilidade do Estado, mas de todos. Porém, reforçou, devem existir políticas específicas para sua protecção e reconhecimento desta como uma arte angolana, "o que em muitos casos não acontece. Podemos, infelizmente, correr o risco de algumas, um dia, serem perdidas”.
O crescimento exponencial, elogiou, é notável a nível das danças contemporâneas e urbanas, nas quais surgem, cada vez mais, artistas da nova geração as representar, através de novas companhias.

Um dos problemas para a completa afirmação destes jovens talentos, criticou, continua a ser os incentivos e a falta de apoios às apresentações. Outro problema, disse, é a gestão das carreiras de grupos e artistas, um dos principais pontos fracos dos criadores de dança, que, geralmente, termina num estrangulamento dos jovens artistas. "Infelizmente muitas  vezes confundimos o sucesso momentâneo com uma carreira que às vezes ainda só està no início”, apontou.


Associação trabalha    na criação de um acervo

O levantamento exaustivo das grandes potencialidades do acervo cultural a nível das danças é das prioridades, informou Maneco Vieira Dias, que adiantou estarem, neste momento, a criar condições para um registo nacional mais detalhado desta arte.
As danças de matriz angolana, disse, são diversas e bastante ricas. Por isso a criação de um acervo só pode ser materializado se os apoios financeiros forem disponibilizados.

Em relação à passagem de testemunho, Maneco Vieira Dias garantiu que o processo tem sido feito. "Todos os dias novos grupos surgem e muitos deles se inspiram nos mais antigos e com experiências. Agora há um elemento muito importante, que é a orientação destes, para o trabalho que apresentem tenham a aceitação desejada, a nível da criação artística”.
A nível dos grupo mais antigos, continuou, já se sente um rejuvenescer, com a inclusão de potenciais  jovens bailarinos, que, com a orientação dos professores e todo o corpo técnico, vão sendo capacitados para a inserção no mercado.
"A nível da preservação, não obstante todas adversidades que os grupos vivem, ainda assim é evidente o trabalho, não só de preservação, mas sobretudo de pesquisa, cujo resultado vai ser inserido num acervo futuro”, prometeu.

Uma outra questão a ter-se em conta pela associação   é a valorização dos artistas de dança, que mesmo sendo peças fundamentais na performance são remetidos para segundo plano. "O profissional de dança continua, em muitos casos, a ser visto como artista residual. Muitos são marginalizados, em alguns casos, até mesmo nas próprias instituições que o deveriam proteger”, lamentou.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Cultura