Sociedade

Mateus Pedro Barreira: “Pensar positivo é pensar colectivo”

Rui Ramos

Jornalista

Com o duplo papel de pai e mãe dos irmãos, Mateus Pedro Canga Barreira, filho de Pedro Figueiredo Barreira e de Maria Teresa Estêvão, nasceu a 27 de Agosto de 1994, passou grande parte da vida no município do Sambizanga, Bairro da Paz.

28/04/2024  Última atualização 08H29
© Fotografia por: DR

Apesar das dificuldades, recorda, a mãe (em memória) sempre orientou-os no caminho seguro a seguir. "Por isso, comecei a ganhar o gosto, anos depois, pelos serviços comunitários e o associativismo”.

Devido às dificuldades financeiras extremas, Mateus Barreira não pôde frequentar apenas uma única escola de ensino primário. "Passei por vários colégios, como o IEDPA, Maravilha, Boa Esperança, Futuro Brilhante e o Nahembela, onde conclui o primeiro ciclo do ensino secundário”, disse, acrescentando que fez o médio no Colégio Hebenezer-Sambizanga, onde concluiu o curso de Ciências Económicas e Jurídicas.

"Após ter terminado o ensino médio, senti que era a hora de servir de forma abrangente a comunidade, que carecia de muitas coisas. A partir daí surgiu a ideia de criarmos a explicação Irmãos Lopes Carmona, sob a liderança de Lopes José João”, contou.

A explicação contava com 180 estudantes, subdivididos em níveis. "Não era apenas uma fonte de rendimento, mas também uma fonte de esperança de vida, tendo em conta o nível de analfabetismo local e o nível elevado de criminalidade nas ruas do Sambizanga”.

Devido ao trabalho, lembrou, acabou por ser convidado a fazer parte do Projecto "Sim eu Posso”, do Ministério da Educação, em parceria com assessores cubanos. "Passámos por formações de carácter pedagógico e didáctico e aprendemos a manejar os instrumentos tecnológicos, para ensinar os adultos”, disse.

Pela iniciativa, o grupo de jovens do Sambizanga conseguiu incentivar muitas pessoas a voltar a estudar, independentemente da idade e das condições financeiras.

Compromisso

Na altura, o jovem desenvolveu o sentimento de missão. "Já não queria parar de servir, razão pela qual decidi fazer alguns cursos, que me servissem de suporte para o alcance dos objectivos preconizados”, referiu.

Na companhia dos amigos Hélder Bango, Naldino João e Lucas Augusto fez os cursos de Pedagogia e Gestão de Recursos Humanos, no Centro de Formação ADCONG, que lhes abriram as portas no campo da docência e permitiram começar os próprios negócios.

"A vida no Sambizanga não é e nunca foi fácil, por causa da criminalidade, mas também é verdade que muitos são os quadros que de lá surgiram e surgem. Foi com este sentimento de vencer na vida e impactar a vida dos outros, que decidimos  voltar a fazer um curso, desta vez de inglês, por incentivo de Lucas Augusto ‘Vagão Pró’, que teve a amabilidade de comprar até um caderno, só para me ver na sala de aula”, lembra, com um sorriso.

Durante o curso eram  constantemente  assaltados e agredidos na rua. Alguns, lamentou,  decidiram desistir. "Mas eu e o Naldino João preferimos fazer sacrifícios e ir até ao fim. Depois, estagiámos no Centro de Formação Young Fashion e conseguimos, até, abrir um Centro de Formação próprio no bairro, que teve muita adesão. Foi uma alegria”, recorda.

Mudanças

Entre os jovens locais, revelou, haviam pessoas que faziam confusão no bairro, mas devido ao surgimento do centro, passaram a estudar, com vontade a língua inglesa. "Me chamavam de ‘teacher, isso motivou-me ainda mais a continuar a trilhar este caminho. Das 18h às 21h, estava no centro de formação, só depois desta hora regressava à casa. Nem sequer tínhamos tempo para ambientes festivos, o que me levou a ganhar responsabilidade muito cedo”.

O centro de formação, explicou, tornou-se muito conhecido. "Éramos já referência na zona e eu era o ‘teacher Barreira”, referiu.

Apesar da pouca idade, Mateus Barreira afirma-se como parte do desenvolvimento de Angola, por já ter formado muitos estudantes que hoje servem o país. A passagem como docente nos municípios de Sambizanga e Viana, onde foi professor de Inglês, Psicologia, Saúde Mental, nos colégios Kitumba, 22 de Novembro, Kafuma e no Instituto Técnico Privado de Saúde Victória, o permitiram, meses depois, ser solicitado por outras instituições para leccionar.

"Eu incentivava os estudantes a respeitarem e a amarem o próximo. Essa postura tornou-me num ídolo para muitos alunos e fonte de inspiração para muitos colegas. Fui várias vezes distinguido como professor do ano”, disse.

Licenciatura

Depois de anos, confessou, decidiu testar no Instituto Superior de Ciências da Educação (ISCED) de Luanda, no curso de Língua e Literatura inglesa, no qual passou na primeira fase, mas não aconteceu o mesmo na segunda fase e portanto não pôde lá estudar.

"Não desisti”, contou, adiantando que decidiu testar, também, no Instituto Superior de Ciências de Administração e Humana (ISCAH), no curso de Psicologia. "No decorrer do primeiro ano comecei a ganhar o gosto pela Psicologia, influenciado pelo professor Benvindo Mauia. Foi quem me ensinou que não precisamos de ser eleitos ou nomeados líderes, quando já o somos por legitimidade, ou seja, existem pessoas que não precisam de ser declaradas líderes, mas são pelas acções e os posicionamentos perante os factos”.

Antes de ter terminado o Ensino Superior, no curso de Psicologia das Organizações, Mateus Barreira constatou que muitos, principalmente os das zonas suburbanas, desconhecem o que é a Psicologia e qual o papel do psicólogo na sociedade. "Parecia que a Psicologia era apenas para as pessoas de zonas urbanas, pois nos bairros quase que não se falava a respeito. Por isso, passei a questionar: de que adianta esperar por alguém no consultório quando nem ele mesmo sabe que deve ir até lá?”.

Projectos

De modo a contribuir para a expansão dos conhecimentos básicos de Psicologia e Saúde Mental nas comunidades, Mateus Barreira decidiu, com a ajuda dos companheiros, criar o Projecto Social Psicologia Comunitária. "Temos realizado várias campanhas de consciencialização e palestras sobre saúde mental nas ruas, autocarros, igrejas e empresas”.

A conexão entre o associativismo e a Psicologia, avançou, foi uma grande arma para o combate aos diversos fenómenos sociais e de estar perto das pessoas para compreender o quê e como pensam.

Estilos

Durante a adolescência, confessou, sempre gostou de escrever e o Kuduro foi o estilo escolhido. "Já tentei usar o estilo para compor letras que pudessem transformar os jovens, em especial neste estilo que sempre foi associado ao crime. O Kudurista quase que nunca é considerado como um ser com sentimentos e emoções. Por isso, decidi não mais cantar, mas usar as letras para consciencializar as pessoas sobre os fenómenos sociais e as consequências, assim como apelar a sociedade para olhar aos kuduristas, como um ser humano que várias vezes pela pressão social acaba se desviando para caminhos impróprios, e que quando não é ajudado acaba perecendo”, continuou.

Para mudar este quadro, realçou, tem feito estudos, alguns apresentados nos livros "O preservativo da vida”, "Um olhar poético aos fenómenos sociais” e "Psicologia kudurística”.  

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