Reportagem

Mau estado da estrada atrasa desenvolvimento de Sacandica

António Capitão | Uíge

Jornalista

"Não há desenvolvimento na comuna de Sacandica", foi esta a reacção do jovem Manuel Ngongo, 19 anos, estudante da 9ª classe do único colégio daquela comunidade.

22/07/2023  Última atualização 07H10
Devido ao elevado estado de degradação da estrada, é difícil percorrer os 185 quilómetros que separam a sede municipal de Maquela do Zombo da comuna de Sacandica © Fotografia por: António Capitão | Edições Novembro/Uíge
Manuel afirma que será obrigado a abandonar a região por já não encontrar nenhum motivo de atracção para continuar a viver aí.

"O subdesenvolvimento da nossa comuna é agudizado, dia após dia, pelo mau estado da nossa estrada de 185 quilómetros. Para irmos à sede municipal e vice-versa, temos de fazer uma viagem que começa às 7 horas de um dia e termina apenas no final do dia seguinte. Isso desencoraja entidades públicas e privadas a executarem projectos sociais e a investirem nos mais diversos sectores da economia que poderia conduzir ao desenvolvimento da região", lamentou Manuel Ngongo.

Para o jovem, os habitantes da comuna de Sacandica estão isolados do resto do país e do mundo pelo facto de não terem acesso aos meios de comunicação social e às novas tecnologias de comunicação e informação.

Manuel Ngongo lamentou ainda o facto de na região, principalmente na sede comunal, não existir sinal de rádio, televisão e rede de telefonia móvel. "Se as viaturas ligeiras pudessem aceder à nossa comuna, tenho fé que poderíamos nos deslocar com frequência e rapidez para os grandes centros comerciais para adquirirmos aqueles bens que nos fazem falta".

Kunda Yave Estani é outro jovem que lamenta o modo de vida da população de Sacandica. Referiu que a região enfrenta muitas dificuldades, mesmo depois de 23 anos de paz, o que faz com que aquela juventude viva sem esperança. Apelou ao administrador municipal de Maquela do Zombo a implementar projectos que conduzam ao progresso da região.

"São muitas as dificuldades, desde o mau estado da estrada até ao desemprego, visto que existem muitos jovens técnicos médios que continuam sem oportunidade de emprego", disse.

Administrador promete encontrar soluções

O administrador municipal de Maquela do Zombo, Samalando Muginga, reconheceu as dificuldades que a população de Sacandica enfrenta, desde o mau estado da estrada, a falta de escolas e unidades sanitárias, falta de professores, médicos e enfermeiros, a falta de informação, de emprego e outros serviços básicos.

"Percorremos 185 quilómetros e notámos que é uma viagem com muitas dificuldades, feita em muito tempo e não permite precisar quanto tempo pode durar a mesma, tendo em conta os constrangimentos que podem surgir devido ao seu elevado grau de degradação. Estamos solidários com este vosso sofrimento e, ao nosso nível e do governo da província, procuraremos encontrar soluções para os mesmos", disse.

Samalando Muginga sublinhou que a deslocação à comuna de Sacandica é o início do périplo que está a efectuar ao interior do município para constatar e vivenciar os principais problemas da população e encontrar soluções para os mesmos, apesar das limitações financeiras. Lembrou que os problemas de Sacandica são idênticos aos do Beu e Kuilo Futa.

"Para que os nossos jovens prosperem e se sintam realizados, devem apostar na formação académica e técnico-profissional. Devem se abster do uso excessivo de bebidas alcoólicas e outras drogas, bem como não se inclinarem na delinquência. Aos pais, apelo que mandem os filhos à escola e não às lavras para o crescimento das famílias e da comunidade", apelou.



Faltam infra-estruturas

O administrador comunal de Sacandica, Filipe André, disse que além da reparação da estrada, é necessário a construção de pontes e pontecos sobre os rios Mbimbila I e Mbimbila II, Benga, Nkulungu, Funvu e Lusuasu por representarem, neste momento, um perigo para a circulação rodoviária, sobretudo no período nocturno.

Filipe André solicita também o aumento de novas infra-estruturas escolares, sanitárias, de suporte à administração pública e outros de carácter sócio-económico para a melhoria das condições de vida da população.

"Há um velho adágio proferido por um antigo governador da Província de Angola, no período colonial que diz que ‘onde há vontade, há sempre um caminho’. Com isto, a população de Sacandica elogia esta visita pelo facto de, em menos de um ano na gestão do município, o senhor já conseguiu chegar para saber como vivemos e encontrar soluções", disse.

Entrega de bens para a comunidade

O administrador entregou medicamentos para o posto de saúde de Kuximane, a três quilómetros da sede comunal de Sacandica, localidade onde nasceu o memorável Frei Bimpa, que se popularizou por curar várias enfermidades.

Depois de um encontro com a comunidade local, Samalando Muginga entregou medicamentos para o centro comunal de saúde, inputs e insumos agrícolas, bens alimentares, material didáctico e desportivo, roupa usada e uma moageira para a transformação da mandioca em fuba de bombó.

"Sabemos que não é o suficiente. Mas, devemos destacar a moageira que vai permitir que as nossas mamãs deixem de usar o pilão e almofariz para obterem a fuba e os equipamentos desportivos, que vão permitir aos jovens a promoção de momentos desportivos e de recreação e lazer", sustentou.

Educação e saúde

Na comuna de Sacandica existem 10 escolas, das quais sete do ensino primário, dois colégios e um liceu. Deste número, nove são de construção de pau-a-pique e apenas uma de construção definitiva.

No ano lectivo findo, foram matriculados 6.390 alunos, cujo processo de ensino e aprendizagem é assegurado por 62 professores, número considerado insuficiente pelo administrador comunal, Filipe André, tendo em conta o aumento, em cada ano, do número de crianças em idade escolar.

Filipe André disse que a cobertura sanitária na comuna é inadequada, tendo em conta o número de habitantes estimados em 26.429 habitantes. A região possui apenas duas unidades sanitárias, sendo um posto de saúde na regedoria de Cuximane e o centro de saúde na sede comunal.

Cada unidade sanitária funciona com apenas dois técnicos de Enfermagem, o que sobrecarrega os profissionais, tendo em conta a densidade populacional da região que tem como principais enfermidades a malária, sarna, conjuntivite, hipertensão arterial, doenças diarreicas agudas e doenças respiratórias agudas (DRA).

Filipe André referiu que para melhorar o funcionamento do sector da Saúde, deve ser aumentado o número de enfermeiros e construídos postos de saúde nas aldeias Kingala, Kibange, Kintima Mosi e Kipaxe.

Produção agrícola

O administrador comunal de Sacandica, Filipe André, disse que a população da comuna é maioritariamente dedicada à agricultura, produzindo de forma considerável a mandioca, ginguba, gergelim, pevide, gindungo, feijão, inhame, tomate, milho e se dedica também à extracção do óleo de palma.

No domínio da defesa e segurança, o administrador comunal disse ser uma preocupação devido ao reduzido número de agentes da Polícia Nacional para fazer face aos 26.429 habitantes catalogados pelo Instituto Nacional de Estatística no censo de 2014.

Uma viagem de cortar o fôlego

A viagem de 105 quilómetros até à comuna de Sacandica, partindo da sede comunal do Beu, iniciou às 6h30, num percurso predominado por ravinas, profundas crateras e longas extensões de areias que mesmo com lombas, é proibido reduzir a velocidade sob pena da viatura ficar atolada.

O rio Tau, entre as aldeias Kimbualau (última do Beu) e Kipasi (primeira de Sacandica) simboliza a divisão administrativa das duas comunas. Apenas depois de sete horas e meia chegamos ao destino, que fica a 12 quilómetros da linha fronteiriça com a República Democrática do Congo.

À entrada da vila de Sacandica, as antigas moradias erguidas no período colonial repartem, em pequena percentagem, o cenário com as modestas casas feitas de pau-a-pique e cobertas de capim. No fim da principal rua com palmeiras enfileiradas, está, em estado de abandono, o edifício da antiga sede administrativa construída pelo colono português, cuja estrutura carece de uma reabilitação profunda para voltar a servir a comunidade.

No pátio deste "monstro adormecido" pode-se ver um gerador de 50 kva doado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (HCR) UNHCR e um outro de 250 kva, ambos inoperantes, com algumas peças retiradas, mas que, se forem reparadas podem voltar a iluminar a vila.

A comuna situa-se a 185 quilómetros a nordeste da cidade de Maquela do Zombo. Possui uma extensão territorial de 2.740 Km2, com uma população de 26.429 habitantes, distribuídos em quatro regedorias (Cassangani, Cuximane, Kinhete e Muana Kulumbu.

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