Política

Novo cessar-fogo na RDC vai permitir um ambiente propício para o diálogo

César Esteves

Jornalista

O novo cessar-fogo no Leste da República Democrática do Congo (RDC), em vigor desde à meia-noite de domingo, vai promover um ambiente propício para o diálogo entre as partes, facilitar a assistência humanitária às populações deslocadas e garantir o processo de acantonamento das forças beligerantes.

05/08/2024  Última atualização 08H03
Angola mediou o encontro entre os ministros das Relações Exteriores do Congo e do Rwanda © Fotografia por: Paulo Mulaza | EDIÇÕES NOVEMBRO

A constatação é do representante permanente de Angola junto da União Africana, o embaixador Miguel Domingos Bembe, para quem o acordo, conseguido pela mediação angolana, vai permitir, ainda, a retoma do Programa de Desarmamento, Desmobilização, Reintegração Comunitária e Estabilização (P-DDRCS) de iniciativa do Governo da RDC.

"A decisão das partes em conflito instituirem um cessar-fogo é crucial e incontornável para acelerar o processo de paz, estabilidade e segurança entre os dois países e na região, que passa pela erradicação, neutralização e desengajamento dos grupos armados que continuam a perpetrar actos de terrorismo e extremismo violento na Região Leste da RDC", realçou o diplomata angolano.

Miguel Bembe ressaltou que, depois da primeira reunião ministerial entre a RDC e o Rwanda, realizada em Luanda, a 21 de Março deste ano, também sob a mediação angolana, a segunda reunião, de 30 de Julho, reafirmou a importância e interoperabilidade do Processo de Luanda para a restauração da paz, estabilidade e segurança entre aqueles dois países vizinhos. "Estas constituem condições indispensáveis para promover o desenvolvimento integral e sustentável na Região dos Grandes Lagos, com impacto na África Austral, em particular, e no continente africano, no geral", destacou.

O representante permanente de Angola junto da União Africana (UA) referiu, por outro lado, que o último evento ministerial evidenciou a confiança crescente dos Presidentes Félix Tshisekedi e Paul Kagame em relação ao estadista angolano, na sua tripla qualidade de presidente em exercício da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), mediador designado pelos Chefes de Estado e de Governo da UA e Campeão da UA para a Paz e Reconciliação em África. "Todos estes aspectos reforçam e consolidam a credibilidade do Processo de Luanda e do mediador angolano, encorajando-o a multiplicar as iniciativas, no quadro do cumprimento do mandato que lhe foi atribuído pela União Africana, em 28 de Maio de 2022", aclarou o diplomata angolano na UA.

Mais uma vitória da diplomacia angolana

O professor angolano de Relações Internacionais Cesário Zalata considerou a conquista deste novo cessar-fogo na RDC mais uma vitória da diplomacia angolana e da dedicação pessoal do Chefe de Estado à causa. "O Presidente João Lourenço tem demonstrado, pelos seus esforços políticos e diplomáticos, ser verdadeiramente um actor congregador, pacificador, mediador, negociador e facilitador do diálogo", destacou o académico.

Cesário Zalata acredita que este cessar-fogo constitui um bom sinal e abre uma "excelente" perspectiva para a construção dos caminhos para a paz na RDC, tendo em conta que será supervisionado e monitorido por um mecanismo Ad-Hoc reforçado. "Posso concluir que temos elementos substanciais para continuar a sonhar com a paz na República Democrática do Congo e que os erros e as falhas do primeiro cessar-fogo, de 2022, servirão de exemplos e lições para melhorar esta segunda fase do processo", realçou Zalata.

Para o também especialista em Relações Internacionais Tiago Armando, a conquista deste cessar-fogo representa a capacidade de resiliência da mediação angolana face a todas as variáveis que colocavam em causa o processo e, ao mesmo tempo, crença num acordo de paz que visa garantir a estabilidade naquela região volátil dos Grandes Lagos.

Tiago Armando explicou que, no contexto diplomático, um cessar-fogo, durante um processo de mediação, se traduz num acordo temporário entre as partes em conflito para interromper as hostilidades. "Se olharmos a mediação como um processo construtivo, que se deve adaptar às dinâmicas do próprio conflito, para Angola e, em particular, ao Campeão da União Africana para a Paz e Reconciliação, isto representa a capacidade de resiliência face a todas as variáveis que colocam em causa a mediação e, ao mesmo tempo, crença num acordo de paz que vise garantir estabilidade na região", frisou o especialista.

 
Relações RDC-Rwanda afectadas pelo conflito

A crise de paz e segurança no Leste da República Democrática do Congo afectou as relações entre aquele país e o vizinho Rwanda, que passaram a acusar-se mutuamente de apoiar a insurreição militar para desestabilizar um e outro, com Kinshasa a denunciar supostos apoios militares de Kigali ao grupo rebelde M23, acusação rejeitada pelo Rwanda, e este, por sua vez, a acusar Kinshasa de apoiar e abrigar no seu território as forças hutus responsáveis pelo genocídio de 1994, em que foram mortos mais de 800 mil tutsis e hutus moderados.

Com o objectivo de encontrar uma saída para o problema, a 16ª sessão extraordinária da Assembleia da União Africana sobre o Terrorismo e Mudanças Inconstitucionais de Governos em África, realizada no dia 28 de Maio de 2022, em Malabo, Guiné Equatorial, mandatou o Presidente João Lourenço, na qualidade de Presidente em exercício da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL) e Campeão para a Reconciliação e Paz em África, para mediar a crescente tensão que se regista na fronteira comum entre os dois países.

Entre as soluções conseguidas pela mediação angolana, para acabar com esta crise, está o "Roteiro de Luanda",  documento que aponta os caminhos para a pacificação do Leste da RDC. O documento foi aprovado, na capital angolana, no dia 6 de Julho de 2022, durante a Cimeira Tripartida da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), entre Angola, RDC e Rwanda.

A Organização das Nações Unidas (ONU) considerou, em Maio do ano passado, o Roteiro de Luanda importante para a resolução da crise reinante no Leste da RDC, sublinhando tratar-se de um apoio valioso para o fim da crise naquela região.


RDC e Rwanda voltam a reunir-se em Luanda para elaborar o plano de desengajamento das tropas

O director da Direcção África e Médio Oriente do Ministério das Relações Exteriores, embaixador Jorge Cardoso, anunciou a realização, na próxima quarta-feira, em Luanda, de um encontro entre a RDC e o Rwanda para a elaboração de um plano para o desengajamento das forças no terreno e análise do plano de neutralização das FDLR, que vai viabilizar e reforçar a observação pelo respeito do cessar-fogo.

Este grupo de peritos, que vai reunir em Luanda, acrescentou, terá a responsabilidade de examinar o plano de neutralização das FDLR, que resulta de uma proposta apresentada pela RDC, aceite pelo Rwanda e harmonizadas num plano proposto pela mediação angolana.

Angola vai reforçar e liderar o mecanismo de supervisão e verificação do cumprimento do cessar-fogo entre a República Democrática do Congo (RDC) e o Rwanda, para continuar a apoiar os esforços de paz entre os dois países.

"Esse cessar-fogo será supervisionado pelo Mecanismo de Verificação Ad-Hoc, que deverá ser reforçado. Angola, enquanto garante do processo de paz, instituiu um mecanismo liderado pelo tenente-general das Forças Armadas Angolanas (FAA) Nassone João, que estará no terreno com a sua equipa e deverá fiscalizar, observar e supervisionar o cessar-fogo”, disse em declarações ao Jornal de Angola o director da Direccção África e Médio Oriente do Ministério das Relações Exteriores.

O embaixador Jorge Cardoso disse que Angola espera que o cessar-fogo seja respeitado e que possibilite o processo de negociação e diálogo entre as partes, para que definitivamente a paz seja uma realidade naquela região.

O embaixador Cardoso lembrou que Angola, por via do Presidente da República, João Lourenço, tem estado inteiramente envolvido neste processo desde Maio de 2022, altura em que foi mandatado pela União Africana (UA) para facilitar o diálogo com vista a desanuviar as tensões políticas, diplomáticas e militares destes dois países em conflito.

Jorge Cardoso reafirmou que o país tem estado firmemente engajado na procura de uma solução pacífica e negociada para a situação de instabilidade e insegurança que persiste no Leste da RDC, desde Outubro de 2023, altura em que o cessar-fogo, que havia sido negociado pela mediação angolana em Novembro de 2022, foi violado, tendo a partir daí registado o agravamento do conflito.

Neste momento, acrescentou o diplomata angolano, a situação operacional no terreno é ainda de grande preocupação para a mediação, razão pela qual era importante que se lançassem as negociações e se relançasse o processo de paz. "O relançamento deste processo foi feito no princípio deste ano”, revelou.

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