Reportagem

O dia-a-dia da mãe adolescente em Caxito

Edvaldo Lemos e Alfredo Ferreira | Caxito

Florinda João da Gama, zungueira, não sabe ao certo a sua idade, mas aparenta ter 18 anos, não sabe ler nem escrever, porque nunca foi à escola, porém, lida bem com os trocos e os clientes e conhece um pouco a “tabuada” de contar.

11/06/2023  Última atualização 09H33
© Fotografia por: Maria João | Edições Novembro

Flora, como também é carinhosamente tratada pelas colegas, amigas e vizinhos, no bairro Bula, em Caxito, no Bengo, estava cansada de tanto andar, a voz estava rouca e já não conseguia "gritar o nome do negócio” que vendia.

Com bebé amarrado às costas, bacia de negócio à cabeça, caminhava para o mercado do Kawango, nos arredores de Caxito, e levava cebola, tomate e alho. Em conversa com a equipa de reportagem do Jornal de Angola desvendou os segredos e contou como descobriu que estava grávida do filho Elias, agora com um ano de idade.

"O homem encontrou-me na casa dos meus pais e falou que gostava de mim, queria ser meu marido e eu aceitei. Durante o namoro fiquei grávida sem saber, a minha tia, que vive em Bula Atumba, de visita à nossa casa deu conta da situação e explicou-me acerca da condição em que me encontrava, só assim é que despertei! A partir daquela data soube que estava grávida. Ao ver passar o tempo, a minha família chamou a família do rapaz e um tempo depois fui morar com ele. E assim estamos juntos até hoje, porque sabia que era ele o dono da gravidez”, explicou.

Por sua vez, Helena Paixão, vendedora de bolinhos em frente a uma escola, na vila de Caxito, contou na primeira pessoa as experiências amargas que viveu, durante o período de gestação e após o nascimento do pequeno Jorge Upala, menino que aos cinco anos hoje já corre nas ruas do bairro da Mifuma.

"No meu grupo de amigas eu fui a primeira a ficar grávida, tinha apenas 15 anos, sofri muito bullying, cheguei ao ponto de ficar somente em casa, não saía à rua, isso deixava-me muito envergonhada, depois os insultos e a zombaria estenderam-se até à escola, no meio das colegas era difícil ficar, elas olhavam-me com desprezo, umas davam-me conselho para abortar, falavam que ainda era cedo e eu não aguentava, por último, aos seis meses de gestação, desisti da escola, onde frequentava a 9ª classe, para evitar olhares de colegas. Apesar de tudo, decidi não tirar a gravidez e criar o meu filho e tive a sorte de não ser expulsa de casa, os meus pais conversaram muito comigo”, disse.

Agora, com 21 anos, Helena pensa retomar os estudos, mas já perdeu o pai e não tem ninguém para custear as despesas escolares. Com ar de arrependimento, deixa cair algumas lágrimas. Depende da venda de bolinhos fritos que comercializa à frente de uma escola do seu bairro, para poder alimentar o filho e pagar as suas despesas. "Hoje não tenho ninguém para pagar a minha formação profissional, estou arrependida, tive a sorte de aprender a fazer bolinhos muito cedo, e vivo desse negócio”, disse com uma lágrima no canto do olho.

No bairro da Açucareira vive a Teresa Lussala Paulo, 18 anos, segunda mulher de Miguel Garcia, comerciante, e mãe da pequena Janice Garcia, de um ano e já a marcar os primeiros passos. Ela conta que sofreu uma cirurgia no colo do útero após o parto precoce, quando tinha 17 anos, porque os seus órgãos reprodutores ainda não estavam suficientemente desenvolvidos para  conceber  um bebé.

Explicou à reportagem do Jornal de Angola que deu conta da gravidez porque o período já não aparecia depois de um mês. Controlava muito bem o seu ciclo menstrual, logo foi até à farmácia, adquiriu um teste de gravidez e ao testar deu positivo. Não perdeu tempo, contou às tias e depois ao pai.

"A partir daí recebi conselhos do meu pai e muita ajuda, só tinha 18 anos. Ele disse-me que eu não matado ninguém, pelo contrário estava a dar vida ao mundo, ao criar um filho na barriga”. O abandono escolar foi a  canto da sala de aula. "O meu professor dizia que eu não podia sentar junto dos colegas e proibiu-me de andar com outras meninas da minha idade, dizia que eu era uma má influência na turma, por conta disso preferi ficar em casa e perdi o ano lectivo. Só retomei quando o meu bebé completou seis meses”, explicou.

Com o semblante triste e os olhos húmidos de lágrimas, Teresa disse que frequentar a escola foi o momento mais difícil da sua gestação, devido à humilhação do professor e outros colegas, mas todas as lágrimas secaram quando ouviu o primeiro choro da bebé, uma menina à qual deu o nome de Janice. Hoje Teresa frequenta a 11ª classe na escola 11 de Novembro do Sassa Povoação, na comuna das Mabubas.

"Ser mãe jovem não é fácil nem é difícil, o importante é saber encarar as coisas de perto, porque as pessoas criticam muito, mas precisamos de ter coragem e nunca parar de estudar”, aconselhou.


Hospital Geral do Bengo com 547 casos em seis meses

O repórter do Jornal de Angola soube dos profissionais do Hospital Geral do Bengo, ligados à Maternidade, que há registos de crianças de até 10 anos que deram à luz naquela unidade hospitalar. De acordo com os dados estatísticos do referido hospital, só no período de Janeiro a Junho de 2022 foram realizados um total de 547 partos de gravidez precoce, de meninas com idades compreendidas entre 10 e 17 anos, vindas dos cinco municípios da província do Bengo, com excepção de Bula Atumba, cujos casos foram resolvidos por parteiras tradicionais.

A maioria é do município sede, o Dande,  e o Ambriz registou, neste período, apenas dois casos.

De acordo com a especialista em Ginecologia e Obstetrícia do referido hospital, Juliana Garcia, nos últimos dias estão a ser muito frequentes os casos de gravidez na adolescência. As mães adolescentes são aquelas que começaram a praticar o sexo muito cedo, conhecem o sexo ainda na infância. A especialista explica que a adolescência é uma fase não activa para actividade sexual, porque o órgão não está bem desenvolvido para o seu exercício normal e quando acontece a situação, acarreta muitas dificuldades e riscos.

"Fazer parto a uma adolescente não é fácil, porque os órgãos reprodutores não estão suficientemente maduros como das adultas na hora do parto, por isso a maior parte dos partos de adolescentes complica-se, e têm a maior probabilidade de serem feitos por meio de cesariana ou cirurgia no colo uterino. Umas podem dar à luz normalmente, mas há maior probabilidade de o parto ir a cesariana”, assegurou.

Juliana Garcia disse que no Hospital Geral do Bengo o maior número de parturientes  é de adolescentes. De 1 a 30 de cada mês, a metade dos partos registados é  de gravidez precoce, de meninas com idades entre 13 e 17 anos. Sem precisar o número certo, a especialista disse que por dia são feitos cerca de 20 ou mais partos."Mas já chegamos a 22 partos em 24 horas. Trabalhamos com uma equipa grande, entre médicos, enfermeiros, técnicos, incluindo auxiliares de limpeza. Por isso aconselho ao diálogo familiar para resolver este problema, as mães devem transmitir mais a educação sexual às filhas”, orientou.


Diferentes métodos de prevenção

Juliana Garcia considera que o uso de métodos anticoncepcionais pode ser uma das soluções para se evitar uma gravidez precoce, que ocorre diariamente nas comunidades, cujos partos muitas vezes são feitos recorrendo a métodos tradicionais.

"O hospital tem um programa de planeamento familiar, através do qual explica os métodos anticonceptivos.  Muitas famílias contactam os nossos serviços, mesmo às nossas pacientes nas salas de parto orientamos a fazerem o planeamento, uma ou outra adolescente é que vem voluntariamente solicitar os métodos contraceptivos. Ainda assim, depende muito do tipo de método que o hospital terá de aplicar, porque alguns têm muito a ver com a idade da parturiente”, especificou.

Durante a sua abordagem, Juliana Garcia frisou que muitas adolescentes que procuram fazer o planeamento familiar optam mais pela depoprovera, que é a injecção trimestral para não conceber, que é uma combinação entre o estrogénio e a progesterona.

Mas de acordo com a especialista, existem outros métodos anticonceptivos, como o Jadel, que são os famosos chips, também existem os comprimidos como o microginon, microlute, e os DIU (dispositivos Intrauterinos) que são vulgarmente conhecidos como Molas.

"A mulher que usar o chip como método anticonceptivo deixa de menstruar, não terá problema algum no futuro. As adolescentes que iniciam a vida sexual activa devem procurar os especialistas para melhor orientação acerca de quais os métodos que melhor combinam com o seu organismo, tendo em conta o factor idade”, aconselhou.

O psicólogo Nicolau Sumbo Macumbazi considera que a gravidez precoce está associada muitas vezes a causas financeiras e cria muitos contornos psicológicos na vida social da mãe adolescente. 

"A gravidez precoce tem tido muitos factores impulsionantes, um deles é a falta de condições financeira dos pais, outra questão é o imediatismo, as adolescentes querem tudo, logo o início é envolverem-se sexualmente com alguém que lhes prometa ou lhes garanta o que elas precisam”, indicou.

De acordo com o especialista em Psicologia Clínica, após a gravidez os factores sociais, querendo ou não, acabam por afectar as condições psicológicas. Um dos transtornos psicológicos hoje em dia é a depressão pós-parto. Segundo estudos feitos, a depressão pós-parto envolve mais as mães adolescentes, que, em termos do organismo, não estão preparadas. Sendo assim, pouco se espera de uma preparação psicológica.

Nicolau Sumbo Macumbazi considerou que quando se é mãe adolescente já se desenvolve muitos problemas, um deles é a depressão pós-parto, uma doença grave de saúde mental, cuja solução passa pela criação de programas e um conjunto de actividades para fazer um acompanhamento multidisciplinar por parte de instituições afins, como o Ministério da Acção Social, Família e Igualdade de Género e o Instituto Nacional da Criança (INAC).

Segundo o psicólogo, independentemente dos problemas que cada um tem, é necessário que haja psicólogos de família. Sobretudo nas consultas pré-natais, os hospitais deveriam dirigir toda a grávida, neste caso adolescentes, a uma consulta com um psicólogo.

"Das 50 gestantes que foram à consulta pré-natal, apenas 20 delas tiveram contacto com psicólogos, isso não é bom. Se não há condições de acompanhamento de psicólogos, familiar ou individual, pelo menos que se dirija a grávida adolescente às consultas com psicólogos, pelo menos uma vez, durante as consultas pré-natal, para juntos sabermos como ultrapassar determinadas crises de origem pós-parto”, aconselhou.

 
O maior palco do estigma

As escolas chegam a ser o maior palco do estigma, muitas das alunas com gravidez precoce chegam a receber maus tratos de colegas e professores. Por essa razão é que tem havido muitas desistências, principalmente das alunas que não têm apoio dos seus progenitores, que deveriam participar no combate à gravidez na adolescência.

Em declarações ao Jornal da Angola, o pedagogo e director do complexo escolar Kimamuenho, Armindo Paulo, referiu que a sua instituição tem-se confrontado, também, com muitos casos do género. O abandono escolar tem sido o refúgio de muitas alunas em estado de gestação.

Segundo o pedagogo, a escola pode ajudar muito a combater esse mal, através do processo de ensino e aprendizagem (existem disciplina afins, como Biologia, Estudo do Meio e EMC – Educação Moral e Cívica, que falam sobre essa temática). Se o professor não tiver a didáctica acertada para transmitir o conhecimento, aquilo passa despercebido, por isso aconselha à contextualização e ilustração de cada caso de acordo com a realidade.

Armindo Paulo disse que algumas meninas acabam por desassociar-se do meio académico, fogem da escola, com receio de serem vistas no estado de mãe de menor idade e, como consequência, aumenta o número de desistentes das aulas.

O pedagogo explicou que a gravidez na adolescência acarreta implicações económicas, porque muitos pais ou jovens maridos não têm um emprego garantido ou uma renda mensal para enfrentar as consultas permanentes, compras de medicamentos, e, quando tiver o bebé, partilhar os recursos financeiros para ajudar no sustento do filho.

"Devemos trabalhar mais no sentido de prevenir para que as alunas não entrem neste fenómeno de gravidez precoce. Acontece, porém, que muitas meninas não sabem sobre o período menstrual, por isso é necessário que haja mais investimento na educação sexual. Essa é uma das grandes causas que concorre para o abandono escolar, tanto para a jovem mulher, como também para os rapazes”.

No caso do Bengo, o chefe de Departamento do Gabinete Provincial da Acção Social Família e Igualdade no Género, Francisco de Sousa, descartou a implicação de factores económicos e financeiros como as únicas causas do crescimento desse fenómeno, acrescentou, também a proximidade do Bengo à capital Luanda.

"Na província do Bengo a fome não tem razão de ser a base desse problema, porque temos uma terra muito fértil, com muitos rios, condições para cultivar, para sustentar as nossas famílias, o grande problema é a proximidade do Bengo com Luanda, que acaba também por influenciar neste fenómeno. É uma questão de pobreza mental”, considerou.

Francisco de Sousa apela a um diálogo permanente entre as famílias.

"Por esse motivo, recentemente, no Ambriz, realizamos um Workshop sobre essa temática. Temos vindo, de um tempo a esta parte, a realizar campanhas de sensibilização das famílias para combater o casamento e a gravidez precoce nas nossas comunidades”, salientou.

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