Opinião

O Fantasma e a Sombra

Omar Prata

A sombra de quem fomos é o fantasma que nos assombra. As gerações mudam, dizem os mais velhos, no entanto a relutância em aceitá-lo é a prova de que a nostalgia é uma grande prisão mental para o homem.

24/08/2024  Última atualização 04H22
© Fotografia por: Divulgação Cruz Vermelha 1982 via Folha de São Paulo

Ser herdeiro não é sinónimo de estarmos capacitados para reconhecer o peso daquilo que carregamos diariamente, sobretudo quando desconhecemos as pegadas que nos deixaram os apelidos, porque com o tempo se apagaram. Há quem nasça num berço de prata, como eu, e tantos outros privilegiados, que jamais saberão o que é ter de caminhar sem sapatos por quilómetros à chuva ou ao sol, todavia esta realidade não é assim tão distinta daquela que tantos milhares de crianças hoje têm de viver e muitos de nossos antecessores trilharam. Será que isso realmente nos afecta ou importa? Diria que não, são lágrimas de crocodilo. Regra geral, o choro de quem não tem de chorar para comer porque pode encomendar uma refeição porque tem poder, dinheiro para escolher. O choro de quem pode fazer uma performance teatral nas redes sociais, enquanto se diz preocupar por um conflito aqui ao lado, na República Democrática do Congo, e horas depois está numa esplanada com amigos a conversar porque não lida com a ameaça constante da guerra, por certo com outras tem de lidar.

A liberdade de expressão que facilmente entra na fronteira indefinida daquilo que poderá ou não dizer para não enfrentar as consequências da vinda do homem do saco contado às crianças malcomportadas. Não, ainda não é desta que a sombra de quem fomos e o fantasma que nos assombra desaparece dos lares, das discussões nos bares ou entre quatro paredes entre familiares que sabem que não têm de se calar onde sentem que podem mandar. Já onde não podem mandar perdem o controlo, o que produz ansiedade e com isso o sentido de desorientação. Segue-se a diabolização de quem não vos persegue, tal como aqueles veteranos, ainda, transtornados que estão longe do campo de batalha, mas a qualquer ruído ouvem as bombas no quintal. Pensa-se que antes tudo era melhor. E o "se eu soubesse o que sei hoje” é o pai do remorso. Na nossa cultura o ancião é digno de respeito, contudo dentro da consideração pelas pegadas que deixou, também se torna responsável por vir a ser ele a temer o futuro, e ao temer o futuro tenta de tudo para sabotar o presente e para não encarar a realidade que sempre pode ter um olhar muito pior do que é ou muito melhor do que é. Na diabolização de quem não vos persegue, achando estar a ser perseguidos dão mais forças a quem vos oprime quando não estão a ser reprimidos. Deixando-se oprimir pelo medo. Enquanto o silêncio faz-se ouvir. A autocensura é pior do que a censura. Esta é a melhor arma de quem ama reprimir. 

No dia em que ficarem calados, os vossos pensamentos irão asfixiá-los para que não possam respirar. Nessa caminhada diária serão consumidos pela culpa, pela vergonha de não terem sido capazes de gritar no meio do sufoco, estarão mortos sem saber que estão. Não tentem aprender com o mau exemplo para serem maus, porque não é a oprimir que se singra, é a oprimir que eventualmente se sangra. A natureza daqueles que se vingam está sempre à espreita nos bastidores. Por isso o ambiente de suspeição faz com que nos bastidores os opressores salivem. Os mais velhos que se destroem entre si e os velhos opositores não são diferentes dos mais jovens que não colaboram entre si porque não aprenderam o valor da cooperação. Antes estão atentos ao valor imediato dos benefícios que levam à autodestruição. Infelizmente, não dá para deitar fora essa gravata e trocar por outra, quando apareces com um par de algemas porque decidiste que o mais rápido era a raiz da necessidade, porém a raiz da necessidade era a pressa da condenação. O coração quando condena aperta. A respiração deixa de ser natural, temos de recorrer ao ar respirável para não nos afogarmos no mergulho das águas das nossas memórias. Um dia perceberás por que motivo os impérios são como castelos de areia. A grandeza é ilusória, sendo que a poeira ao teu redor é mais notória. Os mares quando destroem edifícios, não importa o tamanho ou tipo de superfície. A inevitabilidade de um ciclone não se contém, porque a natureza é mãe. O fantasma e a sombra sempre nos assombrarão porque caminham juntos.

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