Entrevista

“O nosso processo formativo tem decorrido nas condições possíveis”

Francisco Curihingana | Malanje

Jornalista

O Instituto Nacional de Avaliação e Reconhecimento de Estudos do Ensino Superior (INAAREES) não validou os cursos de Saúde ministrados na Universidade Rainha Njinga a Mbande, em Malanje. O reitor da Universidade, Eduardo Ekundi Valentim, ao reagir à situação, disse ser uma realidade dura, mas que remete a uma reflexão profunda de como se tem desenvolvido o processo docente educativo, na base das insuficiências e inconformidades

16/08/2024  Última atualização 08H17
© Fotografia por: Francisco Curihingana | Edições Novembro | Malanje

 

Magnífico reitor, confirma que o Instituto Nacional de Avaliação e Reconhecimento dos Estudos do Ensino Superior (INAAREES) não validou os cursos de Saúde ministrados na Universidade Rainha Njinga a MBande?

De facto, é uma realidade, dura, mas é, e que, acima de tudo, nos remete a uma reflexão profunda de como temos desenvolvido o nosso processo docente educativo. Na base das insuficiências e inconformidades do relatório, que é público. Teremos de trabalhar para contornar e, assim, elevarmos os nossos níveis de qualidade e submetermo-nos a um novo processo de avaliação.

 

Se os cursos de Medicina não foram validados, como ficam os estudantes?

Os estudantes já matriculados vão continuar até à conclusão do seu curso.

 

O relatório constatou falta de qualidade?

Na verdade, o nosso processo formativo não tem decorrido nas condições ideais, mas, sim, nas condições possíveis. É só olharmos em que condições muitas das nossas instituições do Ensino Superior desenvolvem as actividades. Aliás, fazendo uma retrospectiva do discurso do Senhor Presidente da República, ainda nas vestes de candidato do MPLA, em 2022, fez uma caracterização da situação periclitante em que as instituições do Ensino Superior desenvolvem as actividades e isto, sem sombra de dúvidas, acaba por impactar substancialmente a qualidade do processo.

 

A avaliação só veio confirmar isso?

Se olharmos nestes documentos de avaliação, há vários indicadores, por exemplo, a questão do corpo docente em que, para as universidades, 60 por cento precisa de ser docente em efectivo serviço com grau de doutor e 50 por cento com grau de mestre.

 

E a Universidade Rainha Njinga a Mbande não tem essas condições?

Nós, por enquanto, não atingimos este nível. Vamos olhar também na condição das infra-estruturas. Estas são instalações do Ensino Secundário, foram adaptadas para acolher o Ensino Superior. Então, sem estes elementos, fica muito claro que as actividades se desenvolvem dentro de um cenário possível e não o ideal. E quando se trata de um cenário possível, obviamente que também não se consegue atingir os mínimos que seriam ideais se a mesma actividade estivesse a desenvolver-se dentro de um cenário ideal.

 

O universo de professores de que a Universidade dispõe não tem os requisitos exigidos para o efeito?

Não, não! Isso é público. A Universidade tem um total de 100 docentes efectivos nacionais, a estes se agregam mais de 50 docentes cubanos que asseguram, essencialmente, os cursos das Ciências da Saúde. Esta força de trabalho, o número de doutores ainda é bastante reduzido.

Neste momento, estamos a falar em 14 doutores, temos alguns mestres que penso estarem já numa escala de 40 e os demais são licenciados. Alguns deles cooptados que eram nossos estudantes, mas que reúnem os requisitos previstos no Estatuto da Carreira Docente, que é preciso ter uma média igual ou superior a 14 valores. Este é o cenário. Mas também, dentro da nossa visão, já temos estado a trabalhar na busca de soluções para revertermos este quadro. Como deve imaginar, são recursos humanos, é formação e a formação leva tempo, não é assim num piscar de olhos e num sector tão sensível, que se consegue resolver isso.

 

O sector da Saúde já tem muitos quadros formados, ou não?

Lembra que eu disse que precisamos de 50 por cento de mestres e 50 por cento de doutores? A nossa luta agora é para atingir esta meta. Temos, nesta altura, pouco mais de 35 docentes envolvidos em programas de pós-graduação e destes, 40 por cento está no nível de doutoramento. Uns encontram-se em Portugal, outros na África do Sul e em França. Agora, vamos enviar mais 11 docentes dentro do Programa de Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia (PDCT), do Ministério do Ensino Superior, financiado pelo Banco de Desenvolvimento Africano (BDA).

O Ministério do Ensino Superior fez um acordo com a Universidade de São Paulo e os nossos docentes candidataram-se, buscamos orientadores, identificamos e fizemos esta ligação entre os nossos docentes e os orientadores. Somos, na verdade, uma das instituições públicas que tirou grande proveito desta oportunidade. Nesta altura, são 11, sendo seis no nível de doutoramento e cinco no nível de mestrado.

Estão a trabalhar para cobrir as lacunas?

Estamos a trabalhar para, aos poucos, cobrirmos estas lacunas que estão muito bem identificadas. Aqui, também, há que sublinhar a grande abertura do Ministério do Ensino Superior, que também tem consciência das insuficiências em termos de recursos humanos qualificados de que as instituições precisam. O importante é não perdermos de vista de que o Estado é o promotor das instituições públicas, então, cabe ao Estado delinear estratégias para que as instituições públicas possam suprir as insuficiências. Entretanto, nesta matéria, o Ministério do Ensino Superior tem feito um trabalho bastante árduo e a par destas 11 bolsas, já temos mais outras 18 para os nossos docentes. Caso para dizer que o problema dos recursos humanos com baixa qualificação tem os dias contados.

 

Desse grupo dos 11 que estão em formação, há já uma data provável para o seu regresso ao país?

Temos um docente em França que, praticamente, regressa este ano. Temos também docentes em Portugal que no final deste ano estarão a terminar a sua formação. Há um colega na África do Sul que ainda tem um ano e meio, mas temos docentes como por exemplo o que está na África do Sul, está ligado ao controlo da qualidade da água e alimentos. Vai mostrar as águas de Malanje, então, parte das experiências vão ser feitas em Malanje e outras na África do Sul. Vai ficar nesta ponte aérea, ida e vinda, para a África do Sul e então, é tudo uma estratégia desenhada. A par disso, temos também a questão da formação médica especializada. A questão, por exemplo, do curso de Medicina, precisamos de especialistas em Cirurgia, Pediatria, Obstetrícia, todas as especialidades médicas e também na base de uma parceria com uma Universidade brasileira, com a Universidade Evangélica. Neste quesito, os nossos docentes vão deslocar-se também ao Brasil para a sua especialização, a fim de que, aos poucos, tenhamos médicos especialistas e deixarem de depender da mão de obra expatriada. Ela, naturalmente, é sempre bem-vinda, mas, reduzir estes níveis de dependência. Temos, por exemplo, a questão do idioma que muitos não conseguem se adaptar, dificulta a própria comunicação.

 

Significa que, em breve, a questão dos recursos humanos compatíveis com as exigências de uma universidade deixa de ser problema?

Deixa de ser problema nos níveis em que se encontra, porque sempre vamos precisar de técnicos em áreas muito mais específicas, apesar de serem questões muito pontuais. Mas, estaremos dentro dos níveis recomendáveis para que os cursos funcionem em condições.

Isso é o que tem que ver com os recursos humanos. Temos que ver a questão ligada às infra-estruturas. A infra-estrutura, como disse, é adaptada, pois, foi uma escola do ensino secundário e que, para o efeito, sofreu adaptações que de certa forma não satisfazem os mínimos necessários para o efeito.

 

Este constitui um dos maiores problemas da vossa gestão?

É um dos grandes problemas! Temos a excepção do Instituto Agro-alimentar, que é uma estrutura de raiz que, pelo menos, faz a diferenciação positiva no meio destas grandes dificuldades. Um dos grandes exemplos da capacidade do Estado em termos de infra-estruturas, no entanto, não basta por aí, precisamos de avançar para um Campus Universitário. Felizmente, sabemos que há trabalhos a serem desenvolvidos a nível do Ministério em fase muito avançada e estamos optimistas que a qualquer instante acontece o lançamento da primeira pedra. Aliás, também foi uma das promessas de Sua Excelência o Senhor Presidente da República ainda nas vestes de candidato do MPLA.

 

Onde é que vai ser instalado o Campus Universitário?

Dentro do Plano Director da Província de Malanje, o Campus está projectado para o bairro da Cangambo Ocidental, onde se localiza o Instituto Agro-alimentar. Há uma área de 1500 hectares, reservada para o Campus. Quer dizer que todas estas construções vão ser desenvolvidas já naquela área.

Temos a questão do Campus, que é importante, mas há um outro aspecto. Vimos a questão do homem que também já está a ser trabalhada e o outro aspecto, a questão dos recursos financeiros. Devemos fazer infra-estruturas, ter lá homens, mas estes homens precisam de recursos financeiros porque, senão, as infra-estruturas vão começar a ruir, os equipamentos não vão ter manutenção, entre outras coisas, porque não há recursos financeiros para o efeito. Quer dizer que é preciso fazer a combinação de toda estas variáveis.

 

Acredita que esses recursos financeiros vão aparecer?

A questão do financiamento do Ensino Superior é um dos grandes problemas do nosso país. Nos nossos fóruns, temos estado a dizer que fazer ciência com ordens de saque é impossível, é infuncional. Por exemplo, tenho aqui equipamentos, reagentes, e, em Março, recebi recursos para este propósito. Eu, inclusive, aloquei recursos para isso, só que a ordem de saque que emiti em Março, até hoje, não foi paga. Então, é um grande desafio! Entendemos que o cenário macroeconómico do país não é dos melhores, conforme disse a senhora ministra das Finanças, "a manta é curta” (risos). Se cobrimos os pés, a cabeça fica descoberta, se cobrirmos a cabeça… Então, temos que procurar fazer com o pouco mais e melhor e esse é, na realidade, um grande desafio e a sociedade nos cobra qualidade, quer ver as universidades angolanas no ranking das universidades africanas, no ranking das universidades mundiais, mas não se chega lá apenas por vontade, é importante cumprir com todos os passos para que, naturalmente, possamos estar lá. Portanto, a questão do financiamento do Ensino Superior é um grande desafio que cria sérias dificuldades ao desenvolvimento. Como disse, é impossível fazer ciência e investigação com ordens de saque.

 

Os problemas que acaba de enumerar não criam constrangimentos na qualidade do processo de ensino?

Isto não precisa desenhar! Colocando estas coisas, começa a ficar claro em que condições as nossas instituições desenvolvem as suas actividades, porque, por vezes, para quem não tem noção do cenário em que as instituições desenvolvem as suas actividades, é muito fácil conotar o gestor de incompetente. É preciso estar dentro, viver o dia-a-dia para perceber como é que a coisa funciona, tem que recolher os docentes para virem aplicar exames ou para irem para o campo de estágios e o autocarro não tem combustível. Para o combustível, você emitiu a ordem de saque em Março, em Abril, que até hoje ainda não foi paga. Você tem que se desenvencilhar para encontrar a solução do problema. Então, é um cenário desafiador, mas, isso faz -nos repensar de que jeito temos de optimizar os processos. Temos de criar capacidade de alargar as fontes de financiamento. As instituições têm de buscar estratégias, ter capacidades de deixarem de depender única e exclusivamente dos duodécimos que o Estado atribui.

 

E como chegar lá?

Aí está. Recursos humanos qualificados, infra-estruturas com capacidade de poder prestar serviços à comunidade, enfim. Por exemplo, na Faculdade de Medicina temos um laboratório. Deste laboratório, prestamos exames e aplicamos preços bonificados e atendemos a comunidade, mas, não basta.

O Instituto Técnico Agrário (ITA) é um instituto que temos estado a trabalhar e potencializar, para prestar precisamente este apoio à indústria transformadora, colocar os seus produtos no mercado e prestar assessoria técnica e outros serviços, como controlo de qualidade de alimentos, água e todos os outros produtos. Tudo isto dá suporte para a exportação e também assegurar o modo como são importados. Vimos isso como janela de oportunidades que nos vai permitir alargar a nossa capacidade de financiamento e, também, estar à disposição do sector empresarial para os mais diversos tipos de consultoria, pois isso também vai permitir a alocação de recursos para a Universidade, que precisa de se reinventar.

 

A Universidade tem estudantes vindos de outras províncias e do estrangeiro?

Sim. Temos um mapeamento. Talvez a única província que não tenhamos nenhum estudante é o Cunene, se não me engano. De um modo geral, temos candidatos de todas as outras latitudes. Sobre estrangeiros, temos pouquíssimos. Lembro-me de, no ano passado, termos uma integração curricular, talvez de alguém que teria começado em Cuba o seu curso de Medicina e está a concluir aqui, o número para este capítulo é muito reduzido. Daí que o Campus é uma das nossas grandes expectativas. Veja que o Campus prevê também a acomodação dos próprios estudantes, então, receber estudantes estrangeiros, publicitar a actividade deste Campus, pressupõe termos capacidade interna para acomodá-los, conforme acontece em qualquer outro canto do mundo, algo que, infelizmente por enquanto não temos. Sabemos que mesmo os que vêm de Luanda, Cuanza-Norte, Uíge, das Lundas (Norte e Sul), do Huambo e Cuanza-Sul são as principais províncias das quais temos recebido estudantes. Eles alugam as residências e os familiares apoiam e nada mais que isso. Quer dizer que é um grande vazio que com a construção do Campus vai ajudar a contornar. "Vários Estados-membros adoptaram políticas das TIC’s e quase todos têm um departamento público responsável por estes itens, assim como de questões específicas que foram destacadas para implementar este progresso”, revelou.

O Secretariado da SADC, disse, está a trabalhar no sentido de desenvolver políticas regionais para impulsionar e trabalhar no sentido de desenvolver um quadro de leis, tendo anunciado a criação do Fundo de Inovação Regional como parte dos projectos prioritários, cujo objectivo será o de reforçar os sistemas regionais de inovação, em particular das ligações entre o sector Académico Público e Privado, áreas fundamentais para impulsionar a industrialização.

 

2.888 estudantes no ano 2023/2024

A Universidade Rainha NJinga a Mbande, com sede na província de Malanje, foi fundada em 2020, por meio do Decreto Presidencial 285/20 de 29 de Outubro. A ministra os cursos de Medicina, Enfermagem, Farmácia, Psicologia Clínica, Análises Clínicas, Ciências de Alimentos, Engenharia Agroalimentar, Direito, Sociologia, Gestão e Administração, Gestão em Hotelaria e Turismo, Psicologia Social, Ensino da Matemática e Ensino da Geografia.

No início do segundo semestre do ano lectivo 2023/2024, a instituição tinha 2.888 estudantes.

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