Opinião

O tradutor de vidas

Salvador Ximbhulika*

*Professor e Escritor

Se o que digo, a seguir, conduzir a uma implicatura (pragmática) de que resumo a vida do ser, sim, teremos graves problemas com os estudiosos da Comunicação.

12/05/2024  Última atualização 10H04

Viver não seria morrer todos os dias por alguma causa? Não seria encostar os nossos ombros a alguma árvore? Não seria andar com os pés assentes no chão e pressagiar prosperidades advindas dos nossos esforços? Não sabemos que o prazer dispensa o medo, que certas coisas encontram o maravilhoso por serem de pouca duração, qual a vida na sua efemeridade, como nos deixou o velho Oscar Wilde?

Neste Cemitério de Futuros Adiados, a lacuna cerebral vira uma forma leviana de encarar as agruras da vida. Submeto-me a um teorema para o qual nem Pitágoras encontrou respostas mais próximas. É que o caminho não sei de onde me ensina a cultivar o instinto de dúvida face ao que transporta tamanha lucidez.

Aos poucos, querendo ou não, o homem vai perdendo a última pilha restante. Por isso, o seu motor interno é virado ao fracasso. Sabemos onde está o ponto fulcral? É no pensamento que deveríamos pensar. A gente está a viver o neoplatonismo da nossa própria preguiça. Esta morfologia do ser não é nada uma sintaxe linear, uma ordem canônica da frase.

Na vida, isto aprendi fora da escola, temos de saber ouvir a nossa alma. Há dias em que sinto a cegueira no meu ser, meus olhos são curtos e meus pés sem uma visão holística. A verdade é que eu não valho mais do que um mero objecto de uso. Tarde ou cedo, alguém me vai considerar uma peça do passado, um X a isolar no processo matemático da comemoração.

Como me nego em muitas luas o desejo de pensar, nem me importa a filosófica catequese de Foucault, pois tenho um cérebro de areia e, na primeira enxurrada, sou arrastado ao vale do esquecimento, da podridão, do não reconhecimento, tal o que sucedeu com o poeta que queria escrever uma carta ao seu amor, no desejo de contar-lhe como era dura a vida de Monangamba. Sim, falta filosofia como forma de vida, como bússola para ver o que é visível, para questionar as verdades absolutas, romper certas correntes, partir padrões obsoletos e prometer a mim mesmo o devido valor: quando um homem pensa muito pouco, ele é reduzido à sua nascença, porque até os animais ditos irracionais têm tempo para calcular os seus actos, atacar e seguir caminhos ou pistas.

Quem não aceita que neste Cemitério de Futuros Adiados se vive atrás de um amanhã que tarda e que deve ser arrancado das mãos dos celestes, pode, a partir de hoje, arrumar todas as suas coisas e voltar para onde nunca deveria ter saído.

Um corpo como o seu, que vive às custas de uma propaganda eleitoral, não serve nunca para um contexto onde são tomadas decisões sérias sobre vidas. Prazer, se não me conhece, sou aquele de quem a sua preguiça menos gosta: O Provável Tradutor de Vidas, que ainda se inicia no ofício de traduzir vidas que, aos olhos do discurso comum, não significam nada.

*Professor e Escritor

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