Cultura

Onkhili é dançada por várias gerações na região da Huíla

Domingos Mucuta | Lubango

Jornalista

Ao som de Ongoma (batuque), os dançarinos são atiçados. Saltam e xinguilam. Os movimentos acrobáticos provocam assobios da plateia e interjeições em língua nacional Nhaneka. “Tatieee! Hulu Hulu!”, ouve-se do público.

30/04/2024  Última atualização 09H20
© Fotografia por: Domingos Mucuta | Edições Novembro

As mulheres, formadas em meia lua ao lado de exímios batuqueiros, batem palmas e cantam. Os panos amarrados à cintura dos dançarinos voam aos pulos. A poeira paira no ar. Os aplausos e os cânticos associados aos ritmos misturam-se no ambiente de festa.

Uma dançarina sai daquela meia lua. Dá três passos à frente do grupo. Lá vem o homem aos saltos acrobáticos. Simula. Rodopia.  Recua. Grita. Depois avança para a mulher que o suspende lá no alto. Já está. O par sai e entra outro para a execução da performance de Onkhili.

Este estilo de dança tradicional é típico dos habitantes dos municípios de Cacula e Quilengues. A dança continua a ser transmitida de geração em geração nas comunidades das duas circunscrições pelos anciãos, que a aprenderam com os ancestrais.

A dança, executada ao ritmo de instrumentos musicais com várias sonoridades, é um dos estilos que anima diferentes tipos de festas nas comunidades, carnaval e eventos institucionais, como inaugurações e outras cerimónias oficiais.

O agrupamento cultural do sector de Vihamba, no município de Cacula, é um dos conjuntos que, apesar das dificuldades, assume a dinamização das danças tradicionais da região, com destaque para Onkhili. O grupo resgata os toques desta dança praticamente semi-acrobática para exibir os seus dotes artísticos, cujo detalhe fundamental consiste em suspender o homem ao ponto mais alto possível pela força da mulher.

A reportagem do Jornal de Angola foi conhecer os praticantes de um dos grupos tradicionais que mantêm acesa a chama de uma das principais danças da região.

O grupo cultural do sector de Vihamba é um dos três conjuntos do município de Cacula que resgatou a dança das comunidades para os palcos de eventos oficiais.

Formado por mais de 50 elementos, o grupo tem sido convidado frequentemente para participar na animação de festas de iniciação masculina e feminina dentro do espírito de preservação dos traços culturais e identitários dos povos Nyaneka Humbe.

Dançarinos de várias faixas etárias estão empenhados na divulgação do Onkhili para perpetuar a tradição aprendida com os ancestrais. O chefe do agrupamento, Fernando Kaingona, explica que o elenco está sempre disponível para apresentações públicas e é conhecido pela qualidade delas.

Fernando Kaingona, 66 anos, ainda mantém a dinâmica para ser elevado à altura mais alta possível. "Quem não sobe muito está a aprender. Deve exercitar muito bem para conseguir se elevar mais. Estou velho, mas as pessoas admiram como é possível subir tanto. Esta dança é muito respeitada. Não pode faltar o Onkhili nas festas de iniciação”, afirma.

Fernando Kaingona é um dos fundadores do grupo cultural de Vihamba ou Muhamba, em língua nacional Nyaneka Humba, criado a 4 de Fevereiro de 1983 com o objectivo de manter vivas as danças tradicionais.

"O grupo existe há mais de 41 anos, apesar de todas as dificuldades. Tínhamos mais de 100 membros,mas actualmente ficámos com 26 homens e 33 mulheres. A nossa missão é dançar e valorizar as nossas danças e a nossa cultura”, disse.

O grupo tem como cartão de visita a dança Onkhili. O grande mestre do batuque, que toca desde os 13 anos, pede às autoridades mais valorização dos grupos de dança tradicional para continuarem a realizar os seus trabalhos de divulgação da cultura local. Lamenta a falta de apoio aos membros do grupo, como indumentárias, instrumentos musicais e meios financeiros para não deixar morrer tão importante marco da cultura nacional.

"Este batuque, por exemplo, me foi oferecido pela minha mãe quando eu tinha 13 anos. Estes dois estão connosco há muito anos. Não temos apoio para continuarmos. Os membros sobrevivem da agricultura, porque se dependesse da dança seria muito complicado”, lamenta, afirmando que "a dança não dá dinheiro”.  "Quando nos convidam não pagam. Estamos preocupados, porque não há apoio para os grupos. É preciso estimular os grupos tradicionais para manter a chama da nossa cultura. Não temos quaisquer apoios”, acrescentou.

Pedro Khole, 39 anos, é dos mais novos do grupo. "Encontrei esta dança. Os meus avós e pais já dançavam Onkhili”, disse o jovem, cuja prática fez dele um dos mais exímios dançarinos do grupo.

Ele afirma que faz tudo para preservar a dança Onkhili, porque é património da comunidade. "Esta dança não vai desaparecer”, afirma o jovem dançarino, que também já sabe executar os ritmos dos batuques.

Pedro Khole confirma que a juventude da localidade está apostada na preservação das suas raízes. Para ele, a dança está entre os valores culturais mais importantes que a nova geração mantém como parte da sua identidade cultural.

"Esta é a nossa dança. É a nossa tradição. Faz parte da nossa cultura, por isso, estamos a fazer tudo para que nunca morra. Onde há festa, há também dança. E aqui a Onkhili não pode faltar”, argumenta, apelando por mais apoio aos grupos culturais tradicionais organizados.

Além de Onkhili, Pedro Khole e membros do grupo dançam também Vindjomba, Caujanguela e Lundongo.

Ministro da Cultura felicita grupos de dança no país

O ministro da Cultura, Filipe Zau, felicitou ontem, em Luanda, os grupos de dança do país pela relevância que esta linguagem corporal representa, quer como manifestação artística, quer como riqueza patrimonial, dada a diversidade de estilos em presença.

Em comunicado de imprensa, por ocasião do Dia Mundial da Dança, comemorado ontem, Filipe Zau destaca que o reconhecimento do semba, enquanto música e dança, em 2023, como Património Imaterial Nacional e, do mesmo modo, no passado dia 18 de Abril de 2024, dos géneros kizomba e tchianda, no âmbito das celebrações do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, ilustra a importância que o Executivo angolano dedica a esta arte performativa, a promover em Angola e também no estrangeiro.

Neste contexto, refere na nota, continuam a diligenciar, no sentido de inscrever o semba, tal como já ocorreu com os Sona, na lista indicativa da UNESCO, como Património Cultural Imaterial da Humanidade.

A data serve de incentivo ao levantamento de um número cada vez maior de géneros musicais e de dança, que caracterizam a diversidade cultural no país, quer a nível urbano, como rural, visando a sua inventariação e salvaguarda identitária patrimonial.

O Dia Mundial da Dança foi instituído pela UNESCO, em 1982, em homenagem ao coreógrafo francês Jean-Georges Noverre (1727-1810).

Pesquisadora Marcelina Gomes defende o ensino das danças

A pesquisadora Marcelina Gomes defende o ensino das danças tradicionais, sobretudo de Onkhili, através de grupos escolares para serem divulgadas e assimiladas pelas novas gerações.

"Pode-se promover concursos entre as escolas locais sobre danças tradicionais, cujos vencedores devem ser premiados, como forma de garantir a continuidade dos nossos estilos de dança ancestrais”, defendeu.

Marcelina Gomes explica que a coreografia da dança Onkhili transmite uma mensagem da capacidade da mulher em suportar pesos, ao conseguir suspender o homem a alturas incríveis. A dança revela também o charme e o poder de conquista da mulher, além de servir como forma de diversão.

"É possível ver que a mulher, considerada como frágil, a levantar os homens num grande voo. Quando vemos isso compreendemos que as mulheres são habilidosas e fortes. É precioso ter conhecimento dos passos e atenção para acolher o dançarino que se atira nos braços da mulher”, argumenta.

Os traços raros do estilo devem estimular pesquisadores para o estudo desta dança predominante em Cacula e Quilengues. Marcelina Gomes exorta a todos, sobretudo às autoridades, sociedade civil e classe empresarial, a preservar as danças tradicionais da província da Huíla, apoiando os grupos organizados que promovem os estilos.

"É preciso apoiar as comunidades que ainda preservam esta dança. Não seria nada mal que se realizassem estudos profundos e divulgação nas escolas do ensino geral e de dança. É preciso mais suporte para que os grupos se possam desenvolver e expandir as suas apresentações”, defendeu.

A docente universitária, que prepara uma obra literária sobre o assunto, entende que o estilo pode ser classificado como património imaterial nacional e depois propor à UNESCO para ser elevada a património mundial da humanidade.

Marcelina Gomes descreve elementos fundamentais que podem ser tidos em conta como critérios para a classificação desta dança como património nacional. "É música e dança, pois não há separação entre as duas disciplinas, rara e específica desta região, tem significação e ancestralidade. A mulher é protagonista do ápice da performance, além de que faz parte da nossa cultura”, referiu.

        

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