Actualmente, as organizações estão a enfrentar o fenómeno da “escassez de profissionais qualificados”. Os gestores têm enfrentado dificuldades em reter profissionais com as habilidades e os conhecimentos necessários para manter a organização competitiva.
Dois acontecimentos relacionados com os direitos humanos marcaram a semana finda. O Conselho Superior da Magistratura Judicial realizou, na quinta-feira, a cerimónia de celebração do primeiro ano desde a instituição da figura do juiz de garantias no ordenamento jurídico angolano e, na sexta-feira, foi comemorado o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
No aparato conceptual da historiografia literária angolana encontramos referentes de gerações literárias e genealogias de escritores, inscritos no campo da tradição literária secular. Donde os autores podem existir sob anonimato, tal como é o caso das literaturas orais ou como sujeitos nominados, em literaturas escritas. Em todo o caso, escritores e os autores são pessoas com identidades próprias que mantêm vínculos de pertença a comunidades históricas. Por essa razão, quaisquer dissidências ontológico-literárias representam um fenómeno digno de ser tema da história literária, filosofia da história e da filosofia da literatura
Estado de coisas
Quando, no princípio da década de 80 do século XX, iniciámos os estudos universitários e se desenvolvia o emergente associativismo literário juvenil em Angola, a esquematização periodológica dominante nas historiografias literárias que privilegiavam a literatura escrita em línguas europeias, em muitos países do continente europeu e americano, inspirava-se em grande medida no método geracional. No espaço de língua portuguesa, a volumosa obra do professor português, Vítor Aguiar e Silva (1939-2022), da Universidade de Coimbra e mais tarde da Universidade do Minho, dava o tom dos debates académicos ocidentais. Paralelamente, acompanhávamos outros debates que se desenvolviam em África, na América Latina e na Ásia. Dedicávamos especial atenção às reflexões produzidas nos domínios da história literária e da crítica literária africanas.
Ora, a referida obra de Vítor Aguiar e Silva veiculava propostas de uma periodização literária assente no conceito operatório de geração literária. Seguindo os dogmas das teorias da história e da historiografia literária, ela laborava com uma definição dos conhecidos clássicos ocidentais. Estava subjacente um fundamento que tinha uma base biológica, histórica, sociológica e cultural. Por geração literária entendia "um grupo de escritores de idades aproximadas que, participando das mesmas condições históricas, defrontando-se com os mesmos problemas colectivos, compartilhando de análoga concepção do homem, da sociedade e do universo e advogando normas e convenções estético-literárias afins, assume lugar de relevo numa literatura nacional mais ou menos na mesma data”.
Karl Mannheim
Durante muito tempo, a Alemanha revelou-se como palco das frequentes reflexões sobre o conceito de geração e que contribuiriam para a consolidação do seu sentido. O sociólogo alemão Karl Mannheim (1893-1947) foi um dos que se manifestou interessado em tematizar a questão geracional, em 1928, ao publicar um importante ensaio, intitulado "O Problema das Gerações”. Ao elaborar a sua síntese, identificou duas abordagens: 1) "positivista” e 2) "histórico-romântica”. Ambas as escolas representavam dois tipos antagónicos de atitudes em relação à realidade e diferentes formas de abordar o problema. A atitude dos positivistas privilegiava a perspectiva quantitativa, baseada nas regularidades biológicas da duração da vida. Já a atitude histórico-romântica adoptava uma abordagem qualitativa, privilegiando as manifestações da existência humana e dimensão histórica da geração. Karl Mannheim concluía o seu pensamento nos seguintes termos: "O fenómeno das gerações é um dos factores básicos que contribuem para a génese da dinâmica do desenvolvimento histórico. A análise da interacção de forças neste contexto é por si só uma grande tarefa, sem a qual a natureza do desenvolvimento histórico não pode ser adequadamente compreendida (…). A análise sociológica formal do fenómeno da geração pode ser útil, na medida em que podemos aprender com ela o que pode e o que não pode ser atribuído ao factor geração como um dos que influenciam o processo social.”
Crise histórico-literária europeia
A crise da "história da literatura nacional” na Europa vinha trilhando um caminho de "decadência constante”, tal como tinha sido diagnosticada por Hans Robert Jauss (1921-1997), em 1967, na lição inaugural "A História da Literatura como Provocação à Teoria Literária”, proferida na Universidade de Constança, cuja versão original do título era diferente: "O Que é e com que Fim se Estuda História da Literatura?”. Para o crítico e filólogo alemão da Escola de Constança, a história da literatura, enquanto "venerável disciplina” e como matéria obrigatória, tinha desaparecido do currículo do ensino secundário alemão. Já não coroava o apogeu da carreira de um filólogo. Na referida lição, Hans Jauss apresentou doze teses em defesa da corrente que se convencionou chamar "estética da recepção”. Pretendia superar o abismo que se instalava entre a literatura e história, entre o conhecimento histórico e o estético. Em seu entender, tornava-se necessário renovar a história da literatura, eliminando os preconceitos do objectivismo histórico em nome de um "experienciar dinâmico da obra literária por parte de seus leitores”. As teses de Hans Robert Jauss encontram eco em intervenções de professores influentes nos Estados Unidos da América. É o caso de René Wellek (1903-1995) que escreveu um artigo sobre a situação que abalava a história literária, "The Fall of Literary History”, (A Queda da História Literária), publicado na Alemanha, em 1973.
Portanto, a crise traduzia-se em questionamentos que incidiam sobre o conceito de geração e do método geracional. Tendencialmente, a autoridade dos clássicos do método, tais como o crítico literário e ensaísta francês, Albert Thibaudet (1874-1936) ou o linguista e investigador literário franco-norte-americano, Henri Peyre (1901-1988), foi sendo posta em causa.
Método geracional
Em França, por exemplo, o abandono do método geracional culminou, no século XX, num contexto dominado pela ascensão do estruturalismo e da semiologia com a apologética absolutização do texto literário. Semelhante circunstância podia ser tomada como fonte de razões para explicar a falência desse modelo para as literaturas africanas. De resto, nesse mesmo período a história literária, a crítica literária e a filosofia registavam processos de mudanças, ao nível institucional e epistemológico.
No contexto do discurso historiográfico literário fora da Europa, o método geracional foi igualmente adoptado em Angola ainda na primeira metade do século XX, tendo Carlos Ervedosa (1932-1992) tido o mérito de divulgar o seu uso com as sucessivas edições da sua "resenha”, "itinerário” e "roteiro” da literatura angolana. Trata-se de um método cuja fortuna, no campo dos estudos literários, ocorria por força do diálogo interdisciplinar que se estabelece com a história e a sociologia.
A este propósito, entre o abandono e a utilidade do método, o norte-americano Alan B. Spitzer (1925-), no seu artigo "The Historical Problem of Generations”, publicado em 1973, na The American Historical Review, reiterou a importância do conceito de geração. Considerava que "cada geração escreve a sua própria história de gerações”. Em França, o método geracional é abordado em domínios já mencionados. Na sociologia, o francês Robert Escarpit (1918-2000) refere-se à geração literária, na senda de autores franceses como Albert Thibaudet e Henri Peyre, como um fenómeno que se manifesta através da segmentação de cada literatura em zonas cronológicas e datas de nascimento dos escritores, sendo estes agrupados em "equipas”. Por outro lado, chama a atenção para as cautelas com que se deve usar a noção de geração, apontando como armadilha a "tentação cíclica”.
Falência do modelo
O mal estar por que passou a Europa perante a crise da história literária tem uma outra manifestação, no presente século. Trata-se do livro de um investigador italiano, Franco Moretti, "Graphs, Maps, Trees. Abstract Models for Literary History”, 2005, (Gráficos, Mapas, Árvores. Modelos Abstractos para História Literária). É um livro que ainda vai suscitando debates nos meios académicos europeus e norte-americanos. Moretti confessa que o seu livro é um ensaio sobre a história literária. Atribui à literatura um sentido de território antigo, no qual identifica um novo objecto de estudo. Não contam as obras concretas e individuais. Elege "construções artificiais”, designadamente, gráficos, mapas e árvores, tendo em vista a compreensão do texto, enquanto processo que sofre deliberadas abstrações que se analisam em formas, relações, estruturas, formulários e modelos. Franco Moretti procura alternativas que permitam assegurar a produção de narrativas, longe dos modelos tradicionais. Admite a possibilidade de uma história literária substantiva que seja inteligível com base em gráficos, esquemas arborescentes representativos e outras formas.
Dissidência ontológica
Em que medida essa crise e falência de modelos da história literária se repercutem em países como Angola? Identifico dois sinais disso. Em primeiro lugar, a dissidência ontológico-literária tipificada pelo comportamento de Mário António Fernandes de Oliveira (1934-1989)cuja ilustração é a sua obra literária e historiográfica, se quisermos dar importância à condição de "agente da verdade”, na medida em que essa dissidências e exterioriza através da actividade discursiva e argumentativa, enquanto pessoa humana. A dissidência ontológica não é nada que se confunda com a dissidência política. Em segundo lugar, a evidente recusa do vínculo geracional que, no modelo historiográfico de Carlos Ervedosa (1932-1992), o inscrevia na geração de escritores nascidos na década de 30 do século XX, por exemplo, Arnaldo Santos(1935), Henrique Guerra (1937-2023) e Luandino Vieira (1935). Por outro lado, a síntese da sua obra historiográfica encontra-se condensada no livro que resulta da tese de doutoramento, "A Formação da Literatura Angolana (1851-1950)”, apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, em 1985. Por conseguinte, essa dissidência ontológico-literária verifica-se a partir do momento em que a sua existência, enquanto pessoa humana, deixa de ser interpretada à luz das conexões que se estabelecem com a tradição literária comum, partilhada por aqueles escritores da sua geração e que integram a comunidade histórica de que a literatura angolana é património.
Fenda: reflexão e identidade
A fenda produzida entre a relação reflexiva e a identidade pessoal de Mário António Fernandes de Oliveira não garante consistência ontológica à narrativa daquela obra que, aliás, se inscreve no campo da história intelectual. Pouco tem a ver com a história literária. Tal desvio deve-se ao compromisso e à motivação que o mobilizam, ao eleger como problema central "o quadro de encontro de culturas que ilustra o contacto da literatura portuguesa com culturas africanas, numa localização em que poucas vezes tem acontecido o seu estudo, mas onde longamente se processou, a costa de Angola”. Como se pode depreender, não é de literatura angolana e sua tradição que se trata. Interessa-lhe a tematização da influência cultural portuguesa apenas, pressupondo-se que não há culturas pré-existentes. Julgo ser relevante trazer à conversa o tratamento filosófico da pessoa humana. Por isso, não deve a sua biografia ser confundida com a sua condição biológica. Mas é a fenda da dissidência ontológica que suporta a ausência de alternativas, no que diz respeito aos modelos de história literária. O que poderia ser uma história literária comparada de literaturas representativas de comunidades históricas, dá lugar a uma história do luso-tropicalismo literário. Isto é, a possível história literária angolana não pode ser fonte de qualquer tipo de discurso legitimador. Assim se compreende que, enquanto protagonista de uma dissidência política, durante a luta de libertação nacional, as propostas historiográficas formuladas por Mário Pinto de Andrade (1928-1990) em toda a sua obra não tenham evidenciado qualquer dissidência ontológica.
Conclusão
Portanto, onde se observam os efeitos de uma crise ontológica, isto é, a dilaceração da identidade de quem produz discursos historiográficos, não pode haver correspondente segurança ontológica. Assim, a necessária vigilância epistemológica, que deve estar presente em quaisquer processos de produção de conhecimento histórico e reflexões de carácter historiográfico, é observável em Mário Pinto de Andrade. Não está ausente. Para todos os efeitos, volta a ser relevante referir as funções da história literária, destacando-se aqui o potencial de oportunidades para se explorar a alteridade para a qual remete, por se tratar de um dispositivo institucional de legitimação.
*Ph.D. em Estudos de Literatura, M.Phil. em Filosofia Geral
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