Entrevista

“Os angolanos gostam muito da dança e música indianas”

Katiana Silva

Jornalista

A cidadã indiana Nandana Shivakumar ensina, desde 2022, danças indianas a crianças angolanas. O seu grupo chama-se “Now Together” e actualmente ensaia no bairro Calemba II, em Luanda. No total são 23 dançarinos com idades compreendidas entre 11 e 20 anos. “Eles têm um senso de ritmo muito bom. Mesmo não entendendo a linguagem ou significado da música eles aprenderam os passos com muita facilidade e entusiasmo”, garante Nandana Shivakumar

28/07/2024  Última atualização 11H57
© Fotografia por: João Gomes | Edições Novembro

Quem é Nandana Shivakumar?

Sou professora de dança na Embaixada da Índia em Luanda. Nasci na Índia, na cidade de Bengaluru Karnataka, a 20 de Janeiro de 1982.

Sou formada em mídia electrónica. Porém, desde criança que tenho uma paixão pela dança. Aos cinco anos, os meus pais enviaram-me para aprender as danças clássicas indianas bharatanatya e kathak com o renomado guru (professor) de dança, Dr. Suparna Venkatesh. Desde então tenho dado vários programas de dança pelo mundo todo.

 Quando chega a Angola?

Depois do meu casamento com Shivakumar, quadro do ramo petrolífero, vivemos dois anos na China,onde também dava aulas de danças indianas para crianças chinesas. Quando viemos a Angola, há 10 anos, não conhecíamos o local nem a língua portuguesa, por isso não consegui começar imediatamente as minhas aulas de dança aqui. Demorei alguns anos a estabelecer-me e só em 2022 fui à Embaixada da Índia em Luanda e conheci a antiga embaixadora, Pratibha  Parkar. Ela foi muito encorajadora e sugeriu-me que ministrasse aulas gratuitas de dança indiana, no intuito de estabelecer uma boa relação cultural entre os dois países. Felizmente, o actual embaixador, Vidhu. P. Nair, também apoia este projecto.

 Como lhe surge o interesse em formar um grupo de dança de meninos da periferia de Luanda, concretamente do bairro Calemba II?

Comecei as aulas de dança nas dependências da embaixada. Entretanto, uma vez a embaixada apresentou-me a um grupo de alunos da escola de inglês James English School, localizada no Calemba 2, que tem beneficiado do seu apoio. Os alunos manifestaram o interesse pela dança e foi assim que comecei a dar aulas aos sábados. Mas devido a longa distância do Calemba II para a Embaixada da Índia, no Talatona, os alunos não tinham condições de pagar as despesas do táxi. A Embaixada da Índia ajudou-os com transporte algumas vezes, mas era difícil para as crianças viajarem esta longa distância e depois frequentarem as aulas de dança. Os alunos mostravam-se muito interessados em aprender a dança da Índia mas não conseguiam assistir às aulas, e isso realmente me incomodava muito.Sentia-me muito mal por eles.Foi assim que resolvi solicitar à antiga embaixadora, Pratibha Parkar, para me permitir ir ao Calemba II ensinar a dança, ao invés de serem as crianças a viajarem até o Talatona. A senhora Pratibha Parkar ficou logo preocupada com a minha segurança, mas depois foi muito gentil em concordar. Viajo todos os sábados da Maianga para Calemba II para ensinar a dança indiana.

 Quantos elementos são e como foi o processo de selecção destes alunos?

No total, são 23 integrantes com idades compreendidas entre 11 e 20 anos. Não existiu um processo de selecção, foi tudo uma questão de interesse pessoal em aprender. No geral, a continuidade tem dependido da pontualidade e muito trabalho.Eles têm um senso de ritmo muito bom. Mesmo não entendendo a linguagem ou significado da músicaaprenderam os passos com muita facilidade e entusiasmo.

 Que tipos de dança indiana ensina às crianças?

O grupo apresenta dois estilos de dança clássica indiana, respectivamente bharatanatya e kathak, mas também ensino diferentes tipos de danças folclóricas indianas e bollywood, bem como incluo o estilo livre indiano. Geralmente depende da ocasião e da exigência do programa.Porém,  esperamos que no futuro, se obtivermos um bom apoio de ambos os países, Angola e Índia, as crianças angolanas tenham a oportunidade de exibir o seu talento em todo o mundo. 

Da vossa parte, há essa pretensão?

Existe um departamento do Governo indiano chamado Conselho Indiano para Relações Culturais, responsável pelos programas de intercâmbio. Por essa via, acredito que a Embaixada da Índia terá planos de levar formas de dança angolana para a India, porque poucos grupos viajaram para lá para apresentar música e dança angolana.

 
Dentro do estilo bollywood são associados outros estilos, como hip-hop, kuduro ou semba?

Não. Na dança bollywood não há influências do semba, kuduro ou hip-hop. É baseada no estilo de dança folclórica indiana. Mas futuramente poderemos apresentar uma dança em que combinaremos as formas de dança angolana e indiana.

 
Como olha para o intercâmbio cultural entre os dois países?

O intercâmbio entre os dois países é muito bom. Os angolanos gostam muito da dança e música indiana, principalmente dos trajes e ornamentos. Nós, indianos, também gostamos da música e da dança angolana. No ano passado houve um evento denominado Namaste Índia organizado pela Embaixada da Índia, realizado na marginal de Luanda num grande palco onde muitos angolanos e indianos actuaram juntos. E muitos indianos são casados com angolanos e vários se dão bem.

 Que influências teve a Embaixada da Índia no processo de criação deste grupo?

O objetivo da Embaixada da Índia era apresentar aos angolanos as formas de dança indiana. Sabemos que há muitas pessoas cá em Angola que já ouviram falar em danças indianas e querem aprender mas não têm professor ou aula adequada. Essa foi a razão que levou a Embaixada da Índia a iniciar as aulas gratuitas de dança indiana em Luanda. É a história das primeiras aulas de dança indiana em Angola. É um orgulho.

 Quais são os desafios?

São muitos os desafios. Primeiro, o local onde praticamos a dança, no Calemba II. O chão é de barro e não há espaço para os alunos dançarem à vontade, mas mesmo assim todos conseguem praticar. Quando chove é difícil ter aulas por alguns dias por causa da lama, visto que os alunos às vezes se machucam por causa disso,já que a dança clássica indiana é executada com os pés descalços. No que toca aos trajes, existem trajes diferentes para cada dança. Na Índia alugamos os trajes ou podemos costurá-los, mas aqui em Luanda é difícil porque precisamos desse tipo de pano. Apesar de termos conseguido, não há alfaiates que saibam costurar no estilo indiano. Por isso, sempre que vou à Índia de férias trago o máximo de fantasias e jóias que posso.


Depoimentos dos dançarinos

Foi com emoção e curiosidade que os integrantes do grupo de dança indiana Now Together receberam a equipa de reportagem do Jornal de Angola, numa manhã de sábado. Apesar do espaço não proporcionar conforto e do chão de barro não ser apropriado ao tipo de dança, nada impediu que os alunos demonstrassem, com grande satisfação, um pouco do que aprenderam.

O primeiro a ganhar coragem para falar à nossa reportagem foi Domingos Zeca, estudante do primeiro ano do curso de electrónica no Instituto Politécnico Industrial Makarenko. Domingos Zeca explicou que não contava um dia entrar no mundo da dança, mas se sentiu "chamado” ao assistir a alguns ensaios da professora Nandana.

"Estou há um ano no grupo e estou a gostar da experiência. A cada dia vou aperfeiçoando as coreografias. Já me sinto preparado para enfrentar vários desafios. Em termos de experiência, hoje já penso em profissionalizar-me no mundo da dança. Porque esta arte se tornou para mim em união. Hoje é o meu meio ideal para expressar os meus sentimentos”, confessou.

O futuro engenheiro Nzuzi Jeremias, estudante do curso de electricidade no colégio Elizandra, entrou para o mundo da dança por influência do seu irmão mais velho, um amante das dinâmicas do hip-hop. Ingressou no grupo Now Together a convite dos amigos, com os quais tinha criado um grupo de dança que popularizou as suas perfomances através das redes sociais. Tudo mudou quando um dia participou numa actividade da Embaixada da Índia e se cruzou com a professora Nandana, que de imediato reconheceu o talento do jovem.

"Hoje estou feliz por fazer parte deste grupo, e tenciono viajar o mundo inteiro com a minha arte”, partilhou.

Sofia Panzo, de 17 anos de idade, estudante do curso de ciências físicas e biológicas, começou o seu percurso na dança aos seis anos. Quando criança, em reuniões de família e festas de casamento já dava sinais do seu talento pela dança.  Sofia Panzo disse que sempre teve o apoio dos pais. Na qualidade de aluna de língua inglesa na escola James English School,  está no grupo desde o arranque do projecto.

"Eu amo a dança. Estou sempre disponível para aprender outras culturas através da dança”, exprimiu.

Doroteia António começou a praticar a dança aos doze anos e ingressou no grupo através de um convite, que aceitou no momento.

"Sinto-me muito bem em fazer parte deste grupo. Quando estou em ambiente de dança sou uma pessoa alegre e a cada movimento torno-me mais leve. Gostaria também de um dia chegar até a Índia”, salientou.

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