Opinião

Ou a agonia dos contrastes

Pedro Kamorroto

Tudo em mim sabe à alegoria. Folião da vida. Folião dá vida às más caras que guardo em mim.

07/07/2024  Última atualização 12H54

As mesmas são para mim relicários, não apenas evasivas, tubos com vários escapes.

Em mono ou em dia, soudefinitivamente um logro.

Aluno-mestreda arte da farsa. É deste jeito que acumulo primitivamente logros, consequentemente o cobiçado poder de barganha.

Adoro representar, acenar, encenar, contracenar. Pertenço à confraria dos carnavalescos com quota em dia. Tenho licença para ser actor neste circuito adstrito à teatralidade da vida.

Sonho um dia tornar cristalino, habitáveleste grande deserto em que o meu interior se transformou.

Tudo é representação, encenação. Suporto a cruz de chumbo dos dias deste jeito.

A vida ora é carne que val(e), ora é teatro do absurdo.

Rictos, dentuças à mostra apagam brasas, labaredas de proporções internas?

O carnavalesco ri, vive entre a auto-ironia e o cinismo crónico, faz-se de modesto, mas no final do dia, é um cão solitário, velho, desdentado, acabaram-se-lhe as salivas todas. Como vailamberas suas feridas?

É o mínimo que poderia fazer. A saliva pode ser tábua de salvação. A falta dela: devastação, agonia dos contrastes, anulação da vaidade, tiro na culatra do ego.

No fundo, o carnavalesco é alegoria de si mesmo, na montra representa a si mesmo, dissimula que está a entreter o espectador que ama tanto o sádico como o trágico.

À entrada do entrudo, sabe que tem que desfilar, representar bem o papel incumbido, sob pena de comprometer o espectáculo.O espectáculo do absurdo está acima de tudo, o que o carnavalesco representa não pesa, não deforma a balança.

Estou a vasculhar a rua, a virar-lhe de cima a baixo, a desarrumá-la de todos modos e feitios com fito de encontrar as suas cores, mas o que enxergo remete-me ao caos, nebulosidadeneuro e tóxica. A rua está mult-incolor, insone, absurda...

A rua que vasculho parece tomada por uma sucessão de eventos estranhos, há um deserto severo à sua volta. Desconfio que os que ainda dão o ardas suas graças, os que ainda circulam nela, são espectros, representam, encenam um mundo cheio de aparições.

O túnel do tempo sísmico passou nas caixas colectoras da rua que procuro como se tivesse a mesma importância de um relicário. O que dá para ainda fisgar para além da passagem do tempo sísmico? Pelos vistos, mais espectros, mais fornadas de seres, embora presos nas suas alegorias não enxergam a atmosfera, as nuvens negras que trazem nos olhos. Aliás, o tempo sísmico passa pela placa tectónica de todos.

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