Sociedade

“Quero escrever livros que transformem vidas”

Rui Ramos

Jornalista

Segundo de nove irmãos, Lourenço Malungo Muti “Sete Mares” é filho do casal Fidel Simão Muti e Luzolo Tomás Muti. Nascido em Quimbele, província do Uíge, a 23 de Setembro de 2000, completa 24 anos de idade este ano.

19/05/2024  Última atualização 09H39
© Fotografia por: DR

"O meu pai é Reverendo Pastor da Igreja União Evangélica Baptista em Angola (UEBA). A minha mãe é vendedora ambulante e dona de casa, pois, diferente do que muitos pensam, a vida de um pastor não é um mar de rosas. Ele não senta e cruza os pés e as mãos esperando que as ovelhas trabalhem e lhe dêem de comer”, revelou, acrescentando que é bem diferente. "Passamos dificuldades inimagináveis, mas nunca nos faltou Deus, ou união entre a família. Sempre lutamos para manter viva a chama da família do nosso nome”.

O ensino primário, contou, fez no Colégio Número 30, em Quimbele. "Depois fui levado pela minha avó para morar com ela numa outra aldeia. Tive de repetir a iniciação numa outra escola, não acabei o ano lectivo por ter adoecido. Fui levado para uma outra aldeia, junto dos pais, onde voltei a estudar. Em suma, fiz a iniciação três vezes. Por isso, com sete anos ainda estudava a 1.ª classe”, recorda.

Com 9 anos, lembra, viajou, a convite do tio Pedrito, para Luanda, onde fez a 3.ª classe no Colégio Vítor Kess, no município do Kilamba Kiaxi, bairro Golfe 2. "Lá, estudei até à 6.ª classe”.

Em 2010, disse, os pais decidem morar em Luanda e quando chegaram foi morar com eles. Na época, passou a estudar no Colégio Isa Pemba, mas, infelizmente, não conseguiu acabar a 7.ª classe, por falta de pagamento das propinas. "No ano seguinte, a história repetiu-se, parei de estudar no segundo trimestre por falta de pagamento das propinas”.

Dois anos depois, em 2012, recorda, "foi diferente”. "Eu simplesmente não estudei o ano todo, mas em 2013, uma fiel da igreja decidiu assumir o pagamento das propinas. Então, retornei os estudos com 13 anos, fazendo de novo a 7.ª classe. A senhora pagou as propinas até à 9.ª classe. Porém, tive de parar novamente em 2015. Na altura, fiquei um período longo sem estudar. Consegui fazer a 10.ª e a 11.ª, de Física e Biologia, mas não terminei por não dispor de valores para terminar”. Só em 2020, recordou, alguém ajudou a pagar os estudos. "Comecei a fazer uma outra formação média, mas agora de Enfermagem, no Instituto Médio de Saúde Lóide Laura, no Golfe 2. Este ano vou defender e terminar o ensino médio”.

Ao recordar o passado, explica, lembra que houve dias em que a mãe ia vender e ficavam com a esperança de ela voltar com alguma coisa para comer. "Mas, quando voltava, bem tarde, muito tarde mesmo, sem nada, ela tinha vergonha de entrar em casa, não tinha coragem de encarar os filhos cheios de fome e de esperança. Porém, sabia que alguma hora tinha de entrar. Quando o fazia, dizia: filhos, vamos tomar chá para crescer e acordar fortes amanhã", lembrou, acrescentando que só os irmãos mais novos acreditavam. "Estamos a passar por muito, mas sempre na luta para reverter a situação”.

 

Vencendo as adversidades

Devido a esta situação, o jovem passou por muitos problemas. "Um sofrimento insuportável, muitas vezes pensei em tirar a própria vida, mas a voz da minha consciência me lembrava que o sofrimento só acabaria para mim. Então, desisti da ideia”.

Lourenço Malungo Muti disse que também pensou em tornar-se um marginal. "Mas isso destruiria a minha família, a minha mãe em particular, porque ela sempre teve uma grande crença em mim”.

A situação, avançou, complicou-se quando o irmão engravidou e teve de trazer a mulher para a casa dos pais. "Eu compartilhava com ele o quarto, onde é que eu iria dormir? Na sala, já dormiam os irmãos mais novos, foi uma situação difícil, por conta disso passei a viver com um tio. Mas, a convivência na casa dele não era das melhores. Porém, sempre soube lidar com todas as adversidades”.

 
A escrita

Uma certa noite, disse, não tinha com quem falar. "Alias, nunca compartilhava o sofrimento com ninguém. Então, peguei numa caneta e num caderno e exprimi nele tudo o que sentia. Naquele momento, escrever tornou-se umas das minhas terapias, o analgésico para aliviar as dores da alma.”

Na 7.ª classe, continuou, um dos professores mandou escrever, na altura, um texto lírico. "Como ja tinha bastantes textos, só tive que escolher um para apresentar, não sabia que seria a pessoa escolhida para ler para todos na sala. Quando li o texto perante os colegas, professores e as entidades máximas da escola fui muito aplaudido e encorajado a continuar a escrever”, conta, acrescentando que os convites para recitar começaram a surgir ainda na escola. "Depois passei a recitar na igreja, às vezes pensava em parar, pois os textos eram muito pessoais. Falavam muito da minha vida. Mas, depois descobri que outras pessoas se reviam em mim. Por isso, continuei”.

Lourenço Malungo Muti não mais parou. Participou em antologias como "Estupros da Pátria", a convite da editora Sonhos no Papel, nos concursos Escrita Criativa, em que foi o vencedor da 3.ª edição, Orgasmo Literário (na 7.ª edição), intercolegial, em que venceu a 6.ª edição e no Recitar Jesus, no qual ocupou o segundo lugar da 1.ª edição.

Os amigos não são muitos, mas são bons. "Tenho poucos, falo do Benvindo Sebastião Panzo, Kinguengi,Nsimba Kinguengo, Bênção Tuzizila, Adilson Afonso (Poeta Aprendiz). Tenho uma irmã muito importante para mim, que muito me ensinou e ela chama-se Benedita Cololo Dombele. O António Panzo é um grande amigo. Ele e a Mamã Nicleth”.

Ambições

O maior sonho de Lourenço Malungo Muti é dar um negócio digno à mãe, para que não precise de zungar para vender. "Os meus pais desistiram dos seus sonhos para lutar pelos nossos. Quero publicar livros que transformem vidas e ajudar a formar os meus irmãos”.

Para Lourenço Malungo Muti, se for para deixar o país nas mãos da juventude, o melhor é se preparar para a pior velhice. "Está em perigo uma sociedade inteira”, disse.

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