Reportagem

Tchivulo e o festival de bolos feitos no campo

Domingos Mucuta | Lubango

Jornalista

A festa dos camponeses da Cooperativa Agrícola “Canivete Cangombe”, no Tchivulo, município de Caluquembe, província da Huíla, começou muito cedo, depois que os membros de outras organizações de camponeses, vindos de diferentes localidades do município, se concentraram ao longo da estrada para dar as boas vindas à delegação da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA) e da Administração Municipal local.

10/06/2023  Última atualização 08H30
© Fotografia por: Domingos Mucuta/ Lubango
A recepção calorosa, marcada por vários momentos de dança tradicional e entoação de cânticos da região na língua umbundo, teve razão de ser. O motivo da alegria foi a inauguração do Centro de Transformação de Produtos Agro-pecuários da comunidade de Tchivulo, na comuna de N’gola, em Caluquembe.

Teresa Ndulo, uma das sete pasteleiras que assegura o funcionamento do centro, confeccionou os bolos e bolinhos degustados pelos convidados.

 "É uma honra e motivo de enorme alegria ter esse centro a funcionar aqui neste sector da comuna, onde nunca sonhamos ter algo capaz de transformar e valorizar mais as nossas colheitas”, declarou, para de seguida valorizar o impacto que a formação da ADRA teve na transformação dos produtos agrícolas.

O centro foi inaugurado pelo administrador municipal adjunto para a área Técnica, Infra-estruturas e Serviços Comunitários de Caluquembe, Eliseu José, que na ocasião manifestou a disponibilidade das autoridades locais para apoiar mais os camponeses.

A construção do centro, que resulta de uma iniciativa da ADRA, Antena da Huíla, Cunene e Namibe, está orçado em 6,6 milhões de kwanzas, investidos no âmbito do Projecto Ekoliso, que significa "fortalecer”, em português, financiado pela Organização Internacional "Pão para o Mundo”.

A coordenadora da ADRA em Caluquembe, Elisa Lukamba, explicou que o projecto abrange outras componentes, como a capacitação técnica através das ECAA, o fortalecimento da capacidade institucional das associações e cooperativas de camponeses, bem como a distribuição de alfaias agrícolas.

O Centro de Transformação de Produtos Agro-pecuários, com capacidade para absorver a produção de um total de 340 camponeses da região, está equipado com um fogão industrial a gás, área de arrecadação e armazéns.

O coordenador da Cooperativa Agrícola "Canivete Cangombe”, Manuel Deyweda, avançou que a infra-estrutura vai incluir um armazém de média dimensão, cujas obras já decorrem, projectado para cumprir a missão de adquirir a colheita dos camponeses de Caluquembe.

Segundo Manuel Deyweda, o Centro do Tchivulo serve como fonte de rendimento das famílias e evita que haja perdas significativas, durante as épocas de colheita.

Fundada em 2020, a Cooperativa "Canivete Cangombe” preparou, para a presente época agrícola, mais de 500 hectares de terras, onde os camponeses estimam colher mais de 100 toneladas de milho e 25 de feijão, além de outras culturas.

  Pés de batata-doce de polpa alaranjada

Quando a camponesa Teresa Ndulo recebeu, dos técnicos da Acção para o Desenvolvimento Rural e Ambiente (ADRA), algumas quantidades de pés de batata-doce de polpa alaranjada, tinha dúvidas sobre as valências do tubérculo e, tal como ela, outros camponeses da comuna de N’gola também estavam receosos dos resultados a alcançar com a plantação desta espécie rara, nas lavras do Tchivulo.

Só mais tarde, depois de beneficiarem de formação sobre as características, adaptação ao clima da região, modos de cultivo e de preparação do tubérculo, é que perceberam a sua utilidade. Agora todos eles estão mais animados e ansiosos.

"Como resultado das várias sessões de troca de experiência, nas Escolas de Campo de Agricultores (ECAA), promovidas pela ADRA, aprendemos que este tipo de batata não serve apenas para ferver e comer, mas também para ser transformada em outros produtos processados”, disse Teresa Ndulo, que garante ter aprendido a utilizar o tubérculo como ingrediente para bolos, bolinhos secos, pão, broa e sumos.

Os cursos, acrescentou a camponesa, nos permitiram perceber que a abóbora também pode ser utilizada na pastelaria. "Antigamente só comíamos a abóbora fervida. Mas agora sabemos que ela pode ser transformada em diferentes produtos, dependendo apenas da criatividade e desejo de cada um”, explica.

Já a camponesa e confeiteira Adelaide Chilombo, igualmente formada pela ADRA, sublinha que o milho, a massambala, massango, abóbora, goiaba, mandioca e a ginguba (amendoim) são de grande utilidade. Estes produtos, disse, além de nutritivos, ganham maior valor no mercado quando são transformados em pão, bolo, broa, bolinhos diversos, sucos e doces.

Por sua vez, Josefa Estêvão, que cultiva diversos produtos numa área de um hectare, manifesta-se galvanizada em aumentar a produção, cujo objectivo é obter um volume maior de matéria-prima, para impulsionar os serviços de pastelaria que realiza em casa.

"Deram-nos grandes novidades que não sabíamos. Afinal, o conhecimento liberta mesmo. Podemos fazer boas coisas com o que colhemos das lavras”, argumenta Josefa, que almeja aumentar a produção, melhorar as vendas e ganhar mais dinheiro para assegurar o sustento da sua família.

Na província da Huíla, os produtos agrícolas colhidos pelos camponeses dos municípios de Caluquembe, Humpata, Cacula e Gambos, já não correm o risco de apodrecer nos campos de cultivo, porque agora servem de ingredientes para bolos, bolinhos, pão, broa e doces.

 
Pão e o doce de goiaba

Saborear o pão e o doce de goiaba feitos no Tchivulo deixou muita gente admirada. As confeiteiras mostraram tudo o que valem. À prova dos convivas, elas serviram doces, bolos, sumos, bolinhos e broas confeccionados com produtos agrícolas.

A goiaba, que antes se estragava nas lavras por falta de escoamento, tem agora um melhor aproveitamento. "Já não há reclamações sobre produtos estragados. Aqui nós cultivamos muita goiaba. No tempo da colheita, chegamos a ter pomares inutilizados. Mas agora isso é impossível de acontecer. A formação despertou-nos muito. Ensinou-nos a aproveitar melhor os produtos”, diz Teresa Ndulo.

A camponesa, que já ganhou o título de confeiteira, sublinha a vantagem de cultivar, colher e transformar diversos produtos na localidade. Segundo ela, o projecto completa a cadeia produtiva e estimula os agricultores a aumentar os níveis de produção e de produtividade.  "Com esta experiência, já não sentimos a preocupação de vender os produtos agrícolas noutros lugares. Transformamos aqui e as pessoas vêm cá comprar”, acrescenta Josefa Estêvão, que acredita em dias melhores, sobretudo num destino diferente para a colheita de goiaba, na localidade.

"No passado, as nossas goiabas apodreciam. A batata também. Mas agora isso está longe de voltar a acontecer, porque estes produtos são armazenados no centro, para depois serem transformados em marmelada”, explica.

  Boa merenda escolar para manter os alunos na escola

Os camponeses de Tchivulo querem aproveitar o potencial agrícola para fornecer merenda aos alunos das escolas do ensino primário da comuna de N’gola, em Caluquembe, uma experiência já tem sido aplicada pelos camponeses de Giraúl, outra localidade deste município, que também foi contemplada com um centro de transformação similar.

Teresa Ndulo concorda com a proposta, porque quer ajudar a reduzir o índice de desistências nas escolas da região. Diz-se pronta para caprichar nos bolos, bolinhos, doces e sumos, para alimentar as crianças durante as aulas. "Gostamos da ideia. Estamos prontas para fazer bolos gostosos para os alunos desta comuna e não só. Queremos que todas as crianças do município continuem a estudar”, confirma.

Quem também apoia a proposta é Adelaide Chilombo, que além de camponesa e confeiteira, é enfermeira de profissão. "Esta coisa de fazer broa, pão, doces ou sucos é connosco. Aprendemos a fazer isso da melhor maneira e, por isso, não vejo motivos para não sermos contratadas para produzir merendas. Estamos dispostas a contribuir para a melhoria do ensino nesta região”, declara a mulher.

Como profissional da Saúde, Adelaide Chilombo destaca o valor nutritivo dos produtos colhidos directamente das lavras. "A batata-doce é ideal para combater a desnutrição, enquanto que os outros produtos, cultivados sem a aplicação de químicos, contêm outros valores nutricionais”, salienta a confeiteira, que augura um dia ver os seus produtos comercializados nos grandes centros comerciais.

Já Manuel Deyweda, coordenador da Cooperativa Agrícola "Canivete Cangombe”, afirma que a sua organização está disponível para ajudar o Governo no programa de fornecimento de merenda escolar aos alunos do município de Caluquembe, em particular, e da província da Huíla, no geral.

Os centros ora criados servem para a compra, armazenamento e transformação de produtos agrícolas. Estas unidades assumem o papel de estabelecimento comunitário de escoamento e de agregação de valores à produção feita no campo.

O director da ADRA Antena Huíla, Cunene e Namibe, Simeone Chiculo, sublinha que este é o terceiro centro do género, aberto na província da Huíla, no âmbito da estratégia de completar a cadeia de valor agrícola, contribuir para o escoamento da produção e assegurar a diversificação da economia.

"Esta é a componente que faltava.  A ADRA dá sempre suporte aos camponeses, sobretudo com alfaias e sementes para aumentar a produção. Mas agora estamos a integrar nesta cadeia a componente transformação de produtos. Assim, os camponeses podem dar mais valor à sua colheita”, referiu. De acordo com o coordenador da Cooperativa "Canivete Cangombe”, da localidade de Tchivulo, a ADRA apoiou os camponeses com infra-estruturas e conhecimento técnico que, hoje, "nos ajudam a produzir o que antes só era possível adquirir nos centros urbanos”.

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