Se olharmos para a nossa mulher que acompanha o marido na rua, notaremos que se mantém atrás e a alguns passos de distância dele; se nos dispusermos a pesquisar a percentagem de relações adúlteras entre homem e mulher, não há como renunciar à ideia inicial de que a percentagem é bem maior naquele do que nesta.
A seguir olhemos para as tarefas, que ainda se dividem em duas espécies. As tarefas do homem, as tarefas da mulher. As dele são as da inteligência, da força, da coragem, do poder, do mando, do domínio: e porque só a ele assistem estes atributos, a mulher é para estar e ser submissa. Ela é a fêmea que lhe dá os filhos – que só ela cuida na saúde e na doença: dá-lhes a educação em casa e o carinho. Os filhos que depois morrem nas guerras ou pelas guerras que os homens organizam.
O dia a nascer e elas a acenderem o lume. A lavarem a roupa, as batas dos filhos, as camisas suadas do homem, que hão-de suar-se e lavar-se outra vez. E depois saem, um filho nas costas, talvez outro no ventre… São as primeiras a sair para a rua e as últimas a entrar em casa. Saem em busca do peixe que se vende manhã cedo, que é preciso comprar para depois revender. Sentam-se dentro da bacia, porque o peixe ainda não chegou e elas esperam. E na espera falam da vida, das makas das vizinhas, dos boatos dos bairros, das angústias e esperanças… Ou vendem nas praças os gelados de múkua, os bolinhos, as gasosas, os bombons… E entre um cliente que chega e outro que parte vão catando os filhos, ou fazendo-lhes as tranças. Os outros ficam na rua sozinhos. Ao sol e à poeira. A jogar futebol, ou a vadiar, mão estendida: – Tio, me dá lá qualquer coisa! Elas calcorreiam a cidade a pé, ao frio ou à chuva: vendem peixe, cenouras, tomates, frutos… e flores… e vão vendendo a vida e a saúde. Elas fogem - quando vão a tempo! dos fiscais, que chegam sem aviso e arrebanham tudo sem retorno. Elas são as zungueiras!
Elas correm esbaforidas para apanharem o candongueiro. Contam as notas, amachucam-nas na dobra do lenço que trazem à cabeça, ou na curva do soutien que lhes sustém os seios, fartos uns, famintos outros, pendentes na tábua do peito. Elas armam algazarra nas praças para chamar os clientes, ou para regatear o preço mais barato. Vendem e se a venda é farta, elas são generosas: oferecem esquebra.
Elas brigam pelos maridos com as amantes, que são muitas. E não percebem que ambas estão do mesmo lado: na fronteira da vida.
Elas voltam a casa cansadas. Carregam ainda a água e a lenha. Acendem o lume de novo e batem, na ombya encardida, com o velho oluku, o pirão do jantar. Mais tarde, elas abrem-se para os homens, sem prazer e sem felicidade. Ensinaram-lhes que é sua obrigação.
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Por razões alegadamente culturais, ou por deformação nascida de preconceito machista, o quadro acabado de pintar ainda é, em muito larga medida, o das relações entre homens e mulheres no nosso continente: a mulher é para obedecer, para servir o homem (ou não tivesse sido ela feita de uma costela do macho…)
É assim há séculos, nesta nossa África, mas também em muitas partes do mundo. Temos quitandeiras, costureiras, cabeleireiras, criadas, enfermeiras, professoras; já temos contabilistas, economistas, cientistas, médicas, advogadas, engenheiras; empresárias, deputadas, ministras, embaixadoras… Mas os progressos são tímidos: persiste a consciência de subalternidade. O homem ainda não percebeu a sua incompletude sem a mulher. A tal costela que lhe foi tirada…
Na língua inglesa, por exemplo, a palavra woman, mulher, provém do inglês antigo wifmane significa the wife-halfof a man. Mas essa metade da estirpe humana, que muita gente diz ser a melhor metade, continua em submissão, como há milhares de anos.
Dia e noite – dizia o velho Código de Manu – as mulheres devem ser mantidas na escravidão, sob o domínio dos seus varões.
Segundo as primitivas leis romanas, o marido podia executar sua mulher e o pai sua filha, por motivo de adultério (será apenas coincidência a analogia com a jovem Amina, a nigeriana a quem um tribunal do seu país, há alguns anos, condenou à morte por lapidação, unicamente por ter tido uma filha do ex-marido?).
Mesmo após a publicação da Magna Carta, séculos mais tarde, uma mulher não podia legalmente acusar um homem por assassínio. Na França do século XVIII, o ilustre Rousseau foi capaz de prever a emancipação da metade masculina da humanidade, mas não a da metade feminina.
As mulheres – dizia ele – são criadas apenas para agradar aos homens… Sendo incapazes de julgar por si mesmas, devem sempre ater-se ao juízo dos pais e dos maridos.
Foi a mesma França, no auge de uma Revolução, cujo mote era Liberdade - Igualdade – Fraternidade, que guilhotinou a mulher que ousou proclamar, em nome e para todas as mulheres, a igualdade para subir à tribuna, já que podiam subir ao cadafalso: Olympe de Gouges. E em muitas partes dos Estados Unidos, até à época da Revolução, as mulheres eram multadas e presas por falarem em público. Somente a ameaça de uma revolta por parte das Mães da Revolução compeliu os Pais da Revolução a reconhecê-las como algo mais do que objecto de propriedade: Desejo que te lembres das senhoras – escreveu Abigail Adams a seu marido, John Adams, que tinha assento no Congresso Continental – e que sejas mais generoso e favorável a elas do que os teus antepassados… Se não forem concedidos às mulheres cuidados e atenções particulares, estamos decididas a promover uma rebelião. Mas só século e meio depois é que os homens começaram a reconhecer as mulheres como iguais.
Até à presente geração, portanto, muitas mulheres continuam a viver coarctadas. A despeito dos obstáculos que sempre a cercaram, a mulher tem apresentado feitos não menos heróicos e brilhantes do que os da sua mais tirânica metade. Na galeria de mulheres ilustres têm lugar nomes desde Nefertiti ou Cleópatra a Indira Ghandi, passando por Catarina a Grande, Nzinga Mbandi, Marie Curie, Simone de Beauvoir, Eleanor Roosevelt, Ângela Davis, Golda Meir, Margareth Tatcher, Corazon Aquino, Madre Teresa de Calcutá, Rigoberta Mancho, Violeta Chamorro, Aung San SuuKyi e essa mulher, insigne filha de África, nosso orgulho e nossa glória, cientista e governante, queniana e africana, mulher cidadã do mundo, que inscreveu o seu nome e com ele o do seu continente, nos anais do Prémio Nobel: Wangari Maathai. Ela ergueu-se na frente da luta para promover o desenvolvimento social e cultural ecologicamente viável no Quénia e em África; defendeu a democracia, os direitos do homem e os da mulher, em particular.
Nos tempos de Cleópatra e Teodora, quando os grandes homens eram quase uns brutos, as grandes mulheres não eram menos brutais do que os homens. E hoje que os grandes homens procuram ser semi-deuses, as grandes mulheres não são menos endeusadas do que eles.
Nem deusa, nem demónio; nem anjo, nem diva. Salvo os atributos naturais, a mulher quer-se e pode ser e vai ser igual ao homem. E ser igual não é caminhar à frente: é deixar de caminhar atrás, é seguir lado a lado, ombro a ombro, olhos nos olhos –que baixá-los seria prova de fraqueza e submissão. É manter vivo o espírito de rebelião para quando for necessário. Mas é, sobretudo, assumir que homem e mulher se completam na família, na sociedade, na vida.
Neste e em todos os dias, a minha homenagem à Mulher!
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