Reportagem

Vandalização de cabines e cabos eléctricos resultam em mortes e prejuízos financeiros

No dia 17 de Junho deste ano, um cidadão morreu electrocutado, no bairro Caop-B, no município de Viana, em Luanda, quando tentava vandalizar um posto de transformação eléctrico da Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE).

07/08/2024  Última atualização 07H57
Muitas pessoas são apanhadas com grandes quantidades de cabos eléctricos furtados nas linhas de média tensão públicas em diversas cidades do país © Fotografia por: DR

Acções como estas não são de hoje, nem se circunscrevem a Luanda. No dia 8 de Setembro do ano passado, outro cidadão morreu electrocutado, na rua Mosenhor Kelling, na cidade de Benguela, quando tentava roubar alguns cabos eléctricos, num posto de transformação de energia.

No mesmo mês, no município da Humpata, província da Huíla, mais uma pessoa encontrou a morte nas mesmas circunstâncias. A tentativa de furto de um cabo eléctrico de média tensão na via pública deixou os munícipes indignados, por causa do apagão que se seguiu. O responsável local da ENDE informou, na altura, que o indivíduo tentou furtar um cabo de cobre para posterior comercialização. 

Carlos André Paulino, 28 anos, morreu no dia 27 de Maio de 2022, ao tentar subtrair fusíveis de uma cabina eléctrica nas imediações da centralidade do Kilamba. Testemunhas contaram, na altura, que o indivíduo, ao tentar furtar os meios para venda no mercado informal, foi surpreendido por uma explosão e acabou queimado. O jovem foi socorrido para o Hospital dos Queimados, mas não resistiu aos ferimentos e acabou por sucumbir.

Mesmo com ameaças de sanções por parte das autoridades, as acções de vandalismo prosseguem. Só no primeiro semestre deste ano, o Serviço de Protecção Civil e Bombeiros registou a morte de dez pessoas em consequência de furto de cabos eléctricos.

Segundo o director de Comunicação Institucional e Imprensa do Serviço de Protecção Civil e Bombeiros (SPCB), Wilson Baptista, os factos ocorreram nas províncias de Luanda, com três casos, na Huíla, com igual número, Bié, com dois, e um caso em Benguela, Cuando Cubango, Moxico, Zaire e Bengo, respectivamente.

 
Cidadão é amputado um dos braços

Seis cidadãos que vandalizaram cabos eléctricos em Luanda foram atendidos desde o princípio do ano, no Hospital Geral Especializado Neves Bendinha, informou o director pedagógico e científico, que destacou o caso de um jovem que teve de ser amputado o membro superior direito.

O médico Mbunga Bondo contou que o hospital assistiu, desde o princípio do ano, seis pacientes com ferimentos graves, vítimas de vandalização de cabos e cabinas eléctricas, dos quais três terminaram em óbito.

"Muitos destes cidadãos vão para casa com muitas sequelas, não só físicas, como também psicólogas, o que acaba sendo mais perigoso”, disse, recordando o caso de um jovem de 20 anos que teve o braço amputado, devido à gravidade da queimadura. "A maioria fica impedida de continuar a desenvolver alguns trabalhos, por causa da grande limitação física”, lamentou.   

Mbunga Bondo Bendinha referiu que muitos destes cidadãos que dão entrada no hospital com queimaduras graves decidem omitir a real causa da lesão. "Há quem prefira omitir as reais causas e acaba dizendo que é consequência de um acidente, mas os médicos acabam por descobrir, tanto por denúncias do Serviço de Investigação Criminal ou por outros métodos”.

 
Homens são a maioria

O director pedagógico e científico do Hospital Neves afirmou que os homens, com idades entre os 16 e 35 anos, são os que mais se envolvem em actos de vandalização de cabos eléctricos. "Devido à sobrevivência, tentam vandalizar os cabos ou cabinas eléctricas para obter elementos que podem ser comercializados”, disse.

Para o médico, os acidentes resultantes de furtos de cabos eléctricos podem ser evitados. "O tratamento desses pacientes é muito caro e é um dinheiro que o Governo poderia usar para combater outras doenças mais emergentes”, considerou.


Mais de oito mil milhões de kwanzas perdidos

Mais de oito mil milhões de kwanzas é o valor do prejuízo que a Empresa Nacional de Distribuição de Electricidade (ENDE) teve desde o ano 2018 até ao momento, revelou o director do Gabinete de Comunicação Institucional e Imprensa.

Lauro Fortunato afirmou que, apesar dos grandes investimentos do Executivo para electrificar o país, a vandalização de equipamentos da ENDE continua a prejudicar muitas famílias. Luanda, Benguela e Huíla, citou, são as províncias mais afectadas.

As casas de pesagem, referiu, têm sido um grande catalisador para os casos de vandalismo, acrescentando que a recente medida do Governo Provincial de Luanda de encerrar as casas que adquirem material ferroso vem ajudar bastante no combate à vandalização de equipamentos eléctricos.

"As casas de pesagem têm sido um grande catalisador para os casos de vandalismo, pois é lá onde encontramos a maioria dos equipamentos furtados”, revelou.

Lauro Fortunato apelou às pessoas a não vandalizarem os bens públicos, especialmente os equipamentos eléctricos, porque isso afecta directa ou indirectamente a sociedade inteira.


Via Expressa
Cerca de 400 postes de iluminação foram furtados em um ano

Cerca de 400 postes de iluminação pública foram furtados de 2022 a 2023, na avenida Fidel de Castro Ruz, via Expressa, em Luanda, informou o director do Gabinete Provincial de Luanda para o Desenvolvimento Económico Integrado.

Dorivaldo Adão revelou que cada poste de iluminação pública custa um milhão de kwanzas.

As constantes vandalizasções, frisou, levaram o Governo Provincial de Luanda (GPL) a realizar algumas acções, por meio do Programa de Protecção dos Bens Públicos que, em três meses, permitiram a suspensão e encerramento de mais de 500 casas de pesagem em toda a província.

Dorivaldo Adão referiu que as crianças e cidadãos estrangeiros são os mais envolvidos neste tipo de crime. "Infelizmente, esses estrangeiros atiçam as crianças, por serem inimputáveis, a praticarem esse tipo de crime”, denunciou.

"O GPL está a desenvolver um conjunto de acções, nomeadamente no município de Luanda, que visam reprimir, impedir e até mesmo criminalizar os actos voltados à vandalização dos bens públicos”, disse.

 
Detenção

Durante os três meses de implementação do Programa de Protecção dos Bens Públicos, mais de 20 cidadãos, entre nacionais e estrangeiros, foram julgados e condenados pelo Tribunal de Comarca de Luanda, pelo crime de vandalização, revelou Dorivaldo Adão.

Segundo aquele responsável, alguns foram absolvidos por falta de provas e outros, no caso das crianças, foram postas em liberdade, de acordo com a lei.

Os municípios de Luanda, Cazenga, Viana e Kilamba Kiaxi foram apontados como os que mais resistam casos de vandalização de bens públicos, com destaque para os cabos eléctricos.

 
Blindagem de cabos  eléctricos 

O engenheiro electrotécnico Filipe Aço disse ser possível evitar o furto de cabos eléctricos por meio da blindagem dos mesmos, mas é uma medida que requer muito investimento por parte do Governo.

A blindagem dos cabos eléctricos, referiu, é uma solução que já existe em alguns países para dissuadir estas práticas. Além da blindagem de cabos, existem também outras tecnologias que permitem a monitorização e alerta.

"A implementação destes materiais e tecnologias iriam encarecer a construção e manutenção das infra-estruturas, lembrando que o preço actual da energia não cobre os custos adicionais”, salientou o especialista, acrescentando que, em alguns países, para além destas medidas, grande parte da vigilância das infra-estruturas eléctricas é feita pela sociedade.

As infra-estruturas eléctricas, pela sua natureza, explicou, estão amplamente interligadas, a partir do contador de casa à rede de iluminação pública e de transporte de energia. "Afectar negativamente qualquer uma destas infra-estruturas pode causar perda de qualidade ou ausência do fornecimento ao cidadão, às indústrias e outras instituições que geram emprego que contribuem para o bem-estar da sociedade e da economia do país”, sublinhou.


Muitos bairros ficam às escuras

A vandalização de equipamentos eléctricos está a afectar as linhas de alta tensão um pouco por todo o país. O Jornal de Angola constatou algumas realidades nos municípios de Luanda, Viana e Cazenga, onde os furtos no interior de cabinas e postos de iluminação são constantes. 

Teresa Silvina, moradora do bairro Prenda, em Luanda, onde além das frequentes obstruções na rede eléctrica, a comunidade enfrenta problemas de saneamento, relatou que, recentemente, um camião desgovernado destruiu um Posto de Transformação (PT), deixando a zona às escuras por vários dias.

Acrescentou que a atitude do camionista não se compara às más práticas de jovens da zona, que frequentemente cortam os cabos para vendê-los em casas de reciclagem de material ferroso.

No bairro Cazenga, especificamente no Asa Branca, segundo o cidadão Cipriano António, a vandalização de equipamentos eléctricos é comum. Na semana passada, os moradores tiveram que solicitar a intervenção da Polícia para impedir que um grupo de jovens retirasse cabos eléctricos para vender, prejudicando a maioria dos residentes.


Diploma aprovado no mês passado
Vandalização pode dar até 25 anos de prisão

A vandalização de bens e serviços públicos passa a ser punida com uma pena máxima de 25 anos de prisão, de acordo com a Lei sobre os Crimes de Vandalização de Bens e Serviços Públicos aprovada pela Assembleia Nacional, no dia 18 de Julho.

De acordo com o diploma, de iniciativa do Executivo, quem vandalizar bens ou serviços públicos é punido com penas que variam entre três e 25 anos de prisão. A pena de até 15 anos é aplicada a quem, individual ou colectivamente, financiar ou impulsionar a actividade de vandalismo de bens ou serviços públicos.

Aquele que causar dano em bem público, perturbar ou frustrar, ainda que temporariamente, a prestação de serviço público é punido com a pena de prisão de três a oito anos, enquanto que, se o valor do dano vandalizado for diminuto, a pena vai de 5 a 12 anos, mas se for elevado, a punição será entre 10 e 15 anos.

As penas mais graves variam entre os 20 e 25 anos e são aplicadas a quem destruir uma infra-estrutura náutica, ferroviária ou rodoviária, navio, automóvel ou comboio, ou colocar em risco a segurança de um desses meios de transporte.

"Quem, com intenção de conseguir, para si ou para outrem, vantagem patrimonial, adquirir ou receber, a qualquer título, conservar ou ocultar bens públicos de modo ilegal, é punido com a pena de prisão de seis a 12 anos”, esclarece o diploma, que determina a aplicação de pena acessória de expulsão do país quando o agente do crime for um cidadão estrangeiro.

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