Reportagem

Adultos vencem preconceito e aderem às aulas de alfabetização

Lourenço Bule | Menongue

Jornalista

Fátima Intumba Chicomba, de 56 anos de idade, venceu o preconceito e aderiu ao Programa de Alfabetização e Aceleração Escolar em 2014. Actualmente é pastora da igreja União de Igrejas Evangélicas de Angola (UEIA), sito no bairro Azul, em Menongue.

14/09/2023  Última atualização 10H28
Fernando Jamba Wahangua disse que começou com o processo de alfabetização em 2003, ao domicílio © Fotografia por: Edições Novembro
Depois de vários anos sem frequentar uma escola, Fátima Intumba Chicomba decidiu inscrever-se na Escola de Superação Jamba, do ensino primário e primeiro ciclo, em Menongue, porque ficava desconfortada ao ver as amigas e irmãs de igreja a assinar documentos, ler a Bíblia e exaltar com  cânticos corais a partir de hinários.

"Via as minhas amigas e irmãs da igreja nas instituições bancárias e religiosas a  assinarem documentos, abrirem a Bíblia para lerem e me sentia mal com esta situação, razão pela qual decidi me inscrever na Escola de Superação Jamba, para aprender também a ler e a escrever”, lembra.

Fátima Intumba Chicomba acrescentou que, actualmente, consegue ler e escrever sem sobressaltos, graças à determinação e à crença de que "tudo é possível diante dos olhos de Deus”. Apelou a todos que não saibam ler e escrever a inscreverem-se nas escolas de alfabetização, tendo em conta que o ensino é aprendizado que não têm idade.

Explicou que frequentou a Escola de Superação Jamba durante sete anos e na altura em situação precária, porque as aulas eram ministradas no período nocturno e em condições desfavoráveis. Por falta de energia eléctrica, eram obrigadas a assistir às aulas com ajuda de candeeiros a petróleo.

"Frequentei o programa de alfabetização a partir de 2004 e no ano de 2012 frequentei o curso de Teologia no Instituto Bíblico na cidade de Menongue e hoje me tornei pastora da UEIA”, disse.

O processo de alfabetização e aceleração escolar na província do Cuando Cubango tem surtido efeitos consideráveis a nível da educação de jovens e adultos, que procuram aprender a ler e a escrever, a fim de serem inseridos em diversas actividades.

"Senhor Alfabetização”

O director e proprietário da Escola de superação Jamba, Fernando Jamba Wahangua, considerado por muitos, "Senhor Alfabetização”, já alfabetizou, desde 2003 ao presente, mais de cinco mil pessoas, entre jovens e adultos da cidade de Menongue.

Fernando Jamba Wahangua disse que começou com o processo de alfabetização em 2003, ao domicílio. Ou seja, deslocava-se para as residências dos alfabetizandos, porque na altura considerava que muitos professores leccionavam sem amor à profissão e deixavam os alunos à sua sorte.

"Na altura, muitos professores não viam as crianças como futuro. Vendo a situação, decidi usar as minhas qualidades como docente para ministrar algumas aulas de explicação e alfabetização ao domicílio”, disse.

 Lembra que começou o processo de alfabetização com apenas 35 alunos e no presente ano lectivo (2023-2024) conta com mais de mil alunos matriculados, que vão aprender a ler e escrever em 26 salas de aula. Trabalha com 60 professores, que leccionam os mais variados módulos e a técnica do professor Jamba.

A par dos módulos 1,2 e 3 do Programa de Alfabetização e Aceleração Escolar (PAAE), "Sim eu Posso”, os alfabetizandos são munidos do método criado por si, denominado "Jamba”, que tem surtido efeito. Fruto disto, prevê registar o referido método junto do Ministério da Educação, para que sirva de orientação para outros 

Explicou que a instituição foi criada propositadamente para atender as pessoas mais carenciadas, que não sabem ler nem escrever. Os alfabetizandos pagam entre 250 e 1.000 kwanzas por semana. Este dinheiro serve para o pagamento do subsídio dos professores.

Actualmente, salientou, a instituição tem matriculado mais de 70 pessoas de famílias desfavorecidas e igual número de órfãos que aprenderam a ler e escrever a custo zero, graças ao apoio que algumas instituições e pessoas singulares têm dado desde o início do programa.

Enalteceu o apoio do Gabinete provincial de Educação e pessoas singulares, com realce para os senhores Miguel Canhime Kazavubo e Sara Luísa Mateus, entre outros, que apoiam o projecto para que muitos cidadãos carenciados aprendam a ler e a escrever.

Fernando Jamba Wahangua tem como perspectiva a criação de um complexo escolar onde irá primar cada vez mais pela qualidade do ensino e praticar preços simbólicos, para permitir às famílias mais carenciadas matricularem os seus filhos.

Estudar a custo zero

Outro exemplo de superação é de Emília Vita Gomes, de 24 anos de idade, que começou a frequentar o programa de alfabetização com apenas nove anos de idade e actualmente estuda o 4º ano do curso de Enfermagem na Universidade Cuito Cuanavale (UCC), em Menongue.

Emília Vita Gomes disse que começou a frequentar as aulas de alfabetização na Escola de superação Jamba, graças ao proprietário da referida instituição escolar. Ao aperceber que a mesma não estudava depois de perder os pais, tendo contraído uma doença do foro psicológico, decidiu formá-la a custo zero, para que a mesma não enveredasse por caminhos incertos. 

Assim, frequentou o programa de alfabetização gratuitamente na escola de superação Jamba, durante dois anos. Posteriormente o proprietário da escola,  Fernando Jamba Wahangua, matriculou-a na escola da bolsa, onde frequentou o ensino primário, tendo concluído o ensino secundário no Puniv. Depois ingressou na Universidade Cuito Cuanavale (UCC), onde actualmente frequenta o 4º ano do curso de Enfermagem.

Emília Vita Gomes apelou a todos os jovens que não sabem ler nem escrever a aderirem ao programa de alfabetização, "porque a formação é mais importante que inúmeras coisas e conhecimento é poder”.

"Todo o indivíduo que tem força e vontade de estudar e não possui recursos financeiros pode procurar ajuda em várias instituições de ensino vocacionadas à alfabetização de jovens e adultos, para que possa dar continuidade aos seus estudos”, apelou.

Emília Vita Gomes actualmente é funcionária de uma farmácia e do vencimento mensal consegue ajudar os irmãos mais novos e pagar a propina mensal na Universidade Cuito Cuanavale (UCC). A jovem é pianista na igreja União de Igrejas Evangélicas de Angola (UEIA),  em Menongue. 

Aprendizagem para todos

O coordenador Provincial da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Cuando Cubango, Francisco Cambinda, disse que a nível da província estão mobilizados 96 alfabetizadores, dos quais 23 do sexo feminino, apenas para os municípios de Menongue, Cuito Cuanavale e Cuchi.

Francisco Cambinda disse que o Projecto Aprendizagem para Todos (PAT II) para 2023 será implementado apenas nos municípios de Menongue, Cuchi e Cuito Cuanavale, por serem os únicos com salas de aula disponíveis, num universo de 96, onde até ao momento estão matriculados 3.360 alunos com idades compreendidas entre os 15 e 60 anos de idade.

 O Projecto Aprendizagem para Todos (PAT II) para 2023, frisou, está a ser financiado pelo Banco Mundial, que suporta as despesas de pagamento dos subsídios mensais dos alfabetizadores nos respectivos municípios. Esclareceu que o processo de pagamento dos 1.200 antigos alfabetizadores já foi liquidado.

"Tínhamos uma dívida com cerca de 1.200 alfabetizadores desde 2017. A mesma já foi totalmente liquidada em Junho de 2022”, disse. Acrescentou que o processo de alfabetização na província está em andamento e a bom ritmo. Realizou-se, recentemente, um seminário de capacitação para os alfabetizadores.

Francisco Cambinda informou que, para o asseguramento do actual processo de alfabetização, o sector conta com um elevado número de material didáctico fornecido no ano passado, desde cadernos dos módulos 1,2 e 3, quadros, lápis, borrachas, entre outros, que serão distribuídos aos municípios de Menongue, Cuito Cuanavale e Cuchi e para outras regiões da província que abrirem turmas voluntárias de alfabetização.

Comentários

Seja o primeiro a comentar esta notícia!

Comente

Faça login para introduzir o seu comentário.

Login

Reportagem