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Morreu há 52 anos Nkwame Nkrumah lembrado como um precursor da unidade africana

Faustino Henrique

Jornalista

Nascido Francis Nwia-Kofi Ngonloma, no dia 21 de Setembro de 1909 ou 1912, como atestam alguns documentos, o pan-africanista, primeiro Primeiro-Ministro e, igualmente, primeiro Presidente do Ghana, mudou a sua identidade para Nkwame Nkrumah, em 1945, com alguma controvérsia envolvendo o ano de nascimento e o nome adoptado.

27/04/2024  Última atualização 08H19
Líder do primeiro país africano independente foi derrubado por um golpe de Estado em 1966 © Fotografia por: DR

Algumas fontes passaram a questionar a adopção do nome ou sobrenome Nkrumah, atendendo que o mesmo, na tradição dos povos Akan, é dado ao nono filho de uma família, enquanto o panafricanista foi o único filho da senhora Nyanibah, a mãe.

O próprio Nkwame Nkrumah, na sua biografia, explicou parte da controvérsia em torno das suas origens, do ano em que nasceu e da sua família, ao escrever que "os únicos factos de que tenho certeza acerca do meu nascimento é que nasci na vila de Nkroful, na localidade de Nzima, por volta do meio dia de sábado, em meados de Setembro. De acordo com a minha mãe, cerca de 45 kuntums (festas tradicionais) foram realizadas desde que nasci, o que indica que o ano do meu nascimento é 1912. Por outro lado, o padre católico que o baptizou, registou a data de nascimento como 21 de Setembro de 1909. Embora esses dados tenham sido escolhidos aleatoriamente, passei a usá-los nos documentos oficiais, não apenas porque acreditava na sua precisão, mas porque a sua oficialização acabou por me convencer sobre a precisão da data”.

Curiosamente, o nome Nkwame é dado aos filhos nascidos ao sábado, exactamente como sucede neste caso.

Percurso académico e político

Em 1942, saiu da Universidade de Lincoln, licenciado em Teologia e em 1943 pela Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, em Filosofia e passou a militar em várias organizações políticas, com o intuito de ganhar experiência para fundar um partido nacionalista.

Neste processo, algumas figuras tornaram-se incontornáveis no processo de "maturação político-ideológica” ligada ao Comunismo, Marxismo e ao Panafricanismo, nomeadamente o antilhano George Padmore, o principal organizador do Congresso Pan-Africano de Manchester, em 1945, que ajudou a lançar as bases para os movimentos de libertação africanos do pós-guerra, William Edward Du Bois, sociólogo, socialista, historiador, activista pelos direitos civis, pan-africanista norte-americano e Jomo Kenyatta, o primeiro Presidente do Quénia.

Em 1947, Kwame Nkrumah tornou-se secretário-geral da Convenção Unida da Costa do Ouro (UGCC), um partido com uma abordagem moderada e gradualista à independência da Costa do Ouro (antigo nome do actual Ghana).

Em Janeiro de 1950, Nkrumah iniciou uma campanha de "acção positiva”, envolvendo protestos não violentos, greves e não cooperação com as autoridades coloniais britânicas.

Citando diferenças ideológicas, separou-se da UGCC, em 1949, para formar o Partido Popular da Convenção, de cariz populista, que consolidou a Costa do Ouro e a Togolândia Britânica num Ghana independente, em 1957.

Assim, nasceu o primeiro Estado independente da África  subsaariana, sob a liderança de Nkwame Nkrumah, acompanhado de um contexto e pretexto para instaurar o Socialismo.

 
Nova personalidade africana

Numa carta de 1966 à amiga de longa data Christine Johnson, citada na obra "Nkwame Nkrumah, his afro-american network and the pursuit of an African personality”, da autoria de Emmanuella Amoh, o panafricanista e primeiro Presidente do Ghana escreveu que "quando a África for livre e unida com um Governo para todo o continente, o homem negro- onde quer que esteja, seja na África, nas Índias Ocidentais ou nos EUA - descobrirá a sua personalidade, a sua dignidade e a sua honra”.

Depois da independência do Ghana, Nkrumah reafirmou o apelo consubstanciado na necessidade de uma nova personalidade africana para provar ao mundo que "o homem negro é capaz de gerir os seus próprios assuntos”.

 
O outro lado de Nkrumah

Figuras contemporâneas, como o Presidente Félix Houphouet-Boigny, encararam as ideias de Nkrumah, sobre a transformação de todo o continente num ente com um Governo, como uma utopia e diz-se mesmo que em alguns círculos privados Boigny e outros dignitários africanos chamavam de loucas às ideias de Nkrumah.

Como Primeiro-Ministro e depois como Presidente do Ghana, Kwame Nkrumah liderou vários projectos de desenvolvimento ambiciosos, mas financeiramente desastrosos.

O Governo do "Pai da Nação ghanense” tomou medidas impopulares, como a poupança forçada, diminuição draconiana das importações, restrição das liberdades, instauração do partido único, entre outros.

A burguesia nacional protestou e os trabalhadores ghanenses, sacrificados pelas medidas de austeridade, entraram em greve, gerando um ambiente de tensão social marcado por prisões, perseguições políticas e o exercício rígido de disciplina partidária sobre altos dirigentes. Foram urdidos seis atentados aos quais "Osagyefo” ("O Redentor”, como era conhecido Nkrumah, pelo povo), escapou e respondeu com o endurecimento das medidas.

Nkrumah alinhou-se à antiga União Soviética e tornou-se cada vez mais autocrático, facto que levou alguns Governos africanos a insurgirem-se contra o que denominavam de  "socialismo africano e radicalismo de Nkrumah”.

A partir de 1962, quando os sinais de autocracia se evidenciavam, a proibição de partidos políticos e, inclusive, a usurpação de poderes às autoridades tradicionais, depois de sofrer um atentado, com o lançamento de granada, do qual saiu ferido, Nkwame Nkrumah solicitou ao Parlamento a aprovação da Lei de Detenção Preventiva, expediente que permitia deter arbitrariamente as pessoas por tempo indeterminado.

Em 1964, quando, segundo algumas análises, não tinha necessidade de embarcar num referendo para o tornar Presidente vitalício, porque, hipoteticamente, tinha condições políticas para se fazer eleger democraticamente, diz-se que Nkwame Nkrumah cometeu o erro fatal de realizar referendo para o mencionado fim e tornar o Ghana um Estado monopartidário, em que os resultados, falsificados, foram estimados em 99.91%. Isto ocorreu numa altura em que o país entrava para uma fase de declínio económico e social. Para se ter uma ideia disto, basta olhar para os números do crescimento económico do Ghana, entre 9 e 12 por cento de 1957 a 1960, tendo baixado para dois a três por cento nos anos subsequentes.


Golpe de Estado em 1966

Na obra "os Estados Unidos e o derrube de Nkwame Nkrumah”, 2010, de Eric Kaku Quaidoo consta que "em 24 de Fevereiro de 1966, o Governo de Nkwame Nkrumah foi derrubado num golpe de Estado militar, enquanto ele estava numa missão de pacificação no Vietname. A política de contenção dos Estados em África visava amarrar os cordões umbilicais de todos os Estados independentes da África para evitar a infiltração da influência comunista no continente. Países africanos que tentaram inclinar-se para a ex-União Soviética, portanto, tornaram-se inimigos automáticos dos Estados Unidos. Na década de 1950, África tornou-se o ponto focal do movimento anticolonial e como o primeiro país da África Subsaariana a conquistar a independência, o Ghana estava sob os olhares dos Estados Unidos”.

Em Fevereiro de 1966, durante uma visita de Estado ao Vietname e à China, foi derrubado por um golpe militar liderado por Emmanuel Kwasi Kotoka, orquestrado pela CIA.

Ele viveu no exílio em Conacri, na Guiné, como convidado do Presidente Ahmed Sekou Touré, que fez dele "Chefe de Estado honorário” do país. Nkwame Nkrumah morreu de cancro no dia 27 de Abril de 1972, aos 62 anos de idade, na Roménia.


Lançamento das bases da unidade africana

Nkrumah lançou as bases para a autodeterminação nacional de África, de forma tridimensional.  Primeiro, procurou limitar o tribalismo no Ghana a favor do nacionalismo, em segundo lugar, liderou a intervenção no Congo, em 1960 para impedir a autodeterminação externa do povo katanguês  e, terceiro, foi fundamental no estabelecimento da OUA(Organização de Unidade Africana, antecessora da União Africana), que em 1964 fez uma declaração inequívoca a favor do uti possidetis (princípio geral de Direito Internacional Público que permite a delimitação das fronteiras de novos Estados de acordo com o traçado dos limites coloniais) que se tornou uma pedra angular do direito e da política regional africana.

Desta forma, Nkrumah ajudou a resolver os argumentos em torno da autodeterminação e unidade em África, tendo forjado um legado não intencional que continua a moldar os contornos jurídicos e políticos do continente até ao presente.

Escreve o "Dicionário Político” do Arquivo Marxista na Internet que "Nkrumah tornou-se no inspirador das tentativas de reagrupamento dos Estados africanos, na luta contra o colonialismo e contra a instauração de relações neocoloniais, tornando Accra na capital do pan-africanismo”.

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