Sociedade

Assaltos em táxis tomam contornos preocupantes

Bernardino Manje

Jornalista

A situação toma contornos preocupantes quando estas acções também são desencadeadas em táxis de passageiros.

08/04/2021  Última atualização 11H45
© Fotografia por: Eduardo Pedro | Edições Novembro
Mais preocupante ainda é o facto de muitas das ocorrências acontecerem em plena luz do dia. As máscaras faciais, usadas para a prevenção à pandemia da Covid-19, ao que parece, têm ajudado no disfarce dos assaltantes.O Jornal de Angola conta, nas linhas que se seguem, a história de pessoas - todas mulheres - que sentiram a vida por um fio, devido à acção de malfeitores. Os nomes são fictícios, mas os factos são reais.

Cláudia Patrícia mora na Nova Urbanização do município do Cacuaco, em Luanda. Trabalha num centro de formação profissional, também em Cacuaco, onde dá aulas de pastelaria. Há poucos meses, com os recursos que foi amealhando abriu o seu próprio centro de formação em culinária, pastelaria e decoração, igualmente no Cacuaco. Um exemplo de empreendedorismo.A intenção era ajudar o marido nas despesas da casa, numa altura em que, a cada dia que passa, o custo de vida aumenta. O investimento até parecia dar certo. Tanto é assim que Cláudia já pensava abrir, a curto ou médio prazo, outro  estabelecimento do género, no município de Viana.

"A adesão aos cursos no centro era tanta que até vinha pessoas de Viana. Então perguntei-me: " 'por que é que não penso em arrendar um espaço em Viana e abro, também lá, outros centro? Ao menos os alunos que para cá vêm deixam de percorrer grandes distâncias e outras pessoas também podem aderir aos cursos", pensou.Tudo se encaminhava para a materialização deste sonho, até que, na semana passada, aconteceu o inesperado. Por volta do meio-dia, quando saía da vila de Cacuaco para casa, depois de tratar de alguns assuntos, Cláudia e mais duas jovens foram assaltadas, dentro de um táxi, que passaria pela via expressa Cacuaco-Benfica.

No interior da viatura, cujo modelo e matrícula Cláudia não conseguiu decifrar, as três senhoras encontraram dois homens, ambos com máscaras faciais, sendo o condutor e o ocupante do outro assento da frente, que julgo ser um passageiro. As três mulheres sentaram-se no assento traseiro. Tinham percorrido poucos metros da viagem, o assento de trás nem sequer tinha sido aquecido, quando o "pendura", empunhando uma arma de fogo (pistola), anunciou o assalto. Num tom ameaçador, apelou à "colaboração" das passageiras, sob pena de haver vítimas mortais.

Apresentou um TPA (Terminal Automático de Pagamentos) e obrigou a quem tivesse cartão de débito, vulgo multicaixa, a "riscá-lo" para consulta de saldo e posterior transferência de todo o dinheiro existente. As mulheres não poderiam mentir, sob pena de serem revistadas e encontrado dispositivo.

As outras duas senhoras juraram de pés juntos que não tinham o referido cartão e que estavam dispostas a dar tudo o que tinham. Cláudia, temendo pela vida e pensado nos três filhos menores, logo entregou o cartão ao bandido, que o passou no TPA, accionou a opção consultar o saldo e forçou a titular a digitar o PIN. Na segunda operação foi só retirar todo o montante da conta, onde estava também a renda do centro de formação.A jovem empreendedora não revelou o valor total retirado da sua conta, mas garantiu que não era pouco e não vê como pagar o salário das funcionárias e as despesas do próprio centro.

Segundo Cláudia, uma das passageiras, estudante finalista de uma universidade, levava na mochila um computador portátil e outros haveres, como telefone, os bandidos também receberam. A jovem universitária ainda terá implorado aos malfeitores para que devolvessem, pelo menos, a pen-drive onde estava gravada a sua monografia, mas não acederam.

Para se ter uma ideia de como aqueles assaltantes estavam dispostos a levar tudo o que garantisse dinheiro, até a peruca e os ténis de Cláudia recolheram. A terceira passageira não tinha cartão, nem peruca; mas a pasta onde se encontrava o telefone e outras coisas pessoais também já não lhe pertenciam.

Toda esta acção foi desencadeada entre Cacuaco e uma zona depois do Panguila, até as vítimas serem abandonadas. Na berma da estrada, Cláudia, descalça e sem peruca, assim como as outras jovens, conseguiram apanhar boleia de um senhor que as acompanhou à Esquadra de Polícia mais próxima, onde deram conta da ocorrência.

A história de Joana Gonçalves

Joana Gonçalves, moradora no Bairro Capalanga, em Viana, tem outra história para contar.Até a bem pouco tempo vendia cabelo no mercado do São Paulo. O produto era da tia, irmã mais nova da mãe, que reside no Brasil, há 13 anos, mas que encontrou na venda de cabelo, em Luanda, uma forma de ajudar, nas despesas de casa, o marido, também angolano e igualmente radicado naquele país.Há meses, uma outra tia de Joana, irmã da que se encontra no Brasil, e também vendedora de cabelo, tinha viagem marcada para aquele país. Joana, por orientação da tia, juntou todo o dinheiro e foi ao encontro da outra tia, em Cacuaco, para entregar-lhe o montante (500 mil Kwanzas) que, depois de cambiados, seriam entregues à proprietária.Por volta das 10 horas da manhã, com o dinheiro numa pasta, Joana apanha uma moto-táxi do Capalanga à paragem dos "Três prédios", como também são conhecidos os três edifícios da rede de hotéis "IU", na via expressa. Daí apanha um táxi, Toyota Hiace, que supostamente chegaria à vila de Cacuaco.Depois de passarem pelo antigo comando da Brigada Especial de Trânsito (BET) e já com o táxi lotado, três ocupantes, sendo o condutor, o "pendura" e um outro sentado atrás e munido de uma pistola, anunciam o assalto, no momento em que uma senhora informava que tinha chegado a sua paragem.O condutor não queria parar. A senhora, de tanto reclamar apanhou um tiro no pé. O tiro chamou a atenção dos passageiros para a gravidade da situação. Não resistiram e entregaram todos os pertences e, em debandada, abandonaram o carro, que já se encontrava parado. Além dos 500 mil kwanzas da tia, Joana perdeu o telefone e os brincos em ouro.Joana, que se encontrava grávida de quatro meses, chegou a cair de barriga para o chão, mas o bebé, felizmente, nasceu bem. Ela não consegue dizer qual foi a sorte da senhora que apanhou tiro no pé, porque na fuga, correram em direcções diferentes.  A gestante regressou a pé até aos "Três prédios", de onde apanhou outra moto-táxi de regresso à casa e só lá conseguiu pagar os 150 kwanzas ao motoqueiro.Informada, a partir do Brasil, a tia de Joana conformou-se com o ocorrido e, apesar de ter perdido o dinheiro, congratulou-se com o facto de a sobrinha ter sobrevivido.
Maria ficou traumatizada

Maria Francisca mora com a irmã, cunhado e sobrinhos em Viana e trabalhava numa das lojas do Kero do Kilamba.O horário do trabalho era feito de forma alternada. Havia semanas que trabalhava no período da manhã e outras à tarde. A preocupação era quando trabalhava de tarde, porque  saía às 20 horas.Havia dias que tinha de passar a noite em casa de um tio, na Centralidade do Kilamba, quando o transporte estivesse difícil. No dia em que foi assaltada, até não foi difícil apanhar o táxi. Na paragem, encontrou uma viatura do tipo turismo. Dirige-se ao condutor perguntando se estava a fazer táxi e qual era o destino. O condutor devolve a pergunta: "para onde vai a moça?". Maria respondeu que iria até ao Kapalanga, mas que poderia ficar, pelo menos, no "desvio do Zango”, de onde apanharia mais um táxi. O suposto taxista abriu a porta e a passageira subiu na viatura de vidros fumados.Alguns metros mais à frente subiu mais uma jovem que disse que também ficaria na mesma paragem. A meio do percurso, o condutor trancou as portas do carro, exibiu uma pistola, anunciou o assalto e pediu às duas jovens para fecharem os olhos.Maria notou que o condutor desviava a rota e tentou abrir os olhos, para saber para onde se dirigiam. O assaltante notou e bateu com a pistola na testa. Já no interior do bairro, que até agora Maria não consegue dizer onde é, devido à escuridão, mas que supõe ser numa zona chamada Mutamba, o malfeitor perguntou o que as vítimas tinham em sua posse. Perguntou, também, se tinham cartão multicaixa, ao que Maria respondeu afirmativa, acrescentando que na conta tinha 10 mil kwanzas.O larápio pediu todos os bens que as duas tinham. A última jovem a subir na viatura foi a primeira a ser libertada, mas sem os seus haveres, incluindo a peruca. Maria foi libertada momentos depois, após  muitas voltas pelo bairro escuro e isolado. Ficou sem o telefone e algum dinheiro que levava consigo. O cartão multicaixa não foi usado. Até agora Maria não entende como é que o bandido não a forçou a tirar os 10 mil da conta. Desconfia que este não quis correr riscos.Perdida no bairro desconhecido, Maria encontrou a ajuda de um moto-taxista que a levou até a estrada principal. "Inicialmente senti medo do motoqueiro,  porque pensei que também fosse bandido, mas foi ele quem me levou até à estrada principal", contou. O moto-taxista mandou parar um táxi (Hiace) a quem explicou o que tinha acontecido e pediu-lhe para deixar a jovem no  "desvio do Zango”, onde esta conseguiu ligar para o cunhado que a foi buscar.Pelo sucedido, Maria Francisca, agora desempregada devido à redução do pessoal, ficou durante algum tempo traumatizada. Estava constantemente a tremer e assustava ao mínimo barulho. Teve de ter acompanhamento de um psicólogo para ultrapassar o trauma.
Assaltada duas vezes

Domingas Bamba teve o azar de ser assalta duas vezes, no intervalo de uma semana. Os acontecimentos se registaram nos finais do ano passado.Também residente em Viana, Domingas pretendia, na primeira vez, dirigir-se a um estabelecimento comercial, na Via Expressa Cacuaco-Benfica, com o intuito de fazer compras."Eu queria fazer algumas compras na Cidade da China e subi num táxi pequeno (turismo) que chamava para o "desvio do Zango”. No interior encontravam-se dois homens que, a meio do trajecto anunciaram o assalto, desviaram o carro para uma zona isolada, por trás do Supermercado Kero-Viana", contou.Os bandidos roubaram 40 mil kwanzas que tinha para as compras, o telefone, os anéis de casamento e noivado. Domingas foi abandonada no local.Na semana seguinte, Domingas Bamba foi novamente assaltada, desta vez num táxi (Hiace). Uma senhora que já vinha de uma paragem anterior pediu para descer, porque já tinha chegado à paragem, mas o cobrador anunciou aos passageiros que estavam diante de um assalto. Domingas ficou sem o Samsung Galaxy que o marido acabava de comprar, depois de ter ficado sem telefone como resultado do primeiro assalto.As entrevistadas do Jornal de Angola pedem à Polícia Nacional que faça alguma coisa para devolver o clima de segurança, não só nas ruas, mas também nos táxis. "A Polícia tem de fazer alguma coisa porque assim já não está a dar", disse Joana Gonçalves, acrescentando que, daqui a pouco, as pessoas vão deixar de andar com os seus cartões multibancos.

Associação criminosa dá detenção

Vários cidadãos integrantes de grupos criminosos que se dedicavam a assaltos a passageiros em táxis, em Luanda, foram detidos pela Polícia Nacional e aguardam julgamento na cadeia, informou, ontem, o porta-voz do Comando Provincial da corporação.O inspector-chefe Nestor Goubel disse que os criminosos, cujo número não precisou, foram detidos este ano,  depois de os cidadãos terem apresentado queixas junto das esquadras de Polícia de vários municípios, por terem sido assaltados no interior dos táxis.  O oficial da Polícia confirmou o que as entrevistadas pelo Jornal de Angola disseram. Explicou que, para concretizarem as acções, os malfeitores transportam os passageiros,  simulando serem taxistas, e, no meio do trajecto, ameaçam-nos com arma de fogo e recebem dinheiro, telefones ou outros bens valiosos.Nestor Goubel disse que a prática tem sido realizada com mais facilidade no período nocturno, devido à pouca iluminação em algumas avenidas de Luanda.Adiantou que as denúncias de assaltos no interior de táxis protagonizados por grupos organizados de jovens, com idades entre os 20 e 40 anos, têm levado a que os comandos municipais da Polícia Nacional realizem operações, visando inverter o quadro.  O município de Viana, concretamente no Quilómetro 9 A e B, Via Expressa, zonas do Kilamba Kiaxi, e no Calemba 2, têm sido as áreas com mais ocorrências.Nestor Goubel disse que alguns cidadãos que estão detidos, por crimes do género, são da República Democrática do Congo, que na zona do 11 de Novembro, recebiam vários bens dos passageiros com recurso à arma de fogo.Nestor Goubel garantiu que a Polícia Nacional faz todo o esforço para inverter o quadro da criminalidade. Os diversos tipos de crimes, admitiu, obrigam a uma maior vigilância e desdobramento das forças da Polícia para dar resposta a essa realidade.O porta-voz do Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional manifestou, igualmente, que a corporação está preocupada com o roubo de motorizadas, protagonizado por muitos jovens, oriundos do Sul do país. Na ânsia de desenvolverem a actividade de moto-táxi, estes, com o uso de arma de fogo, roubam motorizadas aos cidadãos. Nestor Goubel apelou às vítimas no sentido de  não reagirem  no decorrer dos assaltos, para  preservarem a vida.

André da Costa


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