Reportagem

Belize, sinais da paz visíveis no rosto da população local

José Bule e Pedro Vicente | Cabinda

Jornalistas

Da cidade de Cabinda a Belize, pela Estrada Nacional nº 100, o rio Chiloango, que nasce na República Democrática do Congo (RDC), desagua em Cabinda e delimita a extensa fronteira com Angola, recebe-nos com simpatia.

06/04/2024  Última atualização 13H45
A sede municipal de Belize ganhou nova imagem, com a construção de mais infra-estruturas sociais, no âmbito do PIIM © Fotografia por: Antonio Soares | Edições Novembro
Atravessamos a ponte sobre o caudal navegável, desde a foz (Oceano Atlântico), no município de Cacongo, até à confluência com o rio Luali, à entrada do Alto Maiombe.

Antes e durante o período colonial, o rio Chiloango teve grande importância no desenvolvimento do interior, relativamente ao transporte de pessoas e bens, sobretudo no que toca ao escoamento da madeira extraída da floresta do Maiombe, antes da construção das redes rodoviárias.

Durante o percurso, é possível ver um grupo de mulheres a lavar roupa ao longo do rio, enquanto rapazes e raparigas tomam banho ou fazem acrobacias na água.

Desaparecem por alguns minutos debaixo da água e aparecem a sorrir no outro lado da margem do rio. São habilidosos. Regressam ao ponto de partida, movimentando apenas as pernas. 

 Instala-se o silêncio. Passamos, com prudência, a serra do Muabi, com curvas apertadas, matas densas e ribanceiras. Há 15 anos, era impossível passar aí, devido às emboscadas montadas por antigas tropas rebeldes.

 Naquela altura, ninguém ousava passar pela serra do Muabi. Os viajantes eram recebidos com tiros. Ao longo da via, os vestígios da guerra continuam visíveis. As bases militares, feitas com contentores de carga, encontram-se em estado de abandono.

Também observamos carcaças de viaturas, vários meios e equipamentos militares utilizados durante os combates, que se perdem pelo capim alto. Durante o percurso, crianças e jovens caminham à vontade. Vão à escola, aos campos de cultivo e jogam futebol.

Os mais velhos continuam firmes no trabalho. Lavram a terra em verdadeiro clima de paz. Assobiam alto. Entoam hinos, interpretam várias canções enquanto manuseiam enxadas, limas e pás.

Em Belize, os sinais da paz reflectem-se nos sorrisos e na expressão corporal das populações residentes ao longo da estrada que liga a cidade de Cabinda ao município, cuja distância é de cerca de 180 quilómetros.

  Chegada a Belize

À chegada à vila de Belize, a brisa acolhe-nos. Dá para sentir o cheiro puro da natureza e ouvir o som acalentador dos pássaros. Estamos no município mais setentrional do país.

 Belize possui 1.600 quilómetros quadrados e é limitado, a Norte e a Leste, pela República do Congo, a Sul pela República Democrática do Congo (RDC), e a Oeste pelo município de Buco-Zau. Além da comuna-sede, que também conserva o nome de Belize, o município é ainda integrado pelas comunas de Luali e Miconje. Antes das caravelas de Diogo Cão, Belize fazia parte do famoso Loango, o reino que, a par de Cacongo e Ngoio, se uniram para dar forma ao actual território de Cabinda.

Do ponto de vista económico, a localidade é essencialmente agrícola, com predominância no cultivo da mandioca, banana, batata-doce, café, amendoim (ginguba), feijão e gindungo, além da caça de subsistência e da criação de animais e aves como galinhas, patos, cabritos e porcos, que constituem a base da dieta alimentar da população.

Na vila, os problemas não são poucos. Ao Jornal de Angola, a administradora municipal, Suzana de Abreu, reconhece, contudo, que algumas  infra-estruturas sociais existentes estão com um nível de degradação acentuado.

Sem restaurantes, salas de cinema, espaços para teatro ou campos multiusos, a juventude vira-se como pode, em campos pelados e espaços adaptados para a realização de actividades culturais e serviços de "comidos e bebidos”, para não ver o tempo passar em vão. Entretanto, a energia, fornecida 24/24, e o sinal da Internet "em dia”, minimizam algumas preocupações.

300 residências

No âmbito do Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), a vila ganhou nova imagem, com a construção de 300 residências, que vão ajudar a melhorar as condições de habitabilidade dos funcionários públicos, unidades de saúde e estabelecimentos escolares.

Segundo a administradora, também estão a ser melhoradas as condições de acomodação dos efectivos da Polícia Nacional, com a construção de uma nova esquadra para o funcionamento do Comando Municipal da Polícia Nacional.


Uma das "Sete Maravilhas de Angola”, Maiombe dispõe de magníficas cachoeiras, grutas e montanhas com mais de 900 metros

Maiombe, o pulmão vegetal

O município ocupa a maior parte da floresta do Maiombe, considerado o segundo maior pulmão vegetal do mundo. É, portanto, a segunda maior floresta do universo, estando apenas atrás da Amazónia, na América do Sul.

A reserva natural possui fauna e flora com abundantes espécies. É rica em ouro, fosfato e manganês, além de variedades de madeira do tipo pau-preto, ébano e sândalo-africano.

Com árvores que chegam a ultrapassar os 50 metros de altura, Maiombe é um verdadeiro paraíso turístico, banhado pelos rios Chiloango, Lukula e Lubizi, que não só acomodam diversas espécies aquáticas como, também, são responsáveis pelo equilíbrio do ecossistema.

Uma das "Sete Maravilhas de Angola”, Maiombe dispõe ainda de magníficas cachoeiras e grutas. Apresenta várias elevações montanhosas, com destaque para os montes Foungout (930 metros de altura); Bamba (810 metros); Montanhas Kinoumbou (784 metros); Kanga (764 metros); Monte Bombo (751 metros); Pico Kiama (747 metros).

Falta de fiscais

No Maiombe, faltam fiscais para combater a caça furtiva, o garimpo de ouro e a exploração ilegal de madeira. Os poucos agentes em serviço estão desprovidos de meios e equipamentos de trabalho à altura dos desafios do momento. A floresta está cada vez mais vulnerável.

 "A nível do município, não existem condições técnicas e muito menos tecnológicas para preparar os fiscais. Este é um assunto da responsabilidade dos ministérios do Ambiente e da Agricultura”, esclareceu a administradora, acrescentando que a Administração Municipal de Belize não está autorizada a emitir licenças de exploração de madeira.

 "Isso limita as nossas acções de controlo sobre quem deve ou não explorar a madeira na floresta do Maiombe. Várias empresas entram e saem do local, muitas vezes sem a nossa intervenção, porque o nosso poder de actuação é muito limitado”, desabafou.

Suzana Abreu explicou que as multas e a cassação de licenças às empresas que não cumprem com os requisitos para a exploração de madeira são da inteira responsabilidade do Instituto de Desenvolvimento Florestal (IDF).

Défice de salas de aula

Na localidade, faltam salas de aula e, por este motivo, muitos alunos estudam em capelas ou debaixo de árvores. "Belize está com um défice de 45 salas de aula, daí o recurso a esses espaços para que os alunos não percam o ano lectivo”, referiu a administradora municipal.

Na localidade, muitas crianças não frequentam a escola, devido às distâncias e falta de transporte. Sobre o assunto, Suzana de Abreu garante que a situação poderá ficar ultrapassada, até ao final deste ano, com a construção de mais escolas, no âmbito do PIIM.

Em relação à falta de salas de aula, a situação agrava-se pelo facto de a região de Belize localizar-se ao longo da extensa fronteira com a República do Congo. Devido à proximidade, muitos pais angolanos matriculam os filhos em escolas do país vizinho.

As crianças, segundo a administradora municipal, atravessam diariamente o rio Luali para chegar ao Congo (Brazzaville). "Vamos já minimizar isso, no âmbito do PIIM. Estamos a construir uma escola de 12 salas de aula, cuja conclusão está prevista para os próximos dias”, sublinhou.

"Mas, por enquanto, os alunos vão continuar a estudar naquele país vizinho. Muitos deles falam melhor o francês e o lingala do que o português”, lamentou.

 Sector da Saúde

Os munícipes reclamam do funcionamento do sector da Saúde. Nesta altura, algumas áreas de serviço do Centro de Saúde (em reabilitação) funcionam numa residência, adaptada para permitir que a população beneficie de assistência médica e medicamentosa.

Na unidade sanitária provisória, os técnicos em serviço atendem maioritariamente pacientes com malária, doenças diarreicas, infecções da pele, tosses e outras patologias. Os casos graves são transferidos para o Hospital Municipal de Buco-Zau.

Enquanto isso, as obras de construção do futuro Hospital Municipal de Belize encontram-se paralisadas. O problema, segundo a administradora Suzana de Abreu, já está a ser resolvido. "A empresa contratada vai retomar os trabalhos nos próximos dias”, garantiu.  

A responsável dá nota positiva aos profissionais do sector da Saúde que actuam na localidade, considerando-os "verdadeiros heróis”. "Eles trabalham em condições muito difíceis”, reconheceu.

Quanto aos sectores da Hotelaria, Turismo e do Comércio, a administradora de Belize adianta que o município sempre esteve aberto a investimentos.

 Comunas do Luali e Miconje

Administrativamente, Belize subdivide-se em duas comunas, Luali e Miconje. As condições de acesso às 14 aldeias que compõem o Luali são razoáveis. As localidades estão interligadas por uma estrada asfaltada.

 No Luali falta água potável, energia eléctrica e um serviço de saúde funcional. A propósito disso, a administradora de Belize garante que, no âmbito do PIIM, estão a ser criadas condições para a instalação de sistemas de água e aquisição de mais grupos geradores.

 Suzana de Abreu acrescentou que, "neste momento, decorrem obras de construção de um hospital, para melhor atender os cerca de dois mil populares residentes na região”.

Quanto à comuna de Miconje, que possui 28 aldeias e uma extensão territorial maior que a do Luali, as vias de acesso às aldeias carecem de atenção especial do Governo Provincial.

Com mais de sete mil habitantes, Miconje apresenta uma imagem aceitável, do ponto de vista das infra-estruturas escolares e sanitárias. Existe, na localidade, um sistema de abastecimento de água potável a funcionar em pleno, enquanto a energia é fornecida aos moradores por meio de um grupo gerador.

Segundo a administradora, o principal problema do Miconje reside na intransitabilidade. "As vias estão muito degradadas, principalmente os troços rodoviários Nganda Cango/rio Chiloango e Regedoria do Kibuende/Estrada Nacional nº 100, que provocam sérios constrangimentos à população local”, explica.

Face à situação das vias, acrescentou, a maior parte dos camponeses entra em prejuízo. Os alimentos agrícolas estragam-se nas zonas de cultivo. Um exemplo claro disso é o que acontece na área de Nganda Cango, onde a banana apodrece, devido às condições das vias. 

 
Obras vão permitir uma melhor circulação de pessoas

Asfaltagem de 300 quilómetros

Sobre o projecto de asfaltagem de 300 quilómetros da estrada que liga o município de Cacongo ao Alto-Sundi, na comuna do Miconje (Belize), Suzana de Abreu avançou que está para breve o início dos trabalhos que vão assegurar, no futuro, uma melhor circulação de pessoas e bens.

 Alto-Sundi dispõe de um verdadeiro potencial agrícola, mas a falta de investimentos no sector entristece os camponeses que, apesar disso, continuam apostados em melhorar a produção de hortícolas, feijão, cacau, batata-doce e banana.

 Anualmente, segundo a administradora, os camponeses de Belize produzem mais de 100 toneladas de cacau e 300 toneladas de banana. Enquanto isso, a população volta a ganhar o hábito de criar bois, cabritos, porcos e galinhas.

 Quer os alimentos agrícolas produzidos na localidade, quer o gado criado na zona, são comercializados no único mercado existente, que absorve boa parte da mercadoria que chega da vizinha República do Congo.

Em geral, os preços dos produtos ficam muito aquém do esperado. Tal como acontece no município de Cacongo, é o cliente que determina o valor monetário do produto.

A administradora municipal conta que, muitas vezes, os agricultores/negociantes se recusam a aceitar as propostas feitas pelos clientes. Não havendo entendimento entre as partes, alguns camponeses regressam com a mercadoria aos seus locais de residência.

Sobre o assunto, Suzana de Abreu reconhece que a situação tem causado grandes prejuízos financeiros aos produtores locais.

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