Reportagem

Cabinda: Seitas religiosas enganam cidadãos com falsas promessas de emprego

Arsénia Manuel | Cabinda

Jornalista

A província de Cabinda continua a registar uma “explosão” desmedida de seitas religiosas por tudo quanto é canto e com todas as consequências negativas que o fenómeno causa no seio da sociedade e de muitas famílias.

20/09/2023  Última atualização 09H36
© Fotografia por: DR

É comum verificar, em muitos bairros da cidade de Cabinda,  movimentos apostólicos fora do comum, quer os de origem brasileira como os dos dois Congos (RDC e República do Congo). Os dois  últimos países são os que mais promovem actividades  ilegais, inculcando nos menos atentos doutrinas e rituais que ferem o princípio da valorização humana e, fundamentalmente, da cultura  do modo  de ser e estar dos angolanos.

Falsas promessas de emprego,  casamento, ascensão na vida, prosperidade e garantias de cura são geralmente os argumentos sustentados pelos pastores dessas confissões religiosas, para convencer,  atrair e enganarar membros.

Albertino Macosso, 42 anos de idade, disse sentir-se muito arrependido por ter aderido a uma seita religiosa designada "Os dias de Maravilhas”, originária da RDC, localizada no bairro Luvassa Sul, onde permaneceu cerca de um ano e meio.

O cidadão conta que, depois de ter perdido o emprego, no campo petrolífero do Malongo e na ânsia de  voltar a trabalhar, foi aconselhado por um amigo a aderir à  seita,  como o "local ideal onde rapidamente  poderia resolver o  problema de retorno ao trabalho”.

Passados oito meses, lembra, e, depois de muitas promessas do pastor cujo nome não  revelou e com muitas exigências deste, para entregar à igreja um pouco dos seus bens, porque só assim "Deus” iria abençoá-lo, Albertino Macosso entendeu doar os parcos, bens que havia conseguido com muito sacrifício, nomeadamente um terreno, 24 cadeiras plásticas, chapas de zinco e dois mil blocos de cimento que tencionava usar na construção da sua moradia.

"Fiquei dois anos na igreja, não encontrei solução nenhuma”, lamentou, acrescentando que só despertou depois de ter percebido da fuga do líder da igreja para a RDC. Na tentativa de recuperar os seus bens, descobriu que já tinham sido vendidos.

 
Quadro "bastante preocupante”

O reverendo Pedro António, da Igreja Evangélica de Angola (IEA), caracterizou o actual quadro de proliferação de seitas religiosas na província de Cabinda de "bastante preocupante”. Apelou às instituições do Estado a redobrarem o controlo e imprimirem maior fiscalização da actividade religiosa na província, com vista a reverter-se o quadro que tende atingir níveis insustentáveis, mas respeitando o princípio da "liberdade de religião”.

O Estado, disse, deve encerrar as igrejas  ilegais, sobretudo aquelas que promovem a desordem social, poluição sonora, resultante da "gritaria” em momentos de adoração a Deus, tirando sossego às pessoas que residem ao redor dos templos e contribuem na desestruturação familiar, acusando adultos e crianças de feiticeiros.

"O Governo deve manter o controlo de todo o movimento religioso no país e continuar a mandar fechar as igrejas e seitas ilegais que têm estado a contribuir na desestruturação das famílias angolanas” reiterou.

Na visão do reverendo, "o Estado angolano, apesar de ser laico, deve fiscalizar e disciplinar as igrejas i legais. Deste modo, reforçou, estaria a evitar o processo de aculturação que se assiste no seio da sociedade.

No entender do reverendo Pedro António, a proliferação de seitas religiosas na província de Cabinda resulta, fundamentalmente, da condição geográfica, ou seja, da aproximação com a RDC e a República do Congo, países cujos cidadãos encontram facilidades de entrar e de se instalarem em Cabinda, para promoverem actividades religiosas ilegais e extorquir os cidadãos.

"A aproximação da nossa província com os dois Congo facilita a implantação de muitas seitas religiosas ilegais que albergam pastores duvidosos, oriundos desses países, com objectivo único de enganar o povo”, disse, acrescentando que muitos desses pastores "não são verdadeiros servos de Deus, são apenas uma capa revestida, usando o nome de pastor, bispo ou presbítero, para  roubar e enganar os crentes", desabafou.

A exclusão social, o aumento do custo de vida, a pobreza e o analfabetismo são, na óptica do reverendo Pedro António, as principais armas que muitos destes pastores de confissões religiosas duvidosas usam para "destruir a mente do homem".

O reverendo da IEA disse não estar contra essas religiões, mas sim, as doutrinas que professam com princípios não dignos de se seguir, baseadas em pregações que desestruturam famílias, anunciam promessas irrealistas de prosperidade imediata, cura, ascensão na vida, casamentos, entre outras garantias.

"Boa parte dessas seitas prometem milagres, desmobiliza o povo em termos de solução, desencorajando os cidadãos ao trabalho, situação que não contribui para o desenvolvimento do país”, referiu.

O líder religioso apelou aos cidadãos a estarem atentos aos falsos pastores e sobretudo naquilo que tem a ver com a sua acção doutrinal, que segundo recalçou, é geralmente carregada de "ganância, extorsão, sedução entre outros aspectos que ferem a moral das pessoas”.

 

Facilidades na legalização

O pároco da igreja Rainha do Mundo, Roque Vemba, considera que o critério estabelecido pelo Estado angolano para a legalização de igrejas "é muito acessível”, o que no seu entender, propicia à proliferação religiosa.

"A proliferação religiosa está a ganhar contornos alarmantes nos últimos tempos na nossa província e não só, devido às facilidades que existem na legalização dessa actividade no mercado nacional”, reiterou.

Na visão do prelado católico, para se inverter o quadro é imprescindível que o Governo, através dos sectores afins, promova acções de sensibilização sobre a liberdade religiosa e que antes da autorização do exercício da actividade religiosa, a igreja seja tida em conta.

"É preciso haver mais investigação sobre a essência da igreja que queira implantar-se no território nacional”, alertou o padre Roque Vemba, para quem não levou em conta a doutrina de muitas confissões religiosas existentes quando foram legalizadas.

Roque Vemba deplorou atitude de muitas igrejas que apelam adesão forçada dos crentes, obrigam crianças e velhos a fazerem jejum, por longas horas, se não mesmo dias, a pretexto de que, com esse sacrifício, os resultados serão incomensuráveis, quando, na verdade, reforçou, debilitam fisicamente o ser humano, porque o milagre é feito por Deus e não pelo simples facto de se aderir a esta ou aquela seita religiosa.

O pároco apontou o analfabetismo como um dos principais factores que leva as pessoas que aderem a essas seitas a não perceberem os fenómenos e outros infortúnios à sua volta, como por exemplo quando estão doentes e devem ir necessariamente ao hospital e não a uma célula religiosa ou simplesmente Tchinlongo.


Seitas encerradas

O chefe do Departamento da Acção Cultural, Assuntos Tradicionais e Religiosos da Secretaria provincial da Cultura, José Tati Jason, informou que a instituição realizou acções de fiscalização em alguns bairros, aldeias e outros aglomerados populacionais para avaliar o movimento apostólico na província. O processo permitiu identificar 847 locais de culto adstritos a diversas igrejas, das quais apenas 67  legais. "Todas as outras exerciam a actividade religiosa de forma ilegal”, informou.

No que toca às células de oração ou simplesmente seitas religiosas, a fonte salientou que foram catalogadas 326, das quais 67  legalizadas posteriormente. Informou também que estão criadas 11 Comissões instaladoras e 12 núcleos religiosos.

"A Secretaria provincial da Cultura, com vista regular o exercício da actividade de culto, crença e religião, tem realizado acções de fiscalização”, disse.

O responsável lembrou que as seitas quando reconhecidas pelo Estado  podem realizar qualquer actividade divina, desde que estejam vinculadas a uma igreja legalizada, porque elas "não podem funcionar como igrejas, mas, sim como pequenos locais de intercessão que podem ser mesmo até num quintal de um crente”.  

"Estes grupos de oração devem necessariamente pertencer a uma igreja que é legalizada. Como é de lei, eles só podem fazer programas de culto e de outra índole religiosa caso a seita esteja vinculada a essa confissão religiosa”, disse José Tati Jason, para quem ainda que a seita esteja legal, as suas actividades de adoração não devem incomodar a vizinhança.


 Lucro fácil

O sociólogo Sevo Agostinho considera "pastores de lucro fácil” todos que se intitulam "servidores de Deus”, pastores ou apóstolos, mas na prática usam esse pretexto para atingirem objectivos financeiros (lucro fácil), enganando as pessoas com promessas falsas, quando estas enfrentam dificuldades nas suas vidas, o que as torna mais vulneráveis.

Na visão de Sevo Agostinho, a proliferação de seitas religiosas não ocorre apenas em Angola, mas, sim um pouco por todos os países do continente africano, onde, reforçou, o analfabetismo e a pobreza são dominantes e que facilmente "empurram” as pessoas menos atentas a aderirem a grupos de supostos pastores que se apresentam como indivíduos com soluções dos infortúnios.

 "As pessoas, quando enfrentam dificuldades, ficam vulneráveis, podendo aderir facilmente a grupos (seitas) que supostamente lhes apresentam soluções imediatas dos problemas”, alertou.

O também académico acrescentou que os ditos pastores ou apóstolos se instalam, preferencialmente, em zonas periféricas, onde são mais evidentes os casos de pobreza, ou seja, de pessoas com um nível de vida social muito precário.

O sociólogo manifestou preocupação com o crescente movimento apostólico que se regista em Cabinda, alertando as autoridades de direito a tomar medidas para se inverter a situação, que considera ser promotora de muitas consequências no seio da sociedade e das famílias no geral. Entre as principais consequências apontou acusações de feitiçaria, aculturação (absorção de hábitos e culturas alheias ao modo de  ser e  estar dos angolanos), males que, reforçou,  contribuem para a desestruturação de famílias.

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