Reportagem

Cidade do Huambo: Um paraíso encravado no centro de Angola

Capital do Planalto Central, que tem na hospitalidade um dos principais postais, é um grande pólo de desenvolvimento económico, apesar da devastação durante a guerra civil que assolou o país

20/09/2023  Última atualização 05H45
© Fotografia por: DR

A cidade do Huambo, que também dá nome à província do Planalto Central, ostenta encantos que fazem qualquer visitante pensar em voltar antes mesmo de se ir embora. A forma de se comunicar, os lugares, o vestuário, as danças, o degustar de uma boa refeição em família ou entre amigos e até mesmo entre desconhecidos são factos que chamam atenção. Por isso, um dos postais do Huambo é a própria hospitalidade.

É quase impossível estar na cidade vida e não sentir que as pessoas lhe são próximas, tudo porque o povo é gentil e cortês. Tem-se essa impressão devido ao cuidado no saudar que o "huambense” tem, até para quem lhe é desconhecido.

De tempos em tempos, a cidade é invadida pelos aromas  e sabores das frutas que lhe são típicas como o morango, a nêspera, romã, pitanga (em extinção), pêssego, melancia e outros. O Huambo tem a característica de produzir frutos silvestres em grande escala como a ameixa agreste (loengo). Rico em Vitamina C, é um fruto versátil muito usado para a confecção de sumos e compotas.


Estufa-fria

Um dos postais da cidade do Huambo é a Estufa-fria. Situada no centro da cidade, o local é visitado por todos que apreciam a natureza e gostam de ouvir o cantar dos pássaros. Os estudantes e apaixonados são os que mais a procuram. Há quem prefira sentir a relva se sentar nos bancos que ali se encontram. A mãe natureza foi generosa em brindar com um clima propício para o aconchego e o abraço.


Artesanato

Pelas ruas da cidade do Huambo é possível avistar o andar lento e cadenciado de mulheres que, de tempos em tempos, apregoam os seus produtos.

As vendedoras de abacate chamam a atenção dos compradores somente quando entram numa zona nova. Pois, bacias carregadas de utensílios artesanais muito bem trabalhados também falam e quem passa, ao vê-las, fica encantado.

Dona Chiló é uma das muitas mulheres ambulantes que vendem utensílios artesanais para o lar, em especial os de cozinha.

Os mais entendidos, como Samuel dos Santos Kassoma, dizem que estes utensílios são típicos da região e toda mulher, após o casamento, deve levá-los para casa.

Justifica ser um ritual próprio denominado (okuquatissa epata), que significa integrar-se na família, traduzido literalmente para o português. "Esses artigos devem ser levados pela mulher depois de casada para a sua casa. Simbolizam união entre as duas famílias e mostra que a nova família não vai andar mal arrumada, a comida vai ser bem confeccionada e demonstra que a mulher é organizada”, disse ao Jornal de Angola.

Os artigos artesanais encontrados na "Cidade Vida” vão desde tábuas de lavar a roupa, peneiras, almofarizes, gamela (otchimanda), remos para picolar o pirão (oluico), bancos de pele (catchalo), vassouras de palmeira, balaios e quindas estes últimos para colocar a fuba e os cereais.

Samuel Kassoma conhece os hábitos do Planalto Central. Afirma que  "a mulher que vai para a casa do marido, depois do casamento, e não leva estes utensílios domésticos significa, para a família do noivo, que o casamento foi só entre o casal”. "Nesse caso, não engloba as famílias”, completou.


Gastronomia

Outra das grandes referências da cidade do Huambo é a sua culinária, rica e saborosa, com nuances místicas e naturais, entre o doce e o salgado.

"No Huambo come-se saúde. A nossa cozinha é muito rica e vai das folhas, grãos, frutas, tubérculos, carnes brancas e vermelhas, os nossos rios são de uma riqueza ímpar, pois temos peixes grossos, finos e até cacusso”, disse Luísa Cabral, chefe de cozinha.

Dona de um restaurante dedicado à culinária local e estrangeira, Luísa Cabral ou "Dona Teta”, como é carinhosamente chamada, conta que a comida feita no Huambo tem um historial do português colonizador. "Mas nós demos um toque nosso. O nosso ‘pirão’ com peixe seco assado na brasa e o ‘lombi’ (rama de abóbora) com ‘sumate’ (tomate cereja pisado com gindungo, cebola, sal e óleo de soja). O tomate cereja tem muita água e é de uma acidez única que dá sabor ao prato. Temos ainda a cabidela de galinha natural, que é sem dúvida o prato principal da nossa culinária”, observou na abordagem com a nossa equipa de reportagem.

Dona Teta afirma que a comida do Huambo dá vida, pelo facto de sair da terra para o prato "não passando por processamentos de fábrica”.

"Temos ainda as nossas bebidas como o ‘walende’, com mel quente feito com milho fermentado, banana, batata-doce e açúcar; a quissângua e os nossos sumos naturais derivados das ricas frutas que temos”, disse.

A chefe de cozinha sugere aos apreciadores de boa comida, visitantes e turistas que "não fiquem pelos pinchos e cafraias”. "Que procurem pelos pratos típicos do Huambo, como o sarrabulho (miudezas de porco), peixinhos da horta, ‘sele’ (feijão fresco em puré), broa de banana, ‘calife’ (bolinho de fuba de moinho ou de soja), entre outros”, concluiu.


Região rica em recursos naturais

A cidade do Huambo foi um pólo de desenvolvimento económico, industrial e agro-pecuário e um centro de excelência no domínio académico, nomeadamente na área da investigação agrária e veterinária. Devastada durante os anos da guerra civil, tal como as outras infra-estruturas - estradas, vias-férreas, escolas e hospitais -, a rede tem vindo a ser reconstruída e recuperada com sucesso.

O Huambo é uma região rica em recursos naturais e minerais, com uma vasta rede hidrográfica e um clima ameno que a tornam especialmente vocacionada para o desenvolvimento de actividades agropecuárias e agro-alimentares. O subsolo é rico em minerais como o manganês, diamantes, volfrâmio, ferro, ouro, prata, cobre e urânio.


Bairros destacados

A cidade do Venceslau Kassesse revela, ainda, que pouco tempo depois, o desenvolvimento da capital da província nunca mais parou e novos bairros surgiram em torno da nova cidade, onde se destaca o Canhe, Benfica, Macolocolo, São José, Aviação, Rua do Comércio e tantas outras zonas. Disse, a esse respeito, que o bairro do Canhe é marcado com a história de evangelização da região do Huambo, zona povoada na época por trabalhadores do Caminho-de-Ferro de Benguela.

O historiador realça algumas figuras proeminentes daquele bairro do Huambo, onde já havia "negros assimilados”, que se notabilizaram em várias actividades ligadas ao comércio, agricultura, desporto e música.

No bairro do São João, por exemplo, aponta a figura do mais velho Carinone, ainda em vida, que naquele tempo já tinha poder económico a ombrear com muitos empresários portugueses. Chegou a oferecer um autocarro à Administração Portuguesa. Aponta, igualmente, os senhores Kalukango e Simão Victor, comerciantes que fizeram desenvolver o Huambo. No bairro do Canhe havia o mais velho Sekepa, um comerciante que ajudou no desenvolvimento da cidade e tantos outros nomes dos filhos do Huambo que continuam na história da cidade.

No campo da política e cultura, os nomes reverenciados são os de Albano Machado, que dá o nome ao Aeroporto do Huambo, e Constantino Kamoli, cujas acções revolucionárias e académicas se fizeram sentir no tempo colonial.

A nível religioso, sobressai o nome do malogrado arcebispo emérito do Huambo, Dom Francisco Viti, "grande intelectual que antes de ser padre já era defensor dos direitos dos nativos e protagonista de muitas estruturas sociais a favor dos negros”.


As primeiras infra-estruturas

Em relação às primeiras infra-estruturas da capital do Planalto Central, o historiador Venceslau Kassesse destaca, entre outras, o Palácio do governador, na época "Ombongue yewe” (Palácio de Pedra), que terá sido construído com mão-de-obra local, entre 1939 e 1945,à base de pedra e cimento. "Uma estrutura magnífica e robusta com projecção de uma cidade que nascera para ser a capital de Angola”, assinalou.

O interlocutor do Jornal de Angola apontou, igualmente, imponentes estruturas construídas naquela época como as actuais instalações do Banco Nacional de Angola (BNA), do Comité Provincial do MPLA, do Governo Provincial, da Direcção da Agricultura, do Mercado Municipal, do Arcebispado do Huambo e outros. Já na parte alta da cidade, entre os primeiros edifícios definitivos construídos destacam-se a actual Biblioteca Constantino Kamoli e o actual Centro Médico da Polícia Nacional.

Junto ao Prédio do Registo havia a primeira Escola Primária e o actual Museu era a casa de passagem dos Serviços de Telecomunicações.


Cidade que deve o nome a um caçador assinala 111 anos

Faz amanhã 111 anos, desde que a cidade do Huambo, que deve o nome a um caçador, foi inaugurada pelo então governador-geral de Angola, José Maria Mendes Ribeiro Norton de Matos, que coincidiu com a primeira viagem do comboio dos Caminhos-de-Ferro de Benguela.

O acontecimento, que marcou, igualmente, a abertura da linha férrea que liga a cidade ao Lobito, província de Benguela, teve lugar no recinto ao lado da actual Biblioteca Constantino Kamoli, onde havia uma casa de pau-a-pique, coberta de capim.

Na mesma ocasião foi proclamada a cidade do Huambo e entregue a chave da mesma ao presidente da Câmara Municipal, como símbolo de desenvolvimento. O acto das festividades da inauguração foi realizado no largo junto ao prédio do Pica-Pau, onde foram traçadas as metas do desenvolvimento demográfico e urbanístico da nova cidade.

O historiador Venceslau Kassesse disse, a esse respeito, que o Huambo nasceu para ser cidade e não precisou de evoluir para esta categoria por possuir uma geoestratégia no país, dado o ponto de cruzamento de toda a rede de comunicação terrestre de Norte a Sul e do Leste a Oeste.


Origem do nome

A cidade do Huambo era denominada de Wambu, em homenagem a um dos primeiros habitantes, o lendário caçador Wambu Kalunga, vindo da região do Seles, Cuanza-Sul, que perseguia um elefante e acabou de o abater nas imediações do rio Cunhoñgamua, próximo das pedras Ganda La Kawe, no município da Caála.

Relatos dão conta que o mesmo montara o seu acampamento na zona para a secagem da carne do animal e, por fim, de tanto gostar da região, foi buscar a sua família na terra de origem, para morar na nova zona.

Quando os primeiros portugueses chegaram na localidade, encontraram alguns populares e perguntaram o nome da aldeia. Estes responderam "tukasi vimbo lya sekulu Wambu” (estamos na aldeia do velho Wambu) e depois foram dirigidos ao mais velho Wambu Kalunga, o colono deu nome deste, aportuguesado depois por Huambo.

Domiana N’jila e Estácio  Camassete | Huambo

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