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Comuna de Xassengue quebra isolamento com ajuda dos mototaxistas

Nelson Tximbeia estacionou a sua motorizada robusta, de marca Yamaha, com a “garupa” carregada de bebidas, caixas de peixe congelado, coxas de frango e outros produtos mais solicitados na sua cantina. Aberta há cinco anos na vila de Xassengue, interior do município de Cacolo, província da Lunda-Sul, a cantina constitui um suporte importante na localidade onde o “patriotismo” de jovens mototaxistas atenua o isolamento.

28/09/2023  Última atualização 07H20
Mototaxistas transportam passageiros obrigados a desembolsar 20 mil kwanzas pela viagem de quase 100 quilómetros © Fotografia por: Kamuanga Júlia | Edições Novembro |Xassengue
Do esforço do "cantineiro” e três outros homólogos, a população compra o sabão, sal, açúcar, óleo alimentar, entre outros bens, em porções calculadas com base no custo do produto a partir da fonte e nas humildes capacidades financeiras da comunidade.

Com base nos preços fixados, o cliente que tiver Akz 50 pode adquirir porções de açúcar e sal embalados em sacos plásticos, além de sabão em qualquer cantina na vila. Aqui, uma coxa de frango custa Akz 700, o mesmo valor cobrado por um litro de gasolina.

O  nível  de "risco e desgaste” determina a cobrança do preço de  Akz 20 mil  ao passageiro, por uma  viagem de motorizada de Cacolo a Xassengue. Os mototaxistas provam, na prática,  serem " corajosos, destemidos e patriotas”, como afirmou o administrador da circunscrição, Domingos Mwatxengue.

"São um segmento importante na vida da população” realçou o administrador,  fazendo referência ao "péssimo estado” da antiga estrada nacional EN 170. Acrescentou que durante o regime colonial, foi a principal via de acesso. Encurta em cerca de 100 quilómetros a distância  entre Malanje e a região Leste do país.

Nas actuais condições, transpor o troço Cacolo/

Cucumbi/Xassengue é um desafio para "grandes mestres do volante, heróis de picadas, caminhos e trilhos” para os que abraçam missões, sem olhar para os riscos.

O frenesim ilustrado pelo movimento imparável de motorizadas que rasgam, aos derrapões, troços arenosos, exercitando a perícia com arrepiantes zig zags, num claro desafio à gravidade e outros fenómenos naturais concorrentes.

A estrada é um "Deus nos acuda,” com labirintos que configuram "gargantas abertas”, lances de degraus, rampas com declives acentuados, trincheira e até depósitos de gravilha, para impedir, a todo o custo, a passagem de teimosos transeuntes.

A ocorrência de quedas e avarias insuperáveis são os ossos do ofício que, em determinadas circunstâncias, forçaram Nelson Tximbeia a descarregar, esconder  a mercadoria e o próprio veículo na mata, para caminhar longa distância em busca de socorro,  a fim de chegar ao porto de destino.

A sede municipal de Cacolo, a 96 quilómetros é, habitualmente, a sua  fonte de abastecimento de produtos. Acrescentou que quando a necessidade justifica, percorre mais 140 quilómetros, para complementar os bens em falta.

Inúmeras alternativas  fazem parte de uma teia de vias que podem desnortear o visitante em relação ao percurso a seguir. Jovens mototaxistas que fazem o percurso com regularidade, há muito superaram esta dificuldade. Devido à rotina, para ganharem o pão, "passam como furacões” em faixas estreitas e escavadas. Testam as capacidades ao limite, sob o olhar de transeuntes e passageiros com "respiração cortada”.

O administrador de Xassengue, Domingos Mwatxengue, descreve cenários em que o prosseguimento da viagem impôs, em certos momentos, a necessidade de escavar e entulhar troços com ajuda de pás e enxadas, para abrir passagem. Em situações mais extremas, prosseguiu, forçou "jovens com nervos de aço sentarem sobre capões de viaturas  no lado desiquilibrado” para repor o equilibrio.

Origem da localidade

Registos históricos  apontam que Xassengue vem de Sengue, nome de um dos filhos do líder tradicional Sassengue, cuja escrita em português, no passado colonial evoluiu,  de forma errada, para Xassengue.

Região ocupada por um "Mwene”,  exprime cultura por homenagear um soba, até à chegada dos portugueses. A sede do antigo Posto Administrativo de Minungu, situado a 15 quilómetros, foi instituída através da Ordem nº 291, de Outubro de 1914.

Dezenas de mangueiras "idosas” perfiladas formam a cortina verde que no passado protegeu a vila da acção de ventos fortes.

Os escombros do edifício da administração, tanque aéreo para abastecimento de água, chafarizes, posto de saúde, duas lojas e três residências de carácter definitivo são os vestígios da passagem colonial.

Árvores e capim invadiram a pista  usada para  aterrissagem de aviões de pequeno porte. O cenário natural de acolhimento e silêncio, na antiga zona de disputas militares, remete o visitante a uma retrospectiva sobre o passado.
Três ravinas avançam ameaçadoras para "engolir” o espaço destinado a urbanização da vila.

Vila actual

Três casas geminadas  do tipo T-3, uma das  quais adaptada como sede da administração, a escola de três salas de aula, ao lado da qual desponta outro pavilhão da mesma tipologia meio concluída, e com obras paralisadas esboçam o postal da vila sede de Xassengue.

 Com o tanque metálico de 50 mil litros sem água, há cerca de 12 anos, por avaria do grupo gerador de 65 KVA, os chafarizes e todo o sistema referido representam meros adornos para a vila limpa e calma. O movimento para um dos três riachos concorridos pela população para acarretar água, começa com o nascer do sol.

O transporte de água é feito essencialmente por adultos e crianças do sexo feminino que escalam mais de uma vez a elevação, carregando bidões de cinco e  20 litros cheios de água. O alargamento do espaço que circunda o tubo de água facilita a higiene pessoal, lavagem de roupa e louça.

 O roncar de um gerador que serve o centro de saúde soa à distância.  O enfermeiro Adelino Sapalo garante que o abastecimento regular de medicamentos facilita a assistência aos pacientes que neste tempo seco queixam-se de dores na coluna, tosse e gripe.

 Sentada num banco situado no corredor interno, Caxala Adija, 16 anos, aconchega o pequeno Joaquim, atacado por tosse, gripe e diarreia, enquanto aguarda pela chamada.  A senhora Laurete Pedro trouxe o neto, Messias Domingos, 2 anos, para tratar da tosse.

Por parte das autoridades tradicionais, o soba de Sassengue,  Garcia Jaoquim Samata, reitera o apelo à intervenção urgente para recuperar a estrada e impulsionar o desenvolvimento. O seu homólogo, Benjamim Utxica Txinzaji, subscreve o mesmo apelo, acrescentando a preocupação com a falta de oportunidade para a população comercializar os seus produtos, acumulados nas casas.

Cuango pela EN 170

Aida para a ponte rio Cuango, ponto limítrofe entre Xassengue e a sua congénere de Quitapa, pertencente à província de Malanje, foi uma viagem fastidiosa.

A chegada à plataforma que suportava o "tabuleiro de betão”, transformado em destroços, visíveis no leito do rio Cuango, foi marcante. A água limpa do rio Cuango segue o seu curso em silêncio. Na margem oposta, um grupo de caçadores munidos de  armas  de  fogo do tipo caçadeira, flechas, catanas, facas  e outros artefactos, saúda a comitiva.

Informados sobre a presença dos visitantes, os caçadores atearam fogo que levantou uma nuvem  de fumo. O lume devora "impiedoso” o capim seco, na área, anunciando o início de mais uma sessão de caça, de várias, realizadas todos os anos, nesta época, na zona rural de Quitapa.

A partir da plataforma, Mwatxengue ressaltam valências que a reabilitação da via pode trazer no desenvolvimento das comunidades situadas ao longo do eixo. Referiu que  "mesmo nas condições em que a estrada se encontra, vários cidadãos escalam a cidade de Malanje, transpondo o rio através de canoas para  retomarem a viagem em motorizadas”.

Lembrou que a abertura da estrada nacional 230, por conta da exploração de diamantes no então distrito da Lunda,  ofuscou o interesse pelo uso e reabilitação desta estrada. Como consequência, as  comunidades baseadas no perímetro geram o dilema do isolamento e atraso multifacético, agravado pela falta de oportunidade para venderem o que produzem.

Potencial dos solos

A bata, mandioca e a banana  apresentados no bairro Terra Nova são apenas uma amostra do potencial dos solos que, no entender dos residentes, dispensam o uso de adubos e fertilizantes. Foi no mesmo bairro, onde a educação da população transparece no gesto de acolhimento manifestado pelo pequeno Alone Carlos, que estendeu  a mão direita  aos visitantes pronunciando insistente a célebre expressão Tchokwe, "Tambwoqueno” que  em português significa "sejam bem vindos.”

Aos 12 anos, Anita Carlos, irmã mais velha, estuda a primeira classe. Veio de Quitapa com os pais. A jornada diária da futura professora começa com a limpeza da casa e de utensílios. Garante que sabe cultivar e pode  semear milho e feijão na lavra.

A viagem no percurso Xassengue/Ponte do Cuango permitiu desfrutar do verde da natureza paisagens marcadas por extensos polígonos florestais virgens, chanas e de frutos silvestres em "quantidades industriais” conhecidos por fungo, na língua Tchokwe, loengo e mufongo,  em Umbundo e Quimbundo, respectivamente.

 Identificação de um engenho explosivo

A colheita e degustação  decorre num ambiente de gracejos.  A identificação de um artefacto suspeito de ser um engenho explosivo foi digerida com tranquilidade. Recorrendo à experiência adquirida durante o cumprimento do serviço militar, o administrador Mwatxengo removeu, cauteloso, o capim à volta.

De seguida amarrou na haste superior de uma estaca espetada no solo, pedaço de um saco plástico azul, para alertar quem passe, eventualmente,  pelo local.

No aparente isolamento a vida pulsa. Ignorando o perigo à espreita, a qualquer altura, a  população procura alternativas para contrapor  dificuldades. Dos mutombes, plantas ribeirinhas semelhantes às palmeiras, os jovens extraem a seiva conhecida por "maruvo ou maluvo" bastante consumido.

A ocasião propiciou alguns membros da equipa a adquirirem  20 dos 30 litros transportados por dois jovens, que  caminham enérgicos, abanando com as mãos o rosto para repelir os incómodo.

Um outro que teve a sorte de ganhar uma boleia na viatura, carrega peixe fresco capturado no rio Cuango. A ida ao Cuango assinalou o desfecho de uma incursão difícil conseguida com sentido de missão. O sucesso do regresso estava confiado a Deus porque nas condições descritas na estrada viajar sem pneu de socorro é expor-se, voluntariamente, ao risco.

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