Opinião

Dona Armanda e Kevelela fazem entrada na era digital

Todos os anos Nelson, além de o fazer no dia dos seus aniversários, oferecia uma prenda aos pais por ocasião da celebração do Dia de África. Nelson tinha por hábito procurar oferecer sempre algo que ambos partilhassem. Gostava de vê-los sempre juntos e ficava enternecido quando os visse a desfrutarem da oferta. Quando não conseguia algo que ambos usassem, procurava comprar sempre coisas ou roupas que combinassem para os dois.

24/05/2019  Última atualização 07H30

Desta vez Nelson antecipou a entrega da oferta. Tinha de viajar e queria deixar o assunto arrumado. Sabia da resistência do pai, mas tinha a convicção que logo logo ele iria habituar-se e sentir-se maravilhado. Com a mãe não havia problema, sabia de antemão que ela iria adorar. Fez algumas economias ao longo de meses e dirigiu-se a uma dessas lojas que vendem equipamento informático. Havia desde computadores, tablet a smartphones de várias qualidades.
Na cabeça só lhe passava uma ideia: os velhos têm de sair da Idade da Pedra. E a Idade da Pedra era não estar nas redes sociais, não ter acesso à Internet. O pai até que falava dessas coisas, mas para dar então, na prática, o salto?! Continuava agarrado ao seu “laranjinha”, um telefone arcaico, como se de uma relíquia se tratasse. Às tantas se calhar até era - pensou para com os seus botões.
Escolheu um telefone 3G, experimentou, recebeu as explicações do técnico, ficou uma hora a fazer perguntas e a tirar dúvidas para poder dar um workshop aos pais sobre o funcionamento do aparelho. Mandou fazer um embrulho bonito e foi disparado à casa dos pais, que encontrou na sala, sentados no cadeirão a ver a televisão.
Boa noite, Dona Armanda e senhor Kevelela, fechem os olhos e estendam as mãos - disse ele ao entrar. Os dois estenderam as mãos e fingiram fechar os olhos. Nelson colocou então a prenda nas mãos dos dois. Abriram-na, exultaram de alegria, agradeceram e levantaram-se para abraçar e dar beijinhos ao filho. Mas Kevelela foi já adiantando logo dizendo perguntando esses são os tais telefones digitais? e Nelson a responder que sim! que sim! e que ele estava pronto para explicar como funciona. E Kevelela a dizer ao filho que digital por digital contento-me com a tua mãe, quando as minhas mãos e dedos tecem nela poemas de amor e quando os dela fazem o mesmo em mim. E Nelson a soltar uma gargalhada sonora que ecoou pela sala e a olhar para a mãe à espera da reacção dela. E Dona Armanda a dirigir-se ao marido e a dizer "vê se tens juízo ó homem." Mas Kevelela a responder que a verdade era para se dizer e que na idade dele esse apelo para ter juízo já vem tarde.
Nelson começou a explicar como funcionava a máquina, o workshop estava assim iniciado e Kevelela não resistiu e acabou assim por ser mergulhado no mundo das redes sociais. A noite foi gasta a baixar aplicações, a trocar mensagens no Facebook e no WhatsApp, a serem incorporados em grupos de amizade, enfim. Maravilhados ficaram quando puderam falar com os outros filhos e membros da família através de videochamadas. A Suzanélia, a filha a viver na Holanda, disse Kevelela, engordou e estava que nem uma baleia. E a recomendar-lhe ginásio e cuidados com o colesterol. Já o Pedrinha, no Cunene, falou da seca que está a afectar o sul do país e que, lá para os confins, mais lá para o interior, nos municípios, a coisa está ruim. Pedrinha contou que dificilmente a ajuda chega até lá e que o equipamento que foi enviado para fazer os tais furos, os carros, a maior parte foi despachado sem compressores e que agora estão à espera dos compressores!… Estão aqui desde Março e ainda não fizeram nem um furo sequer! E Kevelela a dizer xiça!, então que raio de brincadeira é essa??!!! E Pedrinha a dizer é isso que está a acontecer, pai!, o que está a safar minimamente a situação são os camiões-cisterna, mas mesmo esses não chegam para as encomendas. O gado come o feno enviado, que é salgado, e como não tem água para beber e compensar, no organismo, o boi estica o pernil.
Kevelela e Dona Armanda não queriam acreditar no que estavam a ouvir. Olharam um para o outro e nas mentes uma série de ideias, reflexões e conclusões a martelar o cérebro. O pensamento voou nas imagens e nos relatos da imprensa a mostrar a força, a dinâmica das pessoas e até mesmo do exército a apoiar as pessoas atingidas por catástrofes naturais em Cuba e nos Estados Unidos, tudo certinho, tudo a funcionar, e nós aqui a enviarmos para o Cunene carros sem força para fazer um furo de água…
Se imaginaram a comandar uma "task force" para a seca no sul do país, com as devidas forças e equipamentos, logística incluída, aviões e helicópteros a descolarem e a aterrarem com água e mantimentos, parecia era um exercício militar em tempo de paz, de assistência humanitária de emergência. A sociedade angolana toda a se solidarizar, desde as ONG´s aos partidos políticos. A solidariedade nacional a funcionar verdadeiramente. Os artistas a cantarem para angariar ajudas. E a nossa imprensa toda a cobrir o evento.
Dona Armanda respirou fundo e pegou ao acaso o jornal que estava ao seu lado e reparou na notícia da última página, que falava da recuperação pelo empresário Mello Xavier da cervejeira Rosema, em S. Tomé e Príncipe, e da sua intenção em fazer mais investimentos. Descrente, atirou - mas esse Mello Xavier! Vão lhe receber novamente a empresa quando esse governo mudar. Não aprende?!
E estava assim inaugurada a entrada de Dona Armanda e Bruno Kevelela na era digital.