Opinião

O comboio faz mover a economia

Conceição Capeta ficou contente com as notícias sobre o fim da greve nos Caminhos de Ferro de Luanda e a retoma, para breve, da circulação do comboio até Malanje. O filho, Eduardo Capeta, já tinha telefonado a partir de Luanda a comunicar a boa nova e a dizer que tinha a mercadoria pronta para lhe enviar assim que o comboio fizesse a primeira viagem.

31/05/2019  Última atualização 07H56

Nos dias em que a greve durou Conceição ficou com o coração apertado. Alguns dos produtos que tinha preparado para mandar para Luanda para o filho vender acabaram por começar a deteriorar-se. Como já acumulou alguma experiência desses percalços, a saída foi transformar uns, e, outros, dar aos animais como ração. Aprendeu com as falhas do passado em que o tomate, a banana, o mamão e outros produtos acabavam por se estragar e não tirava nem um centavo sequer. Por isso, arranjou algumas galinhas, porcos e cabritos, e hoje já tem um bom número de cabeças que trata de alimentar com os produtos que não consegue escoar.
A mandioca, para não se estragar, transforma em bombó nos tanques que improvisou. Depois estende ao sol durante alguns dias, na rede fina que conseguiu que Capeta lhe enviasse a partir de Luanda, e já está! É só ensacar. Se o bombó é atacado pelos bichos, transforma em ração para as galinhas. A batata doce, quando vê que já está a perder qualidade, não hesita: vai novamente à terra para dar nova rama e nova batata doce.
Por estes dias em que o comboio esteve parado, a missão era fiscalizar regularmente a qualidade dos produtos. Faz questão de que eles cheguem em boas condições às mãos de Eduardo Capeta e não haja reclamações dos consumidores. Até porque aprendera com os pais que não se dá e não se vende a ninguém uma coisa estragada.
Com a greve dos ferroviários, ainda tentou enviar as coisas pelos camionistas, mas desistiu. Pelo comboio é mais barato. Decidiu, por isso, esperar pelo fim da greve. Recuou no tempo e viu que no passado a situação era pior. A guerra não deixava circular o comboio. Os camiões?!, eram muito poucos os que se atreviam a fazê-lo. O exército tinha de montar um longo cordão de segurança. As estradas estavam péssimas, todas esburacadas. Por isso, embora contrariada porque lhe estava a estragar o negócio, sentia algum conforto porque sabia que a greve era coisa passageira. Nada que se compare à guerra, que, diz com veemência, “não queremos mais confusão; ninguém quer mais confusão”.
Como o filho lhe fala sempre da Dona Armanda, do marido, Bruno Kevelela, e do mais velho Firmino Pelenguenha, pessoas que diz que quando vier a Luanda tem de as conhecer, preparou algumas ofertas para enviar assim que o comboio retomar as viagens. Mandou uma mensagem telefónica a Eduardo Capeta a dar-lhe conta da sua prontidão em enviar os produtos e a pedir que ele que lhe despache a mercadoria que também tem pronta em Luanda. São talheres, artigos de plástico diversos, entre bacias, marmitas e outras quinquilharias, que comercializa lá. Cá, Eduardo trata de canalizar os produtos do campo para a praça.
Parecia era transmissão de pensamento, de Malanje para Luanda. O tema sobre os benefícios da paz estava a ser discutido com particular entrega em casa de Dona Armanda e Bruno Kevelela. O casal, o filho Nelson Kevelela, o jovem Eduardo Capeta, o mais velho Firmino Pelenguenha e mais outras tantas amizades, referências no bairro da Prosperidade, estavam a tratar dos preparativos para celebrar, a 1 de Junho, o Dia Mundial da Criança. Falaram do que as crianças sofreram com os pais quando o país esteve em guerra. Todos queriam uma festa rija e ver os putos felizes.
E o velho Firmino a defender que ninguém pode, nesse dia, querer roubar as atenções que as crianças devem merecer, porque esse dia é mesmo só delas e não é de mais ninguém. Dona Armanda e Bruno Kevelela, primeiro intrigados, mas depois a entenderem a linguagem codificada, a concordarem que sim senhor!, que não se pode estar a dar a ver às crianças filmes de terror, que não é admissível que personagens de filmes de terror queiram roubar aos putos o dia que lhes é mundialmente consagrado, e que esses artistas bem poderiam escolher outra data para o lançamento do seu filme. E todos prometeram empenhar-se para esclarecer às crianças o quão atroz foi a guerra e que ela foi um dos grandes males que contribuiu para o atraso económico e social do país, a par da corrupção galopante que se instalou após o seu término.